"Dragon Delves" chega como grande novidade da Wizards, oferecendo aventuras solo para D&D. Porém, James Wyatt deixa claro em entrevista: as adaptações podem não ser suficientes. A inovação prometida talvez seja mais superficial do que parece.
Por: Paulo “Faren” Lima

Postado em 

11/04/2025

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09:43

Quando você imagina uma aventura de Dungeons & Dragons, o que vem à mente é um grupo reunido ao redor da mesa, com personagens fazendo sua função com habilidades e narrativas que se entrelaçam. Mas eis que, como um dragão que cospe fogo em um bosque tranquilo, surge James Wyatt, senior designer da Wizards of the Coast, anunciando ao EN World algo inusitado: “Dragon Delves”, um livro previsto para julho que traz aventuras pensadas para um jogador só. Isso mesmo, solo. É como tentar transformar um jogo de futebol em um campeonato de embaixadinhas individuais.

Na entrevista, Wyatt dá a ideia de que as aventuras solo surgiram da necessidade de preencher um espaço vazio na mesa de RPG: aquele dia em que quase ninguém aparece. Segundo ele, o livro é uma espécie de “manual de emergência” para sessões desfalcadas. Uma proposta aparentemente sensata, mas que, ao mesmo tempo, revela a ironia existencial dos nossos tempos: precisamos de um livro inteiro para garantir que possamos jogar quando não há quase ninguém para jogar.

Wyatt informa que três aventuras do livro têm essa proposta solo, com histórias focadas principalmente em dragões metálicos e com ênfase em interação social. Nada mal até aqui, certo? Afinal, se você está sozinho na mesa, conversar com PNJs é provavelmente mais agradável do que enfrentar hordas intermináveis de inimigos. Mas então surge a dúvida: será que simplesmente dar uma “ajuda sobrenatural” em forma de Pontos de Vida extras resolve o desequilíbrio natural de D&D em jogos solo? Parece aquela tentativa clássica de remendar uma roupa rasgada com fita adesiva.

O designer admite sem rodeios que os ajustes mecânicos foram mínimos e que a experiência foi equilibrada principalmente pelo lado do jogador. “Equilibrado” talvez não seja o termo exato aqui. Afinal, D&D não é exatamente conhecido por ser um jogo sutil em termos de mecânicas. É como tentar fazer um jogo de xadrez onde um jogador só controla um rei e o outro todas as peças restantes, e dizer que “o rei agora tem duas vidas”.

Dragão ataca barco com sopro de energia em imagem promocional de Dragon Delves para D&D 2024
Arte oficial de Dragon Delves mostra um dragão atacando um barco em alto-mar com seu sopro mágico.

Wyatt ainda parece hesitante ao comentar sobre o futuro dessas aventuras solo em D&D. Sua resposta é vaga, algo do tipo “vamos ver o que acontece”. Se a Wizards tivesse um slogan sincero, talvez fosse algo como “experimentando sem compromisso”. Uma postura que até compreendo, mas que revela um dos grandes dilemas da indústria atual: lançar produtos “inovadores” sem se comprometer muito com eles, esperando para ver como o público reage. É o marketing à moda do “lança e torce pra pegar”.

Sobre as aventuras específicas mencionadas, o cenário apresentado é envolvente. A primeira envolve uma jornada quase “João e Maria” em busca de um Dragão Dourado, a segunda se desenrola em um monastério com intrigas políticas envolvendo um Dragão de Bronze, e a terceira busca uma canção perdida, com um aceno a “Journeys Through the Radiant Citadel”. Narrativamente interessantes? Sem dúvida. Mas fica o gosto amargo da dúvida sobre a profundidade mecânica que essas aventuras oferecem realmente para o jogador solo.

Essa proposta solo, aliás, toca numa ferida aberta há muito tempo no D&D: o sistema nunca foi exatamente amigável para partidas reduzidas. Wyatt mesmo cita antigos produtos solo com um ar nostálgico e ao mesmo tempo cético, como se dissesse “já tentamos antes, não deu muito certo, mas quem sabe agora?”. Parece uma esperança teimosa, dessas que insistem em tentar vender suco de laranja em dias frios.

Outro ponto crucial dessa entrevista é o comentário sobre o potencial de uma experiência “verdadeiramente solo” – ou seja, sem Mestre algum. Wyatt rapidamente descarta essa possibilidade com um ar de “não é bem isso que fazemos aqui”. É curioso, porque o mercado de jogos solo cresce exponencialmente, impulsionado exatamente pela dificuldade de reunir grupos com frequência. Ignorar isso parece ser a velha teimosia da Wizards em reconhecer tendências óbvias, como alguém que insiste em comprar DVDs quando todos já assinam streaming.

Wyatt chega ao cúmulo de dizer que o digital poderia ser uma solução futura para o problema, com produtos tipo “livro-jogo” digitais. Algo intrigante, mas parece mais uma daquelas promessas vagas da indústria de jogos: sempre se fala que o digital pode resolver tudo, mas poucas soluções práticas são realmente implementadas.

Um ponto preocupante, que não podemos esquecer, é como essa abordagem superficial pode alimentar o já conhecido panelinhas da comunidade de RPG. Quem acompanha as redes sociais já viu discussões acaloradas entre fãs apaixonados e críticos severos [digo isso pela minha caixa de comentários]. Esse tribalismo surge exatamente da paixão irracional, onde o produto deixa de ser algo para ser analisado criticamente e se transforma em um objeto de adoração ou repúdio extremo — como um time de futebol ou um político de estimação.

A entrevista de Wyatt reforça a sensação que tivemos ao analisar inicialmente “Dragon Delves”: a Wizards promete inovação, mas a entrega com pouca profundidade. E isso nos leva à questão essencial: será que estamos testemunhando uma verdadeira tentativa de explorar novas possibilidades ou apenas mais uma jogada de marketing para capitalizar sobre o nome D&D?

Como dissemos no artigo anterior, essa proposta de aventuras solo, ao invés de mostrar uma verdadeira revolução na forma como jogamos, pode revelar uma mudança que, no fundo, não muda nada. Wyatt, com seu jeito sincero e meio desconfortável ao responder, parece confirmar nossas suspeitas. O jogo solo aqui parece menos uma aposta genuína e mais um teste tímido, feito com receio de comprometer as estruturas tradicionais.

Talvez o problema central não seja nem mesmo o conceito das aventuras solo, mas a maneira superficial com que a Wizards as aborda. Não basta dizer que as aventuras são “menos combativas” ou “mais narrativas”; é preciso garantir que elas realmente funcionem bem dentro do sistema. Sem isso, o que temos são apenas sessões improvisadas que dependem excessivamente de soluções rasas, como pontos extras de vida.

No final, a proposta de “Dragon Delves” traz a sensação de que a Wizards, mesmo em 2025, ainda luta para encontrar seu lugar entre tradição e inovação. Talvez fosse o caso de admitirem abertamente: eles não sabem ao certo como evoluir o jogo sem correr o risco de afastar sua base de fãs tradicionais. Enquanto isso, os jogadores ficam presos nesse eterno dilema entre a esperança da novidade e a desilusão das promessas não cumpridas.

Se “Dragon Delves” será ou não um sucesso, o tempo dirá. Mas por enquanto, tudo indica que a Wizards mais uma vez arriscou pouco, prometeu muito e deixou dúvidas demais. Uma fórmula que, infelizmente, já conhecemos bem.

Sobre o Autor

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Paulo "Faren" Lima

Considera RPG terapia, trabalha na Stone Co, viciado em processos, nascido e criado no Tocantins, narra em The Witcher.

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