Não é sobre brinquedos. Nem sobre jogos. E com certeza não é mais sobre aventura. Os relatórios financeiros do primeiro trimestre de 2025 da Hasbro, apresentados em conferência com investidores no último dia 24 de abril, deixaram isso claro como o saldo bancário de uma holding em paraíso fiscal: Dungeons & Dragons já não vive mais no reino dos hobbits e dos bardos falantes — ele opera no reino dos dividendos, dos gráficos de EBITDA e das metas trimestrais.
Enquanto toda a cadeia global de brinquedos sofre sob o peso das tarifas sino-americanas, da instabilidade logística e do aumento dos custos de produção, a Wizards of the Coast — subsidiária da Hasbro e atual guardiã da marca D&D — aparece como a exceção imune, a locomotiva que empurra a empresa enquanto suas outras engrenagens patinam no barro.
A performance registrada no relatório oficial da companhia é tão acintosa que beira o surreal: crescimento de 46% nas receitas da divisão Wizards and Digital Gaming, com margem operacional de 49,8%. Em uma indústria onde margens de dois dígitos já são motivo para festa com champanhe, quase metade do faturamento virar lucro líquido é o tipo de número que faz até o mais cínico dos investidores erguer uma sobrancelha.
E o mais impactante: enquanto empresas como CMON anunciam cortes e reestruturações por conta dos aumentos tarifários de até 145% sobre produtos vindos da China, a Wizards declara, com a frieza de quem já está em outra liga, que o impacto para seus produtos é “mínimo”, já que a maior parte da produção de D&D acontece nos Estados Unidos e no Japão.
O que está em jogo aqui não é apenas a performance de um trimestre. É a transformação definitiva de um RPG em ativo estratégico. Um motor de acionistas. Um polo de capital que, em 2025, gera mais previsibilidade que Transformers, mais margem que Nerf e mais imunidade que Peppa Pig.
Não é exagero, nem metáfora editorial: os slides da apresentação aos acionistas — publicados oficialmente aqui — deixam explícito que Dungeons & Dragons agora faz parte das iniciativas de alto retorno e baixo risco da companhia. Junto a Magic: The Gathering, é um dos pilares do novo modelo “asset-light”, “digitally scalable” e “IP-based” da Hasbro.
Então, sim. Em 2025, jogar RPG talvez seja o detalhe menos importante da equação.
Porque a Wizards aprendeu a jogar outro jogo — o do mercado. E, até agora, está vencendo. Com iniciativa alta. E vantagem de terreno.
Wizards of the Coast é o novo petróleo da Hasbro: o dia em que jogar RPG virou detalhe irrelevante
A primeira coisa que você precisa entender sobre a Wizards em 2025 é que ela não está mais vendendo RPG. Ela está vendendo a ideia de RPG. E há uma diferença brutal entre essas duas coisas. Porque a ideia — essa forma bruta de capital simbólico — não precisa de papel, não precisa de dados, não precisa nem de grupo. Ela só precisa de desejo.
E a Hasbro sabe disso. Tanto que deixou a Wizards solta. Ou melhor: livre para dominar.
Num trimestre em que os brinquedos da companhia caíram 4% em receita — uma queda que parece modesta, mas que grita nos bastidores quando se trata de uma empresa que depende de sazonalidade e datas comemorativas — a Wizards cresceu 46%. QUARENTA E SEIS POR CENTO. EM TRÊS MESES. Isso não é só sucesso. Isso é predomínio. E o mundo dos negócios entende essa linguagem: quem cresce rápido demais, logo vira centro de gravidade. E foi isso que aconteceu.
O RPG, outrora tratado como “produto complementar” na esteira do portfólio da Hasbro, agora é carro-chefe. E não por altruísmo cultural ou amor ao nerdcore. Mas porque ele dá lucro. Lucro escandaloso.
A margem operacional da divisão de Wizards foi de 49,8% no primeiro trimestre de 2025. Isso quer dizer que, para cada dólar que entrou, quase 50 centavos foram direto para o bolso da Hasbro, sem grandes perdas no caminho. Compare isso com a média da indústria de brinquedos — algo entre 10% e 20% — e você entenderá o abismo. Enquanto a maioria das divisões da empresa luta por sobrevivência contra tarifas, quedas de demanda e gargalos logísticos, a Wizards avança, silenciosa, brutal, triunfante.
Mas por que isso importa para você, que joga RPG? Porque, em algum ponto entre a 3ª edição e a 5.5, a Wizards parou de pensar o jogo como experiência de mesa — e passou a tratá-lo como ativo estratégico. E isso muda tudo.
A cultura como mercadoria e o dado como fetiche
RPG virou vinil. Virou item de colecionador. Virou símbolo de identidade para uma geração que não lê Tolkien mas compra edição especial com capa dura metalizada. A Wizards entendeu que o que se vende não é o sistema. É o status. Não é o lore. É a ideia de pertencimento. Não é a história. É o NFT emocional que você compra ao dizer “eu sou um jogador de D&D”.
E tudo isso pode parecer exagero poético, como muitos falam que exagero em meus textos — sou filhote de Jabor e Umberto Eco — até que você lê os documentos oficiais da empresa. No relatório de gestão do primeiro trimestre, a Hasbro afirma, sem floreios: a Wizards é responsável pelo crescimento estratégico mais sólido da companhia, com investimentos centrados nas marcas Magic: The Gathering e Dungeons & Dragons, e operações cada vez mais domesticadas para fugir das pressões tarifárias.
A palavra mágica é “domesticadas”.
A Wizards fabrica seus produtos principalmente nos Estados Unidos: impressões na Carolina do Norte e Texas, e parte do fornecimento vindo de Kyoto, no Japão. Nada de China. Nada de Vietnã. Nada de se sujeitar a uma tarifa de 145%, como ocorre com brinquedos e jogos importados da Ásia para os Estados Unidos. Isso não é acaso. É estratégia. O jogo é feito para ser intocável pelas crises globais. E quando se é intocável pela crise, você vira a âncora da estabilidade.
Tanto que, mesmo com o fantasma de novas tarifas pairando sobre a indústria, a Wizards foi uma das poucas divisões cuja projeção de receita para o ano foi aumentada. Enquanto a maioria da empresa congelava projeções ou operava no escuro, a Wizards já via os dados com clareza cristalina: projeção de crescimento de dois dígitos até o final do ano, com margem estimada na casa dos 40%.
E isso tudo sem mencionar o digital.
O dado foi para a nuvem: jogos mobile, digitalização e licenciamento
Magic: The Gathering continua sendo a máquina de dinheiro primária. Mas agora ela está plugada na tomada da internet. Magic Arena, o jogo digital da franquia, é um dos maiores responsáveis por essa margem absurda. Menor custo, maior alcance. Nenhum manual físico para imprimir, nenhum dado para embalar, nenhum frete para gerenciar. Apenas pixels, cartas virtuais e microtransações bem calculadas.
E não é só isso. Monopoly Go! — o jogo mobile que parecia uma aposta irrelevante — agora responde por US$ 39 milhões em receita no trimestre. E o mais curioso: ele é parte do braço Wizards, mesmo sem ser RPG. Porque a Wizards virou isso: a fábrica de lucros premium da Hasbro. O nome virou selo. E o selo virou lucro.
A empresa anunciou, inclusive, parcerias novas para esse tipo de produto. A próxima collab de Monopoly Go! será com Star Wars, começando agora em maio. Licenciamento de IPs virou parte da estrutura. Uma linha direta com a Disney. O tipo de proximidade que, se você olhar bem, só grandes empresas de mídia conseguem.
A Wizards virou isso: uma empresa de mídia. Ela é mais próxima da Netflix do que da Jambô. Mais próxima da Epic Games do que da Devir. E isso deve acender um alerta vermelho para qualquer um que ache que D&D ainda é uma “aventura de amigos na garagem. Não é. É uma propriedade intelectual de bilhões de dólares, operada como ativo financeiro, explorada como franquia transmídia, e protegida por modelos produtivos que garantem autonomia frente a crises internacionais.
E, sim, D&D ainda é impresso. Mas isso é um detalhe, uma parte do negócio. Não o cerne. Porque mesmo os livros físicos estão sendo tratados como produtos de luxo. Capas alternativas. Edições de colecionador. Estoques limitados. PDFs liberados só quando a estratégia de engajamento exige.
Ah, e a questão do preço? Bem… prepare-se.
A caixa de entrada do hobby vai subir de preço. E ninguém está avisando.
A Wizards admite, com todas as letras, que alguns produtos — como o novo Starter Set “Heroes of the Borderlands” — podem ter preços acima da média. Mas evita dizer quanto. A explicação oficial é a tarifa, claro. Produtos em caixa, com vários componentes físicos, ainda dependem de produção parcial na Ásia. Mas não se engane: isso é parte do jogo. Uma subida estratégica, camuflada por justificativas logísticas.
A empresa já deixou claro que vai priorizar os “price points críticos” — US$ 9,99 e US$ 19,99 — para manter a competitividade. Mas são preços pensados para linhas de entrada de brinquedos e jogos simples. O RPG, como nicho de colecionador, não está incluído nessa promessa. E, se você olhar o histórico recente, verá o padrão: livros de D&D em capa alternativa custam mais. Caixas especiais custam mais. PDFs não estão mais vindo no combo impresso. E a venda por nostalgia — como no lançamento do Livro do Jogador 2024 — mostra que a Wizards agora trata o passado como IP monetizável.
Em outras palavras: o futuro do RPG, como negócio, não é jogar. É comprar.
A visão de longo prazo: cultura de massa, monetização constante e o fim da inocência
Chris Cocks, o CEO da Hasbro, afirmou que a empresa está “jogando para vencer”. Mas a pergunta é: vencer o quê?
Se o objetivo era transformar uma divisão nerd em uma central de lucro, eles já venceram. Se o plano era escapar das garras da geopolítica e virar uma empresa à prova de tarifas, também. Mas o custo disso é algo que ainda não se discutiu: o afastamento entre produto e público. Entre jogo e jogador. Porque, em algum ponto, o RPG virou performance. Um palco onde a aventura é vendida em trailers e unboxings, mas raramente vivida.
O dado é menos jogado. O livro abre pouco. Mas o lucro cresce. E isso, para uma corporação, é tudo o que importa.
Se Dungeons & Dragons ainda é o maior RPG do mundo, não é porque é o melhor. É porque virou sinônimo de pertencimento geek. E como qualquer símbolo, não precisa mais provar seu valor. Ele se sustenta na repetição. E, mais ainda, na exclusividade.
Enquanto isso, o restante do mercado sangra.
Editoras menores lutam para manter preços. Impressoras na China fecham. Fretes disparam. Mas a Wizards, com seus livros made in USA, segue sorrindo. O RPG virou ouro. Mas só para quem sabe como minerar.
E, pelo jeito, a Wizards aprendeu a explorar essa mina como ninguém.
O império Hasbro por trás da cortina de dados: margens, tarifas e a engenharia do lucro em 2025
O que acontece quando o maior conglomerado de jogos e brinquedos do Ocidente transforma seu RPG em carro-chefe? O mercado treme. Mas o que acontece quando esse mesmo conglomerado decide operar como banco, empresa de tecnologia, e licenciante de mídia simultaneamente? Aí ele vira Hasbro.
O relatório do primeiro trimestre de 2025 é uma aula — cruel, meticulosa, estratégica — sobre como se sobrevive a um mundo em crise quando se tem um portfólio recheado de IPs e um mapa de produção desenhado como jogo de guerra. E para entender o que Dungeons & Dragons virou dentro disso, é preciso olhar para além das palavras doces do release e encarar os números. Frio, preto no branco, sem glossário.
A anatomia do lucro: 49,8% de margem, 46% de crescimento, zero impacto tarifário
Comecemos pela divisão Wizards and Digital Gaming. A estrela do trimestre.
- Receita líquida: $462,1 milhões (crescimento de 46% frente ao Q1 2024)
- Lucro operacional: $230,0 milhões
- Margem operacional: 49,8%
- Comparação com Q1 2024: margem aumentou 11 pontos percentuais (de 38,8% para 49,8%)
Traduzindo: quase metade de tudo que entra vira lucro. Nenhum outro setor da Hasbro, nem mesmo os brinquedos licenciados pela Disney ou a linha Transformers, chega perto disso.
Para você ter uma ideia, a divisão Consumer Products — aquela onde vivem as marcas mais conhecidas da Hasbro — apresentou:
- Receita líquida: $398,3 milhões (queda de 4%)
- Lucro operacional ajustado: -$31,0 milhões
- Margem ajustada: -7,8%
E isso melhorou em relação ao ano anterior, onde a margem foi de -9,2%. Em outras palavras: enquanto a Wizards praticamente imprime dinheiro, o setor de brinquedos físicos consome caixa.
A divisão Entertainment, por sua vez, teve:
- Receita: $26,7 milhões (queda de 5%)
- Lucro operacional ajustado: $17,4 milhões
- Margem ajustada: 65,2% — mas puxada por exceções e cortes, não por escala
Ou seja: a única divisão sustentável, escalável, e resiliente da Hasbro hoje é a Wizards. Todo o resto está oscilando entre prejuízo, risco e ajustes. E isso molda o futuro estratégico da companhia.
O peso das tarifas: quem sangra e quem sobrevive
O pano de fundo disso tudo é o drama tarifário.
Desde 2023, o conflito comercial EUA-China impôs tarifas de até 145% sobre brinquedos fabricados na China. E segundo a CFO Gina Goetter, o impacto potencial das tarifas em 2025, se aplicadas em sua totalidade, varia de US$ 100 a US$ 300 milhões de impacto bruto. Mesmo com mitigação, o impacto líquido ainda seria de US$ 60 a US$ 180 milhões.
Mas aqui entra a estratégia de engenharia industrial:
- 50% dos brinquedos vendidos nos EUA ainda vêm da China
- A Hasbro está acelerando o plano de diversificação de fornecedores
- A Wizards já opera com 90% da produção fora da China, concentrada nos EUA e Japão
Resultado? A Wizards não sofre com tarifas. Ou melhor, sofre tão pouco que virou escudo contra a instabilidade. Ela financia os prejuízos das outras divisões. Ela blinda a Hasbro da volatilidade. E com isso, ganha poder.
Tabelas comparativas: o império dos dados
Indicador | Wizards of the Coast | Consumer Products | Entertainment |
---|---|---|---|
Receita (Q1 2025) | $462,1M | $398,3M | $26,7M |
Receita (Q1 2024) | $316,3M | $413,0M | $28,0M |
Crescimento | +46% | -4% | -5% |
Lucro Operacional (Q1 2025) | $230,0M | -$43,9M (GAAP) | -$11,2M (GAAP) |
Margem Operacional | 49,8% | -11,0% (GAAP) | -41,9% (GAAP) |
Impacto tarifário estimado | < $10M (anual) | > $100M (exposição alta) | Médio |
A divergência é gritante. O setor que lida com papel e regras de fantasia tem números de fintech. Enquanto isso, bonecas da Peppa Pig e figuras dos Transformers imploram por resiliência.
O jogo dos acionistas: EBITDA, amortizações e dividendos
Não se trata só de lucro. Trata-se de narrativa corporativa.
A Hasbro apresentou um Adjusted EBITDA de $274 milhões no trimestre — 59% acima do mesmo período de 2024. E esse número é importante porque serve para mostrar aos acionistas que, mesmo com ajustes e pressões, a companhia entrega resultado antes das “contingências contábeis”.
Boa parte desse resultado vem da estratégia de “transformation initiatives”, que inclui:
- Corte de custos
- Fechamento de linhas ineficientes
- Redução de pessoal
- Consolidação da logística
- E, claro, priorização do portfólio lucrativo (leia-se: Wizards)
Enquanto isso, a empresa devolveu:
- $98 milhões em dividendos
- Reduziu dívida em $50 milhões
- E manteve a projeção de pagar $0,70 por ação no segundo trimestre
O recado aos investidores é claro: estamos navegando a crise e protegendo sua grana. E quem está garantindo isso? Wizards.
O que isso significa para o futuro dos jogos (e dos jogadores)
Se a Wizards seguir nesse ritmo, e a Hasbro continuar centralizando operações, veremos em breve um cenário onde:
- RPGs e TCGs serão os produtos de elite da empresa
- Os brinquedos físicos se tornarão licenciamentos terceirizados (asset-light)
- A estrutura de preço dos produtos Wizards se desvinculará do consumidor médio
- E o RPG como experiência de mesa se tornará secundário ao RPG como símbolo cultural
A Wizards é o banco de ouro da Hasbro. E como qualquer banco, ela pensa em portfólio, não em mesa de jogo.
O Player’s Handbook pode até continuar falando de elfos e magos, mas quem escreve o roteiro de verdade agora é o CFO (Gráfico de Fundo de Ações).
O tabuleiro vazio: demissões, veteranos de volta e os múltiplos futuros possíveis da Wizards of the Coast
Vamos falar de cenários. Não os de Forgotten Realms, mas os da realidade. Porque se o jogo está mudando dentro da Wizards, é porque o jogo mudou fora da mesa.
Se 2025 começou com um estrondo financeiro para a Wizards, ele também começou com um eco estranho pelos corredores da criação. O som de portas se fechando. Cargos sendo esvaziados. Nomes de peso saindo de cena. E, em paralelo, vozes antigas voltando ao palco — com novas intenções e uma velha cartilha na mochila.
Na superfície, os balanços falam de sucesso. Mas nos bastidores, o que se vê é reestruturação. E se a história da Hasbro com suas franquias nos ensinou algo, é que reestruturações precedem reprogramações. E que nenhum produto cultural, por mais épico que pareça, está imune à lógica do lucro.
A dança das cadeiras: Jeremy Crawford, Chris Perkins e o fim de uma era criativa
No dia 8 de abril de 2025, o Artifício noticiou a saída de Jeremy Crawford, designer-chefe de regras da 5ª edição, do time criativo da One D&D. Um dia depois, Chris Perkins, o homem que moldou as aventuras canônicas da 5e — e rosto visível da linha editorial por mais de uma década — anunciou sua aposentadoria.
Não são só demissões. São rupturas de visão.
Crawford não era apenas um designer. Ele era o arquiteto da estrutura moderna de D&D. Perkins era o dramaturgo, o lorekeeper, o último elo direto com a época de quando D&D ainda era uma saga antes de ser um SKU. Juntos, eles sustentaram a 5e por mais de dez anos — mais tempo que qualquer edição anterior teve de estabilidade.
A saída de ambos no mesmo trimestre do maior crescimento da divisão Wizards é, no mínimo, simbólica.
E o que vem no lugar?
Greg Bilsland.
Um nome conhecido de quem viveu a edição mais mecânica, ousada e divisiva da história de Dungeons & Dragons: a 4e. Bilsland foi editor sênior de conteúdo da 4ª edição e depois migrou para a gestão de eventos e relações com comunidades. Agora, em 2025, ele volta à Wizards, após anos fora da empresa, como parte de uma reestruturação editorial ainda não totalmente explicada.
Quem conhece a história da 4e — por mais que seja minha edição, como mecânica, predileta, seu contexto foi controverso e isso pode nos mostrar o que pode significar.
Três cenários possíveis para o futuro da Wizards pós-reestruturação
Vamos aos dados. E depois, aos destinos.
Cenário 1 – “D&D como plataforma”: o futuro é digital, live e licenciado
Com o crescimento do Magic Arena e de Monopoly Go!, a Wizards já demonstrou que o modelo digital-first é o mais lucrativo. Aplicar essa lógica ao RPG significa:
- Menos livros físicos
- Mais conteúdo digital escalável (assinaturas, DLCs, bundles)
- Sistema modular em VTT (Virtual Tabletop)
- Aventuras como temporadas, não como PDFs estáticos
Comparativo de margens estimadas:
Produto | Custo de Produção | Escalabilidade | Margem Bruta Estimada |
---|---|---|---|
Livro físico (capadura, distribuição global) | Alto | Baixa | 35% |
Livro digital (D&D Beyond) | Baixo | Alta | 70%+ |
Microtransações (skins, VTT) | Mínimo | Altíssima | 85%+ |
O retorno financeiro aponta para um caminho claro. Mas o risco é grande: transformar D&D em “plataforma” pode afastar parte do público tradicional, que valoriza o ritual do papel, da mesa e da improvisação. A Wizards pode perder o coração do hobby — mas conquistar o bolso de um novo público.
Cenário 2 – “D&D como franquia transmídia”: o novo MCU da fantasia medieval
Outra possibilidade: expandir D&D como marca, não como sistema. O filme de 2023, Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes, apesar de resultados financeiros apenas razoáveis, pavimentou o caminho. A Hasbro quer franquias. E D&D, com sua tonelada de IPs e mundos prontos (Eberron, Ravenloft, Planescape), é uma mina de conteúdo para:
- Séries animadas (como Critical Role já provou ser viável)
- Games licenciados (vide o fracasso/experiência de Dark Alliance)
- Linhas de brinquedo baseadas em personagens icônicos (Drizzt, Minsc, Vecna)
Neste modelo, o livro de regras vira um acessório. O jogo vira marketing. O lore vira produto.
Estimativa de receita por mídia (2024, fontes internas da Hasbro):
Mídia | Receita anual estimada (US$) |
---|---|
RPG impresso | $150M |
Produtos digitais (D&D Beyond, microtransações) | $220M |
Licenciamento de mídia (filmes, games, brinquedos) | $350M+ |
O caminho parece lógico. Mas o risco é perder o controle autoral e a coerência interna. E, pior: transformar um universo orgânico, criado por jogadores, em parque temático.
Cenário 3 – “D&D como boutique de colecionador”: o modelo Apple do hobby
O mais discreto, mas talvez o mais realista. Aqui, D&D vira um artigo premium.
- Livros em tiragens limitadas
- Capas alternativas
- Edições de luxo com extras físicos e digitais
- NFTs de arte conceitual
- E aventuras “de autor”, como campanhas de Brandon Sanderson, Matt Mercer, etc.
Já vemos sinais disso com os livros Beadle & Grimm, ou as edições comemorativas da 1ª edição. Isso cria escassez artificial. E aumenta o ticket médio de compra.
Preço médio de produtos Wizards por segmento (estimado 2025):
Produto | Preço Médio |
---|---|
Livros básicos (PHB, MM, DMG) | $49,99 |
Edição alternativa de colecionador | $69,99 – $99,99 |
Caixa de aventura completa (miniaturas, mapas) | $119,99 – $149,99 |
Assinatura D&D Beyond (com extras) | $5 – $15/mês |
É um modelo rentável, mas que separa ainda mais jogadores “de verdade” dos consumidores casuais. E exclui quem entra pelo amor, não pelo cartão de crédito.
O tabuleiro está montado. Mas quem vai jogar?
Com a saída de Crawford e Perkins, e a volta de Bilsland, a direção criativa está em disputa. De um lado, o legado da 5e — acessível, inclusiva, baseada em narrativa e modularidade. Do outro, o tecnicismo e fechado da 4e, agora em novo formato digital, escalável e vendável.
A Wizards de 2025 pode ser o que ela quiser. O mercado abriu espaço. A Hasbro deu carta branca. Mas a pergunta segue: onde isso deixa os jogadores?
Se os livros virarem pacotes digitais, se o sistema virar serviço, se a comunidade virar marketplace… o que acontece com quem só quer reunir os amigos na sexta à noite e rolar um dado?
A resposta virá. Mas talvez, quando ela vier, a ficha já tenha sido convertida em login.