Entre Daggerheart, Conforto e Poder Econômico: o anúncio que parecia óbvio e soou como traição. No dia em que todos esperavam ver Daggerheart coroado no altar da cultura pop, o Critical Role anunciou que a quarta temporada — a primeira a não ser narrada por Matthew Mercer — será jogada em Dungeons & Dragons, mais uma vez. Brennan Lee Mulligan, agora à frente da mesa, mergulhará os jogadores no mundo inédito de Aramán, mas usando as regras que já moldaram as três campanhas anteriores.
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A notícia não veio em um artigo técnico de design, mas em um teaser oficial e depois em entrevista detalhada com o elenco e produtores. No vídeo oficial (Fireside Chat LIVE With Matthew Mercer & Brennan Lee Mulligan, YouTube), o grupo explicou que foram escolhas sobre conforto da equipe técnica, que vamos abordar mais para frente.
Portais como o Polygon registraram o anúncio com neutralidade jornalística, destacando a continuidade tácita com D&D (Polygon). Já o Wargamer preferiu ironizar, descrevendo Aramán como uma espécie de “West Marches (estilo de RPG com campanha ‘de mesa aberta’, conhecido como sandbox, onde um grande grupo de jogadores, com sessões episódicas e grupos rotativos, explora um mundo persistente e focado na aventura) com produção de Hollywood” (Wargamer). E sites como o Dungeons and Dragons Fan sublinharam o impacto comercial da decisão (Dungeons and Dragons Fan).
Até aí, parecia uma escolha pragmática: um novo mestre, um novo mundo, mas as velhas regras conhecidas.
O Silêncio Que Virou Grito
Só que a calma durou pouco. A comunidade explodiu em debates que variaram entre o lamento resignado e a acusação de traição. O Arddhu, do canal Azcalibur, foi direto: apesar de o Critical Role ter hoje seu próprio sistema, Daggerheart, a Campanha 4 acontecerá em Dungeons & Dragons 2024. Para ele, a decisão foi menos um gesto de ousadia e mais a rendição ao óbvio: o elenco domina tecnicamente D&D, a campanha é ambiciosa e troca de mestre, e D&D continua sendo a “língua franca” do RPG — o sistema que todo mundo entende, que qualquer espectador pode acompanhar. Arddhu sublinhou que, mesmo sendo o maior player do mercado e dono de um sistema próprio, o Critical Role reconhece que só D&D permite alcançar a massa global. O anúncio ainda revelou que a temporada seguirá o formato West Marches (como explicado acima), começando com 12 jogadores divididos depois em três mesas de quatro, todas orbitando em torno do mundo inédito de Aramán, com Matt Mercer no papel de jogador e não de mestre. Detalhe que pesou como carimbo de pedigree: Jeremy Crawford e Chris Perkins, nomes centrais da 5ª edição, colaboraram na construção desse “homebrew oficializado”, em que as classes divinas funcionam de forma peculiar — clérigos acessam domínios após a morte dos deuses, druidas canalizam forças impessoais da natureza e pactos com arquifadas ou horrores antigos florescem como novos alicerces míticos (vídeo no YouTube). Ele também acredita que não houve grana envolvida.
Do outro lado, o canal Knights of Last Call foi ainda mais brutal: “isso pode ser a morte de Daggerheart” (vídeo no YouTube). A frase ecoou como epitáfio prematuro — um RPG anunciado com pompa, mas que, ao ser preterido justamente pela mesa que o gestou, já nasce com a marca do fracasso.
No Reddit, as opiniões se dividiram como um espelho rachado. Muitos comentários insistiam que Daggerheart “ainda não está pronto para o palco global” e que seria suicídio narrativo testá-lo diante de milhões de espectadores. Outros acusaram diretamente o Critical Role de covardia: “eles nunca tiveram coragem de largar D&D; tudo o que dizem sobre independência é só marketing”. E claro, havia quem fosse mais direto ainda: “é só dinheiro falando, como sempre”.
A Ferida Exposta
Eis o paradoxo: o Critical Role, que se transformou em estúdio, editora e agora criadora de sistemas, decidiu que, para seu maior palco, o mais seguro ainda era repetir a liturgia de D&D. Para alguns, um gesto compreensível. Para outros, uma traição.
Essa divisão é o retrato mais cruel do zeitgeist do RPG: o desejo de romper com a hegemonia da Wizards e, ao mesmo tempo, a incapacidade de escapar da gravidade de seu sistema.
O Que Vem Depois do Espanto
Para abordar isso, separamos a análise de três abordagens. Vamos despir os três argumentos mais fortes que recolhemos nesses dias de debates e especulações:
- O oficial, repetido no teaser — a familiaridade de mestre e jogadores com o sistema.
- O crítico, vindo de especialistas e da própria comunidade — Daggerheart não tem robustez para segurar uma temporada do Critical Role.
- O suspeito, sussurrado nas entrelinhas — a sombra de um possível investimento financeiro da Wizards of the Coast.
Três narrativas, três formas de enxergar a mesma escolha. Nenhuma delas tranquila.

Argumento Oficial — O Conforto do Conhecido: quando a coragem é adiada em nome da audiência
O Argumento Que Soa Como Música Ensaiada
Na entrevista oficial sobre a Campanha 4 (YouTube), o Critical Role não fugiu de repetir o mantra:
“A escolha foi por causa do conforto e domínio técnico do elenco, e também porque foi uma campanha ambiciosa e está mudando de mestre, além de mirarmos como porta de entrada para novos espectadores, já que D&D é um sistema conhecido e fácil de acompanhar.”
Parece quase um refrão ensaiado. E, de certa forma, é. A decisão foi vendida como legítima, quase óbvia. Afinal, estamos diante de um tabuleiro sobrecarregado: um novo mestre, Brennan Lee Mulligan; um elenco já amarrado a anos de 5e; e um formato narrativo ousado, o West Marches com 13 jogadores (contando o DM). Quem, em sã consciência, adicionaria a isso o risco de um sistema recém-nascido como Daggerheart?
O Baixo de Quatro Cordas
No Reddit, um comentarista fez a analogia perfeita: um baixista não sobe ao palco de sua maior turnê para experimentar um instrumento novo, um baixo de cinco cordas que nunca testou. Não é ali, sob holofotes e com milhares de ingressos vendidos, que se improvisa. O mesmo raciocínio vale para Brennan — um mestre com domínio técnico sobre D&D, mas que teria tropeçado se fosse obrigado a aprender, diante de milhões de espectadores, os caprichos ainda frescos de Daggerheart.
Brennan, o Maestro cauteloso
Não há dúvida de que Brennan é um maestro com pedigree. Ele cresceu em D&D, já narrou sistemas diversos, mas nunca precisou carregar o peso de substituir Matthew Mercer em pleno altar de voxels e câmeras. Exigir que ele fizesse isso em um sistema novo seria como pedir que um piloto de Fórmula 1 corresse sua primeira temporada na chuva com pneus experimentais. O desastre não seria apenas plausível; seria previsível.
Aqui, portanto, o argumento oficial tem uma legitimidade pragmática. O Critical Role não está mentindo. Mas a verdade, dita assim, soa como covardia — e esse é o veneno que escorre pelos fóruns e canais.
O Casamento Inevitável, a Prisão Invisível
A relação do Critical Role com D&D é tão visceral que se confunde com sua identidade (confira o artigo Critical Role – Daggerheart: Data de Lançamento e o Divórcio com D&D). Mercer nunca se apresentava sem lembrar ao mundo que eram apenas “nerd voice actors playing Dungeons & Dragons (‘dubladores nerds interpretando Dungeons & Dragons’ em tradução direta) ”. Para milhões de fãs, Critical Role é Dungeons & Dragons, e vice-versa.
Por isso, a decisão também ecoa como uma prisão: a empresa que ousou criar seu próprio jogo agora se vê incapaz de levá-lo ao altar de sua maior liturgia. Não é casamento, é cárcere. O Critical Role sabe que parte de sua audiência é feita de “fãs apenas de D&D”, gente que desligaria a tela diante de outra ficha de personagem. No Reddit, essa frustração apareceu clara: “Eu não assistiria uma campanha principal com Daggerheart”. Se é chantagem emocional, funcionou.
A Desculpa Simpática, a Covardia Irônica
Sim, existe a leitura pragmática, simpática até: “todo mundo entende as regras”, disseram os fãs mais cautelosos. É o raciocínio que garante estabilidade, que preserva empregos, que coloca “bundas nas cadeiras”, como um dos comentaristas ironizou.
Mas a ironia é inevitável: se Daggerheart era “o jogo dos sonhos”, por que não estreou no palco principal? O que se esperava como ruptura tornou-se um abraço confortável no sistema que o próprio Critical Role jurou transcender. Em vez de usar sua influência para romper o monopólio cultural de D&D, o maior player do momento apenas reforçou a hegemonia.
Entre o pragmatismo e a covardia
É aí que reside o paradoxo desta escolha. Por um lado, compreendemos a lógica. Não há como culpar um piloto por querer pneus seguros. Por outro, sentimos o gosto amargo da oportunidade perdida. O pragmatismo do Critical Role é também sua covardia: a recusa de usar o maior palco que já tiveram para provar que outros sistemas podem, sim, respirar o mesmo ar rarefeito do topo.
E no fundo, esse gesto — tão prudente e tão conservador — diz mais sobre o presente do RPG do que qualquer campanha poderia narrar.

Argumento Crítico — A Fragilidade de Daggerheart: o bebê que não subiu ao palco
A Morte Antes da Estreia
“Isso pode ser a morte de Daggerheart.” A frase do canal Knights of Last Call (YouTube), como dito antes, ecoa como um epitáfio escrito antes mesmo do enterro. Não foi dita como exagero dramático, mas como previsão lúcida: se o Critical Role não confia em seu próprio jogo para a campanha principal, por que alguém deveria confiar? O anúncio de que a Campanha 4 rodaria em Dungeons & Dragons 2024, e não em Daggerheart, foi lido como um veredito: o sistema recém-lançado ainda não tem robustez mecânica para segurar uma narrativa desse porte.
Daggerheart nasceu prometido como herdeiro, mas foi barrado na porta do trono.
As Engrenagens que Rangem
A crítica central é repetida em todas as esferas: Daggerheart não está pronto para o horário nobre. Com 12 jogadores divididos em mesas rotativas no formato West Marches, a Campanha 4 exige um sistema sólido, testado, capaz de lidar com diversidade de classes, interações complexas e improvisos constantes. O que se vê em Daggerheart, no entanto, é um conjunto ainda limitado: apenas 13 classes, cada uma com duas subclasses.
Isso gera um problema óbvio: sobreposição inevitável. Em um grupo tão grande, personagens repetindo arquétipos, mecânicas redundantes e frustrações de diferenciação. Em D&D, essa limitação se dissolve diante de décadas de suplementos, arquétipos e homebrews. Em Daggerheart, ela se impõe como muralha.
Um comentário no Reddit foi direto: “usar Daggerheart em uma campanha de três anos seria suicídio narrativo”. A metáfora é cruel, mas precisa. Um jogo que ainda engatinha não pode ser empurrado em frente às câmeras como se fosse veterano.
O Charme que Emperra
Não é apenas a quantidade de classes ou opções. É também a estrutura narrativa do sistema. Daggerheart foi anunciado como um jogo “cinematográfico”, mas para muitos críticos, ele se resume a testes binários: sucesso ou falha, pouco espaço para o inesperado. O público de “actual plays” não quer apenas ver personagens narrando com eloquência; quer vibrar com o dado que cai de forma absurda, com o crítico que muda o rumo da sessão, com a falha que vira piada imortalizada em clipe.
Em D&D, isso é cotidiano. Em Daggerheart, a promessa de narrativa épica acaba sendo lida como burocracia mecânica. O espectador, que deveria se sentir incluído, não reconhece magias, monstros, tabelas. Falta a familiaridade que transforma a audiência em cúmplice.
A Ironia Cruel dos Engenheiros de Aluguel
O ponto mais ácido levantado pela comunidade é a ironia dos bastidores. O Critical Role investiu em nomes como Jeremy Crawford e Chris Perkins (confira o artigo Critical Role contrata os criadores de D&D 5e), arquitetos da 5ª edição, para moldar a Darrington Press e orientar Daggerheart. Mas, quando chegou a hora de confiar no sistema, preferiram voltar ao produto que esses mesmos engenheiros ajudaram a construir anos atrás na Wizards.
É como se contratassem os melhores chefs para inaugurar um restaurante e, na noite de estreia, servissem pizza congelada. O público não perdoa. “Nem os pais acreditam no filho recém-nascido” tornou-se o diagnóstico mais repetido. Se nem os criadores arriscam a usar o sistema em sua vitrine mais importante, que mensagem isso passa aos fãs que compraram o livro acreditando na promessa?
A comparação foi ainda mais mordaz em fóruns: é como um chefe que não come a própria comida. Ou como uma marca de carros que lança um modelo futurista, mas chega na corrida exibindo o motor antigo, jurando que é apenas “prudência”. No fim, é percepção — e percepção, nesse mercado, é tudo.
O Bebê de Três Meses
Travis Willingham, cofundador do Critical Role, tentou suavizar a narrativa ao chamar Daggerheart de “um bebê de três meses”. A frase, bonita como metáfora de cuidado, funcionou como confissão de fragilidade. Quem coloca um bebê para dirigir um caminhão em estrada de lama? Quem promete ao público que aquele sistema é o futuro e, ao mesmo tempo, admite que ele mal aprendeu a engatinhar?
É aqui que a incoerência se instala. Se Daggerheart precisava amadurecer, por que lançá-lo justamente antes da Campanha 4, sabendo que seria preterido? O timing se transformou em sentença: o bebê nasceu, mas já começou a vida marcado como incapaz de herdar o trono.
A Crítica da Familiaridade
Para muitos, o Critical Role tomou a decisão correta. Mas a forma como isso impacta a percepção de Daggerheart é devastadora. Em grupos de WhatsApp (como o grupo oficial do Artifício RPG), Facebook e no Reddit, frases se repetem: “não confiam no próprio produto”. A escolha por D&D é lida menos como pragmatismo e mais como recusa. Ao evitar o risco, a empresa reforçou a ideia de que Daggerheart não tem maturidade para aguentar pressão.
O paradoxo é evidente: o maior actual play do mundo, que cresceu tropeçando em público, agora se recusa a tropeçar com seu próprio jogo. Os tropeços em D&D viraram memes, bordões, comunidade. Um tropeço em Daggerheart, aparentemente, seria inaceitável.
O Marketing que Ruiu
O golpe mais doloroso é o choque entre discurso e prática. Durante meses, Daggerheart foi vendido como o “sistema dos sonhos”, a ferramenta que libertaria o Critical Role do jugo da Wizards. Cada teaser, cada entrevista, cada anúncio empilhava essa narrativa. Mas, no momento de verdade, o jogo foi deixado de lado.
Essa contradição é fatal. O público percebeu: se Daggerheart era o futuro (confira o artigo Lançamento do Prometido Daggerheart do Critical Role), por que não estreou na Campanha 4? Se era o motor de independência, por que o deixaram na garagem? Essa discrepância entre marketing e realidade corroeu a confiança de jogadores que compraram o sistema não apenas pelo texto de regras, mas pela promessa de continuidade.
O Impacto a Longo Prazo
O efeito dessa escolha não é imediato, mas corrosivo. Cada vez que Daggerheart for apresentado em um spin-off, em um actual play parceiro, haverá a sombra da pergunta: “se nem o Critical Role usou em sua campanha principal, por que nós deveríamos usar?”
Grupos de jogadores podem hesitar em adotá-lo, editoras podem resistir em traduzi-lo, mestres podem evitar investir tempo em um sistema que parece não ter apoio total de seus criadores. O risco não é de morte imediata, mas de anemia prolongada — o sistema vivendo à margem, nunca no centro.
Para a Wizards, o cenário é perfeito. Sem gastar um centavo (ou não, como veremos abaixo), assistiu a maior concorrente minar seu próprio produto. O gesto do Critical Role reforçou a hegemonia de D&D. Em vez de romper, consolidaram. Em vez de desafiar, dobraram-se.
A Ironia Final
E aqui voltamos à frase que abre esta sessão: “isso pode ser a morte de Daggerheart”. Não porque o jogo seja intrinsecamente ruim, mas porque o Critical Role recusou-se a acreditar nele. O bebê nasceu órfão de confiança.
É essa a ironia cruel: o jogo que deveria simbolizar independência virou sinônimo de insegurança. O Critical Role, maior player do RPG de mesa, preferiu repetir a liturgia do velho sistema a arriscar o futuro no palco. A morte, se vier, não será pelas falhas das regras — mas pelo silêncio de quem deveria defendê-las.
Argumento Suspeito — O Dinheiro Invisível da Wizards: quando o silêncio vale mais que recibo
É só Dinheiro Falando
No Reddit, a frase se repetia como mantra: “é só dinheiro falando”. Não importava se o argumento vinha embrulhado em ironia ou em indignação — para muitos, a decisão do Critical Role foi menos artística e mais contábil. A campanha que poderia coroar Daggerheart preferiu a liturgia segura do D&D, e para uma parte da comunidade, não há mistério: foi negócio, não narrativa.
A Graninha, o Cheque Gordo e o Caminhão de Dinheiro
Nos fóruns, a imaginação não poupou cifras. Houve quem especulasse sobre “um milhão de dólares para usar o 5.24”. Outros ampliaram: “aposto que a Wizards está pagando uma fortuna para eles continuarem”. Alguém sugeriu um “patrocínio gordo e suculento de vários anos do D&D Beyond”. E houve quem preferisse a imagem hiperbólica: a Hasbro enviando um caminhão de dinheiro, com os Pinkertons dirigindo, para manter o monopólio. Confesso que achei engraçado.
O canal Azcalibur alimentou a especulação. Arddhu chegou a dizer: “provavelmente tem dedinho da wizarders aí mandando uma graninha para eles”. Mas logo relativizou, reconhecendo que talvez o Critical Role não precisasse de empurrão financeiro, já que Daggerheart vendia bem. Para ele, a explicação era mais simples: oportunidade. D&D é a “língua franca do RPG”, e mantê-lo em cena garante alcance global.
O Knights of Last Call também levantou a hipótese de um “secret deal”. Derek, o apresentador, afirmou: “I doubt that, but you never know what’s going on behind the scenes (‘Duvido, mas nunca se sabe o que acontece nos bastidores’, em tradução direta)”. Não acreditava plenamente, mas deixou a porta entreaberta. O ceticismo não eliminou a dúvida.
O Silêncio das Corporações
O fato é que não há recibos, não há contratos publicados, não há provas. Mas essa ausência não apaga a sombra — ao contrário, a intensifica. Como ironizou um usuário: “se a Hasbro tivesse dado 10 milhões de dólares, eles nunca nos diriam”. É o silêncio típico das corporações. Não se nega, apenas não se comenta. E a suspeita, assim, vira ruído permanente.
E não seria novidade. A Wizards, nos últimos anos, gastou fortunas em marketing, aquisições, contratos, enquanto lidava com fiascos como a OGL. É plausível, portanto, que tenha buscado blindar sua vitrine mais poderosa. O Critical Role é, afinal, o outdoor global do D&D.
Guerra Fria Evitada
O Polygon chegou a escrever que Critical Role e Wizards viviam uma “guerra fria” — e, como nas guerras frias históricas, nenhuma das partes tinha interesse em lançar bombas. Seria suicídio mútuo. O império midiático da CR foi construído em cima do D&D; o renascimento da 5ª edição deve muito à popularidade da mesa de Mercer. Conflito direto? Inimaginável. A decisão de manter o D&D, especulam muitos, pode ter sido um acordo tácito — ou explícito. Um gesto para evitar relações azedas, para não transformar rivais latentes em inimigos declarados.
O Cheque Invisível Chamado D&D
Há ainda quem diga que não há necessidade de cheques. O próprio D&D é o pagamento. O sistema funciona como moeda cultural, como marca que garante audiência. “O cheque gordo é simplesmente o 5e existente”, disse um usuário. O Critical Role se beneficia por “pegar carona na marca D&D”, por permanecer identificada ao sistema que todo mundo conhece. É a forma mais óbvia de proteger o “pão com manteiga”, como repetem os fóruns: o show principal, não o sistema paralelo.
E se Tiver Rolado Grana?
Mas a provocação persiste: e se tiver dinheiro envolvido? Mudaria algo? A resposta talvez seja mais incômoda do que se imagina. Para alguns fãs, a revelação seria traição; para outros, apenas confirmação de que, no fim, tudo sempre foi negócio. A marco Critical Role, construída sobre narrativa e comunidade (por mais que a licença deles diga o contrário), passaria a ser vista como mais um braço da Hasbro? Ou o público continuaria assistindo, indiferente, porque afinal a história é boa e os personagens carismáticos?
A Sombra que Não vai Embora
Não importa se nunca soubermos a verdade. O fato é que essa sombra permanecerá pairando sobre cada decisão do Critical Role. Cada vez que escolherem D&D em vez de Daggerheart, cada vez que anunciarem uma nova temporada, a pergunta voltará: foi arte ou foi contrato? Foi escolha ou foi cheque?
E talvez essa seja a lição mais amarga desse episódio. Num mercado em que corporações moldam narrativas e fãs buscam autenticidade, a dúvida já basta. Mesmo improvável, a suspeita de dinheiro envolvido é mais forte que qualquer declaração oficial. Não é acusação — é sentimento, e sentimento pesa mais que fato.
E, nesse caso, o sentimento é simples, cruel e persistente: ninguém escapa do cheiro do dinheiro.

O Espelho Partido da Escolha: três vozes, uma mesma pergunta
Três Vozes em Conflito
O que fiz aqui não foi uma defesa linear, mas um tribunal de ecos. Três vozes que soam como três autores, cada uma convicta, cada uma apontando em direção diferente:
- A primeira voz, pragmática, insiste que o Critical Role escolheu o caminho do conforto, do domínio técnico, da prudência diante de um palco arriscado. O argumento oficial, repetido em entrevistas e teasers, é que seria insensato exigir de Brennan Lee Mulligan e do elenco que carregassem ao mesmo tempo um novo mestre, um novo mundo e um novo sistema.
- A segunda voz, crítica, vê a decisão como atestado de fragilidade de Daggerheart. O jogo nasceu como promessa, mas foi deixado no berço quando chegou a hora do espetáculo. Falta robustez mecânica, falta maturidade, falta confiança. Para essa leitura, o Critical Role matou o filho antes do batismo.
- A terceira voz, conspiratória, sussurra que nada disso importa porque, no fim, tudo é dinheiro. A Wizards, desesperada para manter sua vitrine, teria garantido — direta ou indiretamente — que o palco permanecesse iluminado com a marca D&D. Não há recibo, não há contrato, mas há o peso de um sentimento: ninguém escapa do cheiro do capital.
Três autores, três argumentos, três verdades parciais.
O Espelho Partido
E agora o espelho está diante de nós, rachado em três. Qual reflexo faz mais sentido? O do pragmatismo corporativo, que defende o conhecido? O da crítica amarga, que acusa a covardia? Ou o do cinismo conspiratório, que vê cifrões onde outros veem dragões?
É impossível costurar essas peças em uma só verdade. O que resta é a escolha do leitor. Cada um, à sua maneira, reconhecerá no gesto do Critical Role aquilo que já acredita sobre o mundo: que decisões são técnicas, que decisões são covardes, ou que decisões são compradas.
O Vazio que Sobra
Mas no fundo — e aqui ecoa a voz de Jabor — não importa qual explicação abracemos. No fim, tudo dói igual. Porque o Critical Role, que poderia ter ousado, preferiu repetir. Porque Daggerheart, que poderia nascer como futuro, estreou como sombra. Porque a Wizards, com ou sem cheque, segue reinando, como se todo o resto fosse apenas rodapé de contrato.
É essa a tragédia: não há vilão único, nem herói redentor. Só há corporações defendendo sua sobrevivência, fãs divididos entre fé e desconfiança, e um jogo que poderia ter sido — mas não foi.
E talvez seja isso que reste ao RPG, quando o espetáculo se mistura ao mercado: o silêncio amargo de perceber que, no fundo, não importa se foi prudência, covardia ou dinheiro. O que importa é que, mais uma vez, o dragão não foi morto — foi domesticado.