A tradução de RPGs é uma tarefa complexa que vai muito além da simples conversão de palavras – ela exige conhecimento técnico, adaptação cultural e respeito às mecânicas e à narrativa do jogo original. Para ajudar tradutores e entusiastas a compreenderem esse processo, o Artifício RPG, antigo Toca do Coruja, decidiu compartilhar sua experiência acumulada em mais de cinco anos de atuação e dezenas de livros traduzidos.
Esta é a primeira parte de uma série de artigos que revelarão os segredos da tradução de RPG, desde o planejamento inicial até a finalização do texto. E nada mais justo do que começar pelo pré-projeto, a etapa que define a base para uma tradução consistente e fiel ao material original. Sem um pré-projeto bem estruturado, a tradução pode se tornar confusa, gerar retrabalho e comprometer a qualidade final.
Abaixo está o vídeo da conversa que fez surgir este artigo. Lá, demostramos com mais exemplos e de forma mais informal o que apresentamos abaixo.
Então, vamos mergulhar nesse primeiro passo essencial e entender por que o pré-projeto é a chave para uma tradução bem-sucedida!
O Pré-Projeto #
O pré-projeto é a arquitetura da tradução. Se você está se aventurando no mundo da tradução de RPGs, entender as etapas e a preparação adequada do projeto é fundamental.
O pré-projeto serve para organizar e antecipar desafios, minimizando erros ao longo do processo. Ele permite que a equipe defina diretrizes claras, estabeleça um glossário consistente e compreenda a fundo o material antes mesmo de iniciar a tradução. Esse planejamento inicial economiza tempo, melhora a eficiência do trabalho e evita revisões excessivas, que podem comprometer prazos e qualidade. Vamos mergulhar nos detalhes!
O que Vamos Ver: #
- Preocupações e Preparação: Introdução à fase de pré-projeto: O trabalho para evitar o retrabalho.
- Planejamento das Prioridades
- Glossário: A Base de Tudo
- Funil de Estoque de Sinônimos
- Padronizações de Frases
- As Quatro regras de Tradução e Desempate
- Tradução vs Localização
Por que o Pré-Projeto é Crucial? #
Como dito acima, traduzir envolve a adaptação de mecânicas, conhecimento de game design, ambientação e terminologias, garantindo que a experiência original seja mantida para os jogadores. Para que esse processo ocorra de maneira fluida e precisa, o pré-projeto se torna um passo fundamental. Sem essa etapa inicial, corre-se o risco de criar um material inconsistente, repleto de ajustes tardios e retrabalho desnecessário.
A preparação adequada é como a fundação de uma casa — sem um planejamento sólido, todo o restante pode desmoronar. Muitas traduções de RPGs falham ao negligenciar essa fase, o que resulta em inconsistências, terminologias conflitantes e um produto final que não reflete com fidelidade o jogo original.
Sem um pré-projeto adequado, a tradução se torna caótica, com diferentes tradutores adotando abordagens conflitantes e obrigando revisores a refazer trechos inteiros. Investir nessa etapa inicial não é um luxo, mas uma necessidade para garantir um trabalho de qualidade.
Preocupações e Preparações na Tradução de RPG #
Abaixo, um resumo de todos os escopos do pré-projeto que vamos abordar ao longo do artigo.
Preocupações #
Ao abordar a tradução de materiais de RPG, algumas preocupações são cruciais para garantir a qualidade e a consistência do trabalho. A primeira delas, e vamos falar isso VÁRIAS VEZES, é evitar o retrabalho. Traduzir sem um conhecimento adequado do material pode gerar inconsistências que exigem revisões extensivas. Por exemplo, ao traduzir termos sem entender seu contexto, podemos acabar utilizando sinônimos que, à primeira vista, parecem corretos, mas que na verdade não se encaixam na intenção original do autor. Por isso temos algo chamado Funil de Estoque de Sinônimos, que vamos abordar mais pra frente.
Além disso, é essencial respeitar o estilo e a intenção do autor original. Cada autor tem sua própria voz, e a tradução deve refletir isso, evitando que a emoção do texto se perca. Para isso, é fundamental ler e entender o material antes de começar a tradução.
Outro ponto importante é garantir que a linguagem utilizada seja neutra e acessível. A linguagem neutra, especialmente no contexto brasileiro, deve evitar expressões que possam carregar emoções ou preconceitos. Isso inclui evitar termos que possam ser interpretados de maneira problemática ou preconceituosa, como foi o caso de algumas traduções que precisaram ser revisadas para não ofender determinadas culturas ou grupos sociais.
Preparações #
Antes de começar a tradução, algumas preparações são fundamentais para assegurar um trabalho eficaz e de qualidade. Uma delas é a criação de um glossário de termos (que veremos a seguir) específicos, como classes, habilidades e itens. Isso ajuda a manter a consistência ao longo do texto e facilita a identificação de termos que já foram traduzidos anteriormente.
Além disso, é importante padronizar frases recorrentes. Isso não apenas melhora a fluidez do texto, mas também ajuda a manter uma identidade coesa no material traduzido, evitando que ele se torne uma “coxa de retalhos”. O planejamento do escopo do projeto é igualmente essencial: definir prazos e dividir o material em partes menores torna o trabalho mais gerenciável.
Configurar ferramentas como glossários e memórias de tradução é outra etapa crucial. Essas ferramentas ajudam a organizar o trabalho e a garantir que termos e frases sejam utilizados de maneira consistente. Por fim, familiarizar-se com o material original antes de traduzir é uma prática que pode evitar muitos problemas e retrabalhos no futuro. Vamos para as bases:
1. Planejamento das Prioridades na Tradução de RPG #
Organização das Prioridades dos Capítulos #
A tradução de RPGs requer um planejamento cuidadoso para garantir a consistência do material e evitar retrabalho desnecessário. Muitos sistemas possuem interdependências entre capítulos, tornando essencial uma abordagem estratégica para que a terminologia e as mecânicas sejam aplicadas de forma coerente. Sem um plano estruturado, há o risco de criar traduções conflitantes de regras, habilidades e elementos narrativos, o que pode resultar em revisões demoradas e comprometer a clareza do texto final.
Dividir o conteúdo em partes gerenciáveis é uma boa prática. Ao ler o material, identifique quais seções são prioritárias e quais podem ser traduzidas em sequência. Isso ajuda a manter o fluxo e a lógica da tradução, evitando que você se perca em detalhes que podem ser resolvidos mais tarde.
Seguir um planejamento organizado garante que cada parte do RPG seja traduzida no momento certo, respeitando a estrutura do sistema e minimizando erros. Sem essa abordagem, o processo pode se tornar desorganizado, resultando em inconsistências e dificuldades durante a revisão.
- Regras Fundamentais: O primeiro passo é traduzir o capítulo que detalha a mecânica principal do jogo, como testes de atributo, jogadas, combate e resolução de ações. Essa seção serve como base para o restante do conteúdo e deve ser traduzida com cuidado para garantir que todas as mecânicas sejam compreendidas corretamente.
- Sistemas de Progressão: Em seguida, a tradução deve avançar para as seções que descrevem classes, arquétipos, espécies e talentos. Essas seções fazem uso contínuo de conceitos previamente traduzidos, como magias, equipamentos e interações mecânicas. Traduzir esses trechos sem uma base sólida pode levar a descrições confusas e mecânicas inconsistentes.
- Elementos Narrativos e de Ambientação: Por fim, a tradução pode avançar para os elementos narrativos, como vilas, habilidades de monstros, NPCs e outros detalhes que compõem o mundo do jogo. Embora essas partes não afetem diretamente a jogabilidade, elas são essenciais para a imersão dos jogadores e a construção do mundo do jogo.
Um exemplo desse método pode ser visto na organização que desenvolvemos para a tradução do SRD 2024, que ilustra claramente as relações entre os capítulos e a ordem ideal de tradução. Ao estruturar o trabalho dessa maneira, a tradução se torna mais fluida e coesa, garantindo um material de qualidade tanto para jogadores quanto para mestres.
Exemplos de Dependências entre Capítulos #
2. Glossário: A Base da Tradução de RPG #
A tradução de RPGs é uma tarefa complexa que exige não apenas domínio linguístico, mas também uma compreensão profunda das mecânicas, narrativas e terminologias específicas do jogo. A precisão e a consistência são fundamentais, pois termos técnicos, expressões recorrentes e nomes próprios aparecem repetidamente ao longo do material. Um erro ou inconsistência na tradução desses elementos pode comprometer a compreensão das regras, a imersão dos jogadores e até mesmo a jogabilidade. Por isso, a criação de um glossário é um passo essencial que deve ser realizado antes do início da tradução.
Um glossário bem estruturado serve como uma referência centralizada para a equipe de tradução, garantindo que todos os termos sejam traduzidos de forma uniforme. Sem ele, diferentes tradutores podem interpretar os mesmos conceitos de maneiras distintas, gerando inconsistências que podem confundir os jogadores e Mestres. Além disso, a padronização de frases e expressões recorrentes é crucial para manter a clareza e a coesão do texto, especialmente em livros de RPG, onde termos técnicos e mecânicas específicas aparecem repetidamente.
O Processo de Construção do Glossário #
A criação de um glossário eficiente é um processo meticuloso que envolve várias etapas. Ele começa com um levantamento detalhado dos termos-chave do sistema, seguido de uma organização cuidadosa desses termos em categorias e subcategorias. Esse processo garante que a equipe de tradução possa consultar e aplicar os termos de forma consistente ao longo do projeto.
- Análise do Material Original
O primeiro passo é realizar uma análise minuciosa do livro original para identificar os termos, expressões e conceitos que são essenciais para o funcionamento do jogo. Isso inclui:
• Termos Técnicos: Palavras ou frases que descrevem mecânicas específicas, como “jogada de dados”, “salvaguarda” ou “ação Esconder”.
• Expressões Recorrentes: Frases que aparecem repetidamente ao longo do texto, como “complete um Descanso Longo” ou “cai a 0 Pontos de Vida”.
• Nomes Próprios: Nomes de personagens, locais, magias, habilidades e itens que precisam ser traduzidos ou adaptados de forma consistente.
• Conceitos Narrativos: Termos que descrevem a ambientação do jogo, como “reino”, “feitiçaria ancestral” ou “criatura mística”. - Categorização dos Termos
Uma vez identificados, os termos devem ser organizados em categorias e subcategorias para facilitar a consulta e aplicação. Essa organização ajuda a equipe de tradução a encontrar rapidamente os termos que precisam e a garantir que a terminologia seja aplicada de forma consistente. As categorias comuns incluem:
• Regras e Mecânicas: Termos relacionados a jogadas, testes, ações, salvaguardas e outras mecânicas específicas do sistema.
• Personagens e Progressão: Classes, arquétipos, talentos, atributos e outras características dos personagens.
• Magias e Habilidades: Efeitos mágicos, habilidades especiais e poderes que impactam diretamente as mecânicas do jogo.
• Criaturas e Ambientação: Descrições de monstros, NPCs, cenários e elementos narrativos que compõem o mundo do jogo.
• Equipamentos e Itens: Armamentos, armaduras, poções, pergaminhos e outros recursos utilizáveis pelos personagens. - Registro de Traduções Anteriores
Em caso de traduções de materiais pertencentes a uma franquia, é importante registrar termos que já possuem traduções estabelecidas em publicações anteriores. Isso garante a coerência com materiais já publicados e evita a necessidade de redefinir constantemente termos que já foram padronizados. Por exemplo, se um termo como “Fireball” foi traduzido como “Bola de Fogo” em edições anteriores, essa tradução deve ser mantida para evitar confusão entre os jogadores. Lembre-se: a padronização é mais importante do que gosto pessoal. Primeiro, porque gosto muda de pessoa por pessoa, segundo, pois o leitor vai procurar o mesmo termo na versão portuguesa, e fica confuso sobre qual pesquisar. - Uso de Ferramentas Digitais
Ferramentas de tradução assistida (vamos ter uma aula só sobre isso), como memórias de tradução, podem ser extremamente úteis para garantir que os termos padronizados sejam aplicados automaticamente ao longo do processo. Essas ferramentas permitem que os tradutores trabalhem com maior eficiência, evitando erros e agilizando a revisão. Além disso, elas ajudam a manter a consistência terminológica, especialmente em projetos grandes com múltiplos tradutores.
Estruturação do Glossário #
Um glossário eficiente deve ser organizado de forma clara e adaptado às necessidades do material traduzido. Além de categorizar os termos, é importante incluir informações adicionais que ajudem a equipe de tradução a aplicar os termos corretamente. Algumas práticas recomendadas incluem:
• Subcategorias para Organização: Separar os termos de acordo com sua função no jogo facilita a consulta e aplicação do glossário. Por exemplo, dentro da categoria “Personalização”, pode-se criar subcategorias como “Classes”, “Raças” e “Talentos”.
• Indicação de Traduções Oficiais: Registrar se um termo já possui uma tradução oficial, qual a referência utilizada e se a tradução foi confirmada. Isso ajuda a evitar inconsistências e garante que a terminologia seja aplicada corretamente.
• Exemplos de Padronização: Incluir exemplos práticos de como os termos devem ser aplicados no texto. Por exemplo, se o termo “saving throw” foi traduzido como “salvaguarda”, é útil incluir uma frase de exemplo como “A criatura encerra esse efeito com um sucesso em uma salvaguarda”.
Exemplo Prático: Glossário no SRD dos Monstros do D&D 2024 #
Na tradução do SRD dos Monstros do D&D 2024, adotamos um modelo de glossário detalhado que organizava os termos em categorias e subcategorias. Cada termo foi acompanhado de informações sobre sua tradução oficial, referências utilizadas e exemplos de aplicação. Essa abordagem permitiu que a tradução ocorresse de forma organizada e eficiente, reduzindo o retrabalho e garantindo a aplicação correta da terminologia desde o início.
Por exemplo, o termo “Armor Class” foi traduzido como “Classe de Armadura” e incluído na categoria “Regras e Mecânicas”. Um exemplo de aplicação foi fornecido: “A Classe de Armadura do dragão é 18.” Essa padronização garantiu que o termo fosse aplicado de forma consistente em todo o material, evitando confusões e melhorando a clareza do texto.
Esse método permite que a tradução ocorra de forma organizada e eficiente, reduzindo o retrabalho e garantindo que a terminologia do jogo fosse aplicada corretamente desde o início. Ao adotar essa estrutura para qualquer tradução de RPG, evitamos inconsistências e melhoramos a qualidade do material final, garantindo que os jogadores e Mestres possam aproveitar o jogo com a máxima clareza e fidelidade ao original.
Funil de Estoque de Sinônimos: A Chave para Evitar Retrabalho e Facilitar Tomadas de Decisão na Tradução de RPG #
Na tradução de RPGs, um dos maiores desafios é a escolha e padronização de termos, garantindo que cada conceito seja aplicado de forma consistente ao longo do material. Sem um método estruturado para essa tomada de decisão, o processo pode se tornar caótico, levando a traduções conflitantes, revisões demoradas e um material final inconsistente. Para evitar esse cenário, utilizamos o Funil de Estoque de Sinônimos, uma abordagem sistemática que organiza os termos de acordo com sua relevância dentro do jogo, permitindo que a tradução ocorra de forma lógica e eficiente.
O conceito do funil é simples: os termos são organizados em diferentes níveis, dos mais essenciais para a mecânica do sistema até os mais específicos e ocasionais. Essa hierarquia garante que as decisões terminológicas fundamentais sejam feitas logo no início do projeto, minimizando o risco de revisões futuras e mantendo a coesão do texto. A tradução de RPGs não pode ser feita de maneira aleatória, pois muitos termos dependem uns dos outros para manter a integridade das regras e da ambientação do jogo.
A Estrutura do Funil de Estoque de Termos #
1. Termos Básicos: A Base do Sistema #
A camada mais inferior do funil é composta pelos termos básicos, ou seja, aqueles que são essenciais para o funcionamento do jogo. Eles incluem palavras como salvaguarda, teste de atributo, jogada de ataque, ação, bônus de proficiência e dado de vida. Esses termos aparecem em praticamente todas as seções do livro e influenciam a estrutura das regras. Por isso, eles devem ser definidos antes de qualquer outra tradução.
Sem essa padronização inicial, a tradução pode se tornar inconsistente e confusa, especialmente quando os mesmos conceitos são apresentados de formas diferentes ao longo do livro. Por exemplo, se um tradutor usa “teste de atributo” em um capítulo e outro decide traduzir o mesmo conceito como “teste de habilidade”, os jogadores podem interpretar essas expressões como mecânicas distintas.
2. Personalizações: Classes, Espécies e Talentos #
Na próxima camada do funil, estão os nomes de personalizações, que englobam termos como classes, magias, talentos, espécies, antecedentes e monstros. Esses elementos são fundamentais para a construção dos personagens e do mundo do jogo, exigindo uma tradução coesa e bem definida.
Se um termo for alterado após a tradução inicial, pode ser necessário revisar diversas seções do livro para garantir que ele esteja sendo usado de maneira uniforme. Por isso, essa camada do funil exige decisões bem fundamentadas e alinhadas com a tradução oficial de materiais anteriores, quando disponíveis.
3. Sub-Personalizações: Habilidades e Características Secundárias #
O terceiro nível do funil trata das derivações das personalizações, como habilidades de classe, sub-antecedentes e características de monstros. Esse grupo inclui termos que dependem diretamente das personalizações já estabelecidas.
Por exemplo, ao traduzir uma habilidade de uma classe, é essencial que os termos utilizados estejam alinhados com a tradução da própria classe. Se um “Ranger” (Guardião) tem uma habilidade chamada “Hunter’s Mark”, ela deve seguir a lógica de tradução já estabelecida para a classe, evitando termos que possam entrar em conflito com outras mecânicas do jogo.
4. Termos Específicos e Opcionais: NPCs, Localidades e Descrições #
No topo do funil estão os termos específicos e ocasionais, que incluem nomes de NPCs, lugares, itens narrativos e termos descritivos. Esses elementos têm menos impacto na jogabilidade e podem ter uma margem maior para variação na tradução.
Como esses termos são menos estruturantes, eles podem ser ajustados conforme necessário para se adequar melhor ao contexto da tradução. No entanto, mesmo aqui, a consistência ainda é importante. Um NPC cujo nome tenha sido traduzido de forma diferente em diferentes partes do livro pode gerar confusão para os jogadores e mestres.
A imagem abaixo ilustra essa estrutura de forma clara, demonstrando como os termos são classificados e priorizados ao longo da tradução. Esse modelo permite que cada etapa do processo seja realizada de maneira organizada, assegurando que todas as decisões terminológicas sejam bem fundamentadas e aplicadas de forma consistente.
Com a aplicação do Funil de Estoque de Termos, a tradução de RPGs se torna mais eficiente, garantindo um material final que respeita a mecânica original do jogo, facilita a compreensão dos jogadores e preserva a identidade da obra original.
Padronizações de Frases na Tradução de RPG #
A padronização de frases é outro dos pilares fundamentais da tradução de RPGs, garantindo que o material seja claro, coeso e acessível aos jogadores. Como os RPGs frequentemente reutilizam construções de frases para descrever mecânicas e regras, inconsistências na tradução podem comprometer a compreensão e a jogabilidade. Frases mal estruturadas, uso inadequado de pronomes e variações na escolha de palavras podem gerar dúvidas entre jogadores e mestres, tornando as regras menos intuitivas e, em alguns casos, até dificultando a aplicação das mecânicas corretamente durante uma sessão de jogo.
Diferente do inglês, onde muitas sentenças podem ser curtas e diretas, o português tende a apresentar frases mais longas e detalhadas. Essa diferença estrutural exige um cuidado extra para manter a clareza sem alterar o sentido original do texto. Além disso, expressões comuns no inglês podem não ter correspondência exata no português, o que requer adaptações para preservar o significado e o tom do texto original.
Padronização de Frases Recorrentes #
Um dos erros mais comuns na tradução de RPGs é a variação na forma como frases recorrentes são traduzidas ao longo do material. No texto original, um mesmo conceito pode ser descrito de formas diferentes para manter a variedade estilística. No entanto, ao manter essa variação na tradução, corre-se o risco de confundir os leitores, principalmente quando termos técnicos ou mecânicos são envolvidos. Para evitar esse problema, é essencial criar padrões e segui-los rigorosamente.
Exemplos #
Exemplo da magia Flesh to Stone do Free Rules 2024
Original: You attempt to turn one creature that you can see within range into stone.
❌ Tradução inconsistente: Você tenta transformar uma criatura que pode ver dentro do alcance em pedra.
✅ Tradução padronizada: Você tenta transformar uma criatura à sua vista e no alcance da magia em pedra.
Aqui, a tradução inconsistente apresenta uma construção menos fluida e traduz “within range” como “dentro do alcance”, o que pode gerar dúvidas sobre a mecânica do feitiço. A versão padronizada melhora a legibilidade e mantém a consistência com outras descrições de regras do sistema, garantindo que a expressão “à sua vista e no alcance da magia” seja aplicada uniformemente em todo o material.
Exemplo da regra High Jump do Free Rules 2024
Outro ponto essencial é evitar traduções literais que comprometam o significado no contexto das regras. A frase “make a High Jump”, por exemplo, pode ser traduzida erroneamente como “fazer um Salto em Altura”, enquanto a melhor opção seria “realizar um Salto em Altura”, respeitando a terminologia padronizada do sistema.
Original: When you make a High Jump, you leap into the air a number of feet equal to 3 plus your Strength modifier (minimum of 0 feet) if you move at least 10 feet on foot immediately before the jump.
❌ Tradução inconsistente: Quando você faz um Salto em Altura, você salta no ar um número de pés igual a 3 mais o seu modificador de Força (mínimo de 0 pés) se você mover pelo menos 10 pés antes do salto.
✅ Tradução padronizada: Ao realizar um Salto em Altura, você salta no ar o equivalente a 1 metro mais 30 centímetros por ponto em seu modificador de Força (mínimo 0), desde que consiga se mover pelo menos 3 metros a pé imediatamente antes do salto.
Além de adaptar as unidades para o sistema métrico, a versão padronizada melhora a fluidez da leitura e mantém a estrutura usada para descrever outras regras semelhantes, além de evitar a repetição da palavra “você” na mesma frase.
O Uso de Pronomes e o Risco de Ambiguidade #
Outro cuidado fundamental ao traduzir RPGs é o uso de pronomes possessivos, como “seu” e “teu”, que podem gerar ambiguidades quando há múltiplos sujeitos na frase. O inglês muitas vezes usa “its” para se referir a um elemento do jogo, mas o português exige mais precisão.
Exemplo da magia Otto’s Irresistible Dance do Free Rules 2024
Original: On a successful save, the target dances comically until the end of its next turn, during which it must spend all its movement to dance in place.
❌ Tradução ambígua: Em caso de sucesso, o alvo dança comicamente até o final do seu próximo turno, durante o qual deve gastar todo o seu movimento para dançar no mesmo lugar.
✅ Tradução clara: Em caso de sucesso, o alvo dança comicamente até o final do próximo turno dele, durante o qual ele deve gastar todo o movimento para dançar no mesmo lugar.
Na versão ambígua, o pronome “seu” pode dar a entender que o efeito se refere ao turno do jogador ou do conjurador, e não do alvo. A versão padronizada esclarece a relação entre os elementos da frase, garantindo que os jogadores entendam que o efeito ocorre no turno do alvo.
Esse tipo de padronização é essencial em traduções de regras, pois evita interpretações erradas que podem impactar o equilíbrio do jogo. Sempre que um efeito se aplicar a um personagem específico, o tradutor deve esclarecer se ele se refere ao alvo, ao conjurador ou a outro elemento da cena.
Ajustes Estruturais para Melhor Legibilidade #
O inglês permite construções mais diretas e frases curtas, enquanto o português frequentemente requer sentenças mais longas para manter a fluidez. Por isso, algumas frases podem precisar de pequenos ajustes para manter a clareza sem alterar o significado.
Original: If you fail the saving throw, you take 2d6 fire damage.
❌ Tradução literal: Se você falhar na salvaguarda, você recebe 2d6 de dano de fogo.
✅ Tradução otimizada: Ao falhar na salvaguarda, você sofre 2d6 pontos de dano Ígneo.
Aqui, removemos a redundância do “você” repetido, substituímos “dano de fogo” por “dano Ígneo” (seguindo o glossário padrão), acrescentamos o termo “pontos” para deixar claro os pontos de dano (depois vou fazer um artigo sobre como Pontos de Vida para Hit Poits é uma das piores traduções já feitas, pois induz bastante ao erro) e ajustamos o tempo verbal para manter a concisão.
Aplicação Prática na Tradução do SRD 2024 #
Durante o pré-projeto de tradução do SRD 2024, estabelecemos diretrizes específicas para padronizar o uso de verbos e expressões recorrentes. A tabela apresentada na tabela abaixo exemplifica como a etimologia dos verbos e suas aplicações foram definidas antes da tradução começar. Fique a vontade para conferir e usar como desejar.
Etimologia | Verbo | Explicação |
Ação em geral | Executa | Você executa uma ação, usa sua ação para fazer algo, ou referencia “como uma ação…” ou reação |
Acerto Crítico | Obtém | Você obtém um Acerto Crítico. |
Ataque atingidos | Acerta ou Atinge | Seu ataque acerta (ou atinge). |
Ataque não atingidos | Erra ou é malsucedido | Seu ataque erra (não é bem-sucedido ou malsucedido). |
Ataque realizados | Realiza ou Ataca | Você realiza um ataque (ou ataca) |
Bônus ou Buff (alvo) | Concede | Você concede Vantagem. |
Bônus ou Buff (você) | Adquire | Você adquire +2 nas jogadas de ataque. |
Característica | Adquire | Você adquire uma característica. |
Característica (uso) | Usa | Você usa uma característica. |
Concentração (manter) | Mantém | Você mantém a concentração. |
Condição (adquirir) | Tem | Você ou o alvo tem a condição. |
Condição (terminar) | Termina | A condição termina em 1 dia. |
Condição (término prévio) | Encerra | A condição encerra se for bem-sucedido em uma salvaguarda. |
Dado | Joga | Você joga os dados. |
Dano (Ação sua) | Causa | Você causa dano. |
Dano (em você ou alvo) | Sofre | Quem entrar na área sofre pontos de dano. |
Descansos | Completa | Você completa um descanso Curto ou Longo. |
Desvantagem | Tem | Você tem Desvantagem no ataque. |
Efeito (terminar) | Termina | O efeito termina em 1 minuto. |
Efeito (término prévio) | Encerra | O efeito encerra se for bem-sucedido em uma salvaguarda. |
Escolha | à sua escolha | Cada criatura à sua escolha. |
Extras | Adicional | Você realiza um ataque adicional (exceto a característica Ataque Extra. |
Iniciativa | Joga | Você joga a Iniciativa. |
Magia | Conjura | Você conjura uma magia. |
Magia (terminar) | Termina | A magia termina no fim da duração. |
Magia (término prévio) | Encerra | A magia encerra se você conjurar outra magia. |
Movimentação | Se Move | Você se move através da muralha de espinhos. |
Nível (atingimento) | Atinge | Você atinge um nível. |
Perícia | Adquire | Você adquire treinamento com uma perícia. |
Pontos de Vida (Cura em Si) | Recupera | Você recupera Pontos de Vida. |
Pontos de Vida (Cura em um Alvo) | Restaura | Você restaura Pontos de Vida de um alvo ou criatura. |
Pontos de Vida (para adicionar) | Recebe | Você recebe Pontos de Vida. |
Pontos de Vida [0] (Ação sua) | Reduz | Você reduz um alvo a 0 Pontos de Vida. |
Pontos de Vida [0] (você ou alvo) | Cai | Você cai a 0 Pontos de Vida. |
Pontos de Vida fixo | Tem | Você tem 1 Ponto de Vida. |
Pontos de Vida Temporários | Adquire | Você adquire Pontos de Vida Temporários |
Salvaguardas | Realiza | Você realiza uma salvaguarda, e é bem-sucedido ou malsucedido. |
Talento | Adquire | Você adquire um talento. |
Teste | Realiza | Você realiza um teste de atributo, e é bem-sucedido ou malsucedido. |
Treinamento | Adquire | Você adquire um treinamento. |
Usos ou Algo (Parcial) | Recupera | Você recupera 1 uso. |
Usos ou Algo (Total) | Restaura | Você restaura todos os usos. |
Vantagem | Tem | Você tem Vantagem no ataque. |
Vantagem | Conceder/Garantir/Ter | Você pode conceder (ou concede) Vantagem a uma criatura / Você garante Vantagem / Você tem Vantagem em uma jogada.. |
Visão | à sua vista | Uma criatura à sua vista. |
Através desse planejamento, garantimos que verbos como “executa”, “concede”, “adquire”, “realiza”, “mantém”, entre outros, sejam usados consistentemente. Isso não apenas melhora a legibilidade do texto, mas também torna a experiência de jogo mais intuitiva, evitando que jogadores e mestres precisem reinterpretar termos a cada nova seção do livro.
Ao aplicar essa metodologia, conseguimos reduzir significativamente o tempo de revisão e minimizar retrabalhos. A unificação dos termos permite que todas as mecânicas sejam compreendidas de forma uniforme, eliminando inconsistências que poderiam dificultar o entendimento das regras.
Com isso, a padronização das frases na tradução do SRD 2024 não é apenas uma recomendação, mas uma necessidade para garantir um material de qualidade, acessível e coeso para todos os jogadores.
Ordem Alfabética em Listas e Tabelas #
A estrutura alfabética é amplamente utilizada em livros de RPG para facilitar a consulta e tornar o material mais organizado. Isso inclui:
- Classes e arquétipos – Quando classes e arquétipos estão organizados alfabeticamente no original, a mesma estrutura deve ser mantida na tradução, o que pode exigir uma reordenação dos nomes traduzidos.
- Características de classe do mesmo nível – Dentro de cada classe, habilidades de mesmo nível devem seguir a ordem alfabética na tradução, assegurando que o leitor encontre rapidamente as opções disponíveis.
- Magias e efeitos mágicos – Listas de magias são um dos principais exemplos de elementos que precisam ser reorganizados. Como os nomes das magias mudam na tradução, a sequência original precisa ser ajustada para respeitar a nova ordem alfabética.
- Tipos de dano e condições – Categorias como Elétrico, Gélido, Ígneo e Trovejante devem ser reordenadas na versão traduzida para preservar a lógica de organização e evitar inconsistências.
- Tabelas de referência – Listas de equipamentos, talentos, efeitos de jogo e criaturas seguem esse mesmo princípio, garantindo uniformidade e facilitando a localização rápida de informações.
Um exemplo prático dessa reestruturação pode ser visto na tradução de uma habilidade do Druida, onde os tipos de dano foram organizados corretamente para manter a clareza:
Nível 7: Fúria Elemental
O poder dos elementos flui através de você. Você recebe uma das seguintes opções à sua escolha.
Ataque Primal. Uma vez em cada um dos seus turnos, ao atingir uma criatura com uma jogada de ataque usando uma arma ou um ataque da forma Animal em Forma Selvagem, pode causar 1d8 pontos de dano Elétrico, Gélido, Ígneo ou Trovejante (à sua escolha quando você atinge) adicional ao alvo.
Nesse exemplo, os tipos de dano foram traduzidos e reorganizados em ordem alfabética dentro da frase, garantindo coerência com o restante do material.
Padronização de “À Sua Escolha” para “Your Choice”
Outro elemento que padronizamos na tradução é a expressão “your choice”, que aparece frequentemente em regras e descrições de habilidades. Em português, sempre traduzimos essa expressão como “à sua escolha”, garantindo que os jogadores entendam claramente que uma decisão precisa ser feita.
Exemplo da tradução padronizada de “your choice”:
✅ Você pode escolher uma entre as seguintes opções à sua escolha.
❌ Traduções não recomendadas: “Você pode escolher uma das seguintes opções.” / “Você decide uma entre as seguintes opções.”
A versão padronizada mantém o sentido original e reforça a clareza para o leitor, enquanto variações poderiam introduzir ambiguidades ou tornar a leitura inconsistente ao longo do texto.
As Quatro Regras de Tradução e Desempate #
Ao traduzir RPGs, cada termo apresenta desafios únicos que exigem decisões estratégicas para garantir que o texto final seja claro, coerente e fiel à experiência original. Para isso, seguimos quatro abordagens fundamentais: Tradução Direta, Adaptação Morfológica, Transliteração e Formulação. Cada uma dessas técnicas tem um papel específico e deve ser aplicada de acordo com a necessidade do termo dentro do contexto do jogo.
Além disso, quando há mais de uma possibilidade viável, aplicamos critérios de desempate, considerando fatores como familiaridade do termo para o público-alvo, consistência com traduções anteriores e impacto na jogabilidade. O objetivo é sempre manter a experiência do jogador intacta, garantindo que o material traduzido seja acessível e intuitivo.
1. Tradução Direta #
A tradução direta é a abordagem mais comum, na qual um termo é substituído por seu equivalente em português. No entanto, uma tradução literal nem sempre é ideal, pois algumas palavras carregam significados específicos no contexto do RPG que podem se perder na transposição para outro idioma.
Por exemplo, “Saving Throw” pode ser traduzido literalmente como “Teste de Resistência”, mas essa escolha não é a melhor porque o termo pode ser confundido com “Ability Check” (“Teste de Atributo”). Para evitar essa ambiguidade, adotamos “Salvaguarda” como tradução padrão, garantindo clareza na distinção entre mecânicas do jogo.
Outro exemplo é “Ability Score”, que poderia ser traduzido como “Pontuação de Habilidade”, mas que, para evitar confusão com habilidades de classe, padronizamos como “Valor de Atributo”.
A tradução direta é eficiente, mas exige domínio do Funil de Estoque de Sinônimos, que falamos anteriormente, garantindo que os sinônimos escolhidos sejam consistentes ao longo de todo o material.
2. Adaptação Morfológica #
A adaptação morfológica ocorre quando mantemos a estrutura do termo original, mas ajustamos seus radicais, prefixos e sufixos para torná-lo mais natural em português. Essa técnica é especialmente útil para nomes de criaturas, classes e conceitos únicos de certos sistemas.
Um excelente exemplo de adaptação morfológica é Tiefling. O sufixo -ling em inglês indica pertencimento ou origem, como em Halfling e Changeling. Se fôssemos traduzir literalmente, poderíamos ter algo como Infernalino ou Infernalete, o que não soaria natural em português. Para preservar a estrutura da palavra sem comprometer a sonoridade e sua associação com planos infernais, adotamos Tiferino. Essa adaptação respeita a morfologia do termo original, mantendo a ideia de pertencimento a uma linhagem infernal sem recorrer a traduções diretas como Infernal (que já é um termo específico no jogo) ou Demoníaco (que remete a Demoniac, outro conceito).
Essa abordagem permite que o termo continue distinto no universo do RPG, ao mesmo tempo em que se encaixa naturalmente na fonética e estrutura da língua portuguesa.
Outro exemplo é “Spelljammer”, que em vez de ser traduzido literalmente como “Encantador de Magias”, foi adaptado para “Magipropulsor”, uma palavra composta que transmite melhor a ideia original.
A adaptação morfológica mantém a identidade do termo original sem simplesmente copiá-lo, garantindo uma melhor integração com a língua-alvo.
3. Transliteração #
A transliteração é a conversão de um termo para a ortografia e fonética do português, preservando sua pronúncia original sempre que possível. Essa técnica é frequentemente aplicada em nomes próprios e locais, especialmente quando a fidelidade à referência original é essencial para a experiência do jogador.
Exemplos comuns incluem:
✅ “Barovia” → “Baróvia”
✅ “Feywild” → “Faéria”
A transliteração evita que termos estrangeiros se tornem obstáculos para a leitura e compreensão do material, mantendo a familiaridade sem distorcer sua identidade original.
4. Formulação (Criação de Termos) #
A formulação ocorre quando ignoramos o termo original e criamos um novo termo que se encaixe melhor no contexto do jogo. Essa abordagem é necessária quando uma tradução literal ou uma adaptação morfológica não conseguem transmitir a ideia central do termo.
Um exemplo clássico de formulação é Fiend. Em inglês, o termo pode ser traduzido como Demônio, mas, no contexto de Dungeons & Dragons, ele se refere a qualquer criatura dos Planos Inferiores, incluindo Demons (Demônios) e Devils (Diabos), que já possuem significados específicos no jogo. Para evitar confusões e respeitar a distinção entre esses grupos, criamos um novo termo que abrange todas as entidades malignas desses planos: Ínfero.
A escolha de Ínfero como tradução de Fiend foi uma decisão de formulação que se afastou da tradução direta, garantindo que o termo não interferisse na categorização existente de Demons e Devils. Dessa forma, preservamos a estrutura do jogo, mantendo clareza e coesão dentro do bestiário e das regras.
Outro exemplo é “Mage”, que poderia ser traduzido como “Mago”, mas, para evitar sobreposição com “Wizard”, foi mantido com o termo tradicional “Magista”.
A formulação exige um profundo conhecimento do material original para criar um termo que preserve a identidade do jogo sem introduzir ambiguidades.
Critérios de Desempate e Escolha da Melhor Opção #
Nem sempre há uma única opção correta para um termo, então aplicamos uma hierarquia para determinar a melhor escolha. Os critérios incluem:
- Familiaridade para o público-alvo – Se um termo já é amplamente conhecido, priorizamos sua manutenção ou adaptação.
- Coerência com traduções anteriores – Seguimos padrões previamente estabelecidos para evitar inconsistências.
- Impacto na jogabilidade e no entendimento do material – A escolha deve facilitar a leitura e não gerar dúvidas sobre as regras.
- Integração com o restante do vocabulário do jogo – O termo deve se encaixar naturalmente dentro da linguagem do sistema.
Esses critérios nos ajudam a tomar decisões bem fundamentadas e garantir que o material traduzido seja intuitivo para os jogadores.
Adaptação e Localização: Quando Ir Além da Tradução #
Nem sempre basta traduzir um termo; às vezes, é preciso localizá-lo para que faça sentido no contexto da língua-alvo. Isso se aplica a nomes próprios, cidades, títulos e elementos culturais que podem não ter uma equivalência direta. A localização garante que a experiência do jogador seja fluida e que os nomes e conceitos se integrem bem à cultura de destino. No caso dos RPGs, isso pode significar desde a adaptação de nomes de personagens e locais fictícios até a reformulação de conceitos que não fazem sentido em português sem uma reinterpretação.
Exemplos de Localização na História #
A adaptação de nomes e localidades não é uma prática exclusiva dos RPGs; historicamente, diversas cidades, pessoas e regiões já passaram por esse processo ao serem incorporadas em diferentes línguas. Um dos exemplos mais notáveis é Londres, que no original inglês é London, mas foi adaptado para o português seguindo a fonética e os padrões linguísticos do idioma. O mesmo ocorre com Moscou (Moskva em russo), Pequim (Beijing), Viena (Wien) e Gênova (Genova em italiano). Algumas cidades mantiveram seus nomes originais sem grandes modificações, como Chicago ou Los Angeles, pois já são amplamente reconhecidas e não necessitam de adaptação.
Nomes de pessoas também são frequentemente localizados. William the Conqueror, na historiografia em português, é conhecido como Guilherme, o Conquistador. O nome Christopher Columbus, quando registrado em textos históricos brasileiros, se torna Cristóvão Colombo. Isso ocorre porque alguns nomes têm equivalentes diretos em diferentes idiomas, como John para João, Elizabeth para Isabel, Louis para Luís e Peter para Pedro.
Localização Aplicada a RPGs #
Assim como acontece com cidades e nomes históricos, nomes fictícios em RPGs podem ser adaptados para melhorar a imersão e a compreensão do material para o público de língua portuguesa. No entanto, a adaptação deve ser feita com critério, respeitando a fidelidade ao material original e a identidade do jogo.
A cidade de Neverwinter, do cenário Forgotten Realms, poderia ser traduzida literalmente como Nevenunca ou Inverno Remoto, como em edições passadas, caso a abordagem priorizasse a equivalência direta. No entanto, esse nome é uma marca registrada, o que significa que, seguindo as diretrizes de tradução de Dungeons & Dragons, ele deve ser mantido no original. A preservação de marcas registradas garante conformidade com as diretrizes legais da Wizards of the Coast e evita problemas de identidade do produto dentro da franquia.
Em contrapartida, nomes de cidades menores ou locais sem registro oficial podem ser adaptados para melhor transmitir a intenção original do autor, desde que respeitem a lógica do cenário e a fluidez do idioma-alvo. Um bom exemplo é Fandelver, que no inglês é Phandelver. Aqui, usamos a transliteração. Ninho Verde é outro exemplo de tradução de locais. Isso permite que termos que fazem referência a elementos culturais ou geográficos sejam localizados sem comprometer a ambientação do jogo.
Marcas Registradas e Tradução #
Embora a adaptação seja uma ferramenta importante, é fundamental reconhecer que marcas registradas não devem ser traduzidas. Empresas como Wizards of the Coast e Gale Force Nine possuem diretrizes rigorosas que proíbem a tradução de nomes registrados. Isso significa que certos títulos, locais e produtos devem ser preservados no original.
Um exemplo claro disso é Baldur’s Gate: Descida ao Avernus, cuja parte localizada do nome corresponde apenas ao subtítulo, pois “Baldur’s Gate” é uma marca registrada e, portanto, não foi traduzida para “Portão de Baldur”. O mesmo ocorre com títulos como Forgotten Realms, Ravenloft e Eberron, que são mantidos em inglês em todas as localizações oficiais.
Para garantir conformidade, é essencial consultar se um nome faz parte de uma marca registrada antes de decidir traduzi-lo. Abaixo está uma lista de alguns nomes que são oficialmente registrados e não devem ser alterados:
- DUNGEONS & DRAGONS®
- Forgotten Realms®
- Eberron®
- Ravenloft®
- Neverwinter™
- Planescape™
- Greyhawk®
- Dark Sun®
- Lords of Waterdeep®
- Castle Ravenloft®
- Dragonlance®
- D&D Miniatures®
- Chainmail®
- D&D®
A observação dessas diretrizes evita problemas de direitos autorais e mantém a integridade da marca, garantindo que a tradução siga os padrões oficiais e seja aceita dentro da comunidade de jogadores.
Qual Escolher? #
A tradução de RPGs vai muito além da simples conversão de palavras de um idioma para outro. As quatro abordagens principais – Tradução, Adaptação Morfológica, Transliteração e Formulação – são ferramentas essenciais para garantir um trabalho de alta qualidade, respeitando o material original sem comprometer a clareza e a imersão do jogo.
Ao aplicar essas técnicas e seguir critérios bem definidos para desempates, conseguimos criar uma tradução fiel, coesa e acessível para jogadores de todos os níveis. Isso fortalece a experiência do jogo e evita problemas de compreensão que poderiam afetar a jogabilidade.
Sempre que nos deparamos com um termo complexo, avaliamos qual dessas abordagens melhor se encaixa, garantindo que a escolha final faça sentido no longo prazo e agregue valor ao material traduzido.
Tradução vs. Localização: Garantindo uma Experiência Imersiva em Português #
A tradução de RPGs vai além da simples conversão de palavras de um idioma para outro. É um processo que exige adaptação, contexto e tomada de decisões que garantam uma experiência imersiva e natural para os jogadores que não entendem inglês. Essa distinção entre tradução e localização é fundamental para criar um material acessível, no qual os nomes, descrições e termos carreguem o mesmo impacto que teriam para um falante nativo do idioma original.
O Que é Tradução? #
A tradução direta busca converter um texto palavra por palavra, preservando sua estrutura original o máximo possível. Isso pode funcionar para regras, descrições técnicas e mecânicas do jogo, pois termos objetivos são mais fáceis de transpor para outro idioma sem prejuízo ao significado. No entanto, essa abordagem apresenta limitações quando lidamos com elementos narrativos, culturais ou nomes próprios, onde uma simples tradução literal pode não fazer sentido ou até quebrar a imersão.
O Que é Localização? #
A localização vai além da tradução literal; ela adapta nomes, conceitos e referências culturais para que o público-alvo compreenda o material da mesma forma que o leitor original. Em RPGs, isso significa que nomes de NPCs, cidades, magias e criaturas precisam causar o mesmo impacto para um jogador brasileiro que causam para um jogador que fala inglês.
Um dos exemplos mais icônicos de localização bem-sucedida no Brasil é a dublagem do filme Tá Dando Onda (2007). No original em inglês, há uma cena onde um personagem grita “Stop, Gleen!”, algo simples e direto. Mas, ao ser localizado para o português, essa frase se transformou em “Taca a mãe pra ver se quica”, criando um bordão instantâneo que se encaixa perfeitamente na cultura e no humor brasileiros. Da mesma forma, Looser foi traduzido para “Seu Prego”, um xingamento muito mais natural para o público brasileiro do que a tradução literal “Perdedor”.
Se esses diálogos tivessem sido simplesmente traduzidos ao pé da letra, perderiam completamente o efeito cômico e cultural que tinham na versão original. A localização é justamente essa adaptação inteligente, que considera não apenas a língua, mas a cultura e o contexto do público que consumirá o material.
O mesmo princípio se aplica à tradução de RPGs. Se um falante de inglês entende imediatamente o significado de um nome como Storm Giant, um jogador brasileiro deveria ter a mesma compreensão ao ler Gigante da Tempestade. Se um local chamado Whispering Woods remete a um bosque misterioso e assombrado para um jogador nativo, então Bosque Sussurrante é a melhor opção para transmitir a mesma ideia em português.
A localização não é apenas uma questão de estilo, mas de imersão e experiência do jogador. Se nomes e expressões são deixados sem adaptação, jogadores brasileiros podem se sentir desconectados da narrativa, precisando traduzir mentalmente termos que, para o público original, já fazem sentido imediato.
Assim como um meme como “Taca a mãe pra ver se quica” entrou para a cultura brasileira porque foi adaptado para ser natural e memorável, os elementos de um RPG precisam ser localizados para que tenham o mesmo impacto para quem não entende inglês. Esse é o verdadeiro papel da localização: garantir que a experiência do jogador brasileiro seja tão fluida, intuitiva e imersiva quanto a do público original.
Localização é para o Jogador, Não para o Tradutor #
Muitas traduções falham quando priorizam manter termos em inglês sem necessidade, esquecendo que o público-alvo é quem não entende inglês. Se o autor criou um nome para que um jogador nativo de inglês compreenda instantaneamente o que ele significa, a tradução para português deve oferecer a mesma experiência.
Localizar um RPG corretamente significa adaptar nomes, termos e conceitos para que eles sejam tão naturais para um jogador brasileiro quanto são para um jogador norte-americano ou britânico. Quando bem feita, a localização torna o jogo mais fluido, intuitivo e imersivo, garantindo que todos os jogadores, independentemente do idioma que falam, tenham a mesma experiência épica dentro do mundo do jogo.
Próximos Passos do Curso de Tradução de RPG #
Após consolidarmos os conceitos fundamentais de tradução e localização, chegou o momento de avançarmos para a parte prática do processo. Os próximos passos do curso envolvem a criação do glossário base, a configuração das ferramentas de tradução e o início da tradução propriamente dita. Essa fase será essencial para garantir que o material traduzido seja coeso, fluido e alinhado com as diretrizes estabelecidas até agora.
Definição do Glossário Base #
O primeiro passo prático será a criação do glossário base, um documento que servirá como referência ao longo de toda a tradução. Esse glossário conterá os termos essenciais do sistema, garantindo que traduções de mecânicas, magias, habilidades e criaturas sejam padronizadas desde o início.
Para estruturá-lo corretamente, vamos:
✅ Identificar termos técnicos e recorrentes no material original.
✅ Definir traduções padronizadas para evitar inconsistências.
✅ Organizar o glossário por categorias, como mecânica de jogo, classes, magias e itens.
✅ Estabelecer diretrizes para a ordem alfabética, evitando retrabalho durante a tradução.
Esse glossário não apenas ajudará a manter a consistência terminológica, mas também acelerará o fluxo de trabalho, garantindo que todos os tradutores utilizem os mesmos padrões.