O silêncio, às vezes, faz mais barulho do que o escândalo. Na indústria de RPG, quando uma porta se fecha com estardalhaço, é fácil identificar o drama. Mas quando ela se encosta devagar, sem ranger, sem alarde, é aí que mora o perigo. Porque o barulho de fundo que resta não é o da porta — mas o eco do que ela deixou para trás. Foi assim que Jeremy Crawford decidiu deixar a equipe de design de Dungeons & Dragons. Não foi expulso. Não foi derrotado. Nem mesmo foi traído. Apenas… terminou.
Quem era Jeremy Crawford dentro do D&D moderno?
Talvez o maior problema em analisar a saída de Crawford seja o fato de que muitos jogadores, paradoxalmente, nunca perceberam que ele estava lá. Em um mundo de criadores que viraram influencers, rostos de conferência, memes ambulantes e clipes no TikTok, Jeremy sempre foi o artesão invisível — aquele que mexia na estrutura enquanto a casa brilhava por fora. Se Chris Perkins era o arquiteto da história, Crawford era o engenheiro estrutural do sistema. Um homem que dedicou os últimos dez anos de sua vida a polir a mecânica do RPG mais vendido do mundo.
Foi ele quem costurou, com paciência quase zen, o Frankenstein que virou a 5ª Edição — um jogo que precisou agradar fãs da velha guarda traumatizados pelo colapso da 4e, novos jogadores seduzidos pela Critical Role, e o consumidor médio da Amazon que queria um passatempo bonito para colocar na estante.
Jeremy Crawford era o mestre do meio-termo. O pacificador das regras. O conciliador entre a matemática do GURPS e a anarquia do Fate.
E quando um homem desses sai… não faz barulho. Faz vácuo.
Por que Agora?
Segundo a entrevista concedida à Screen Rant, a saída de Jeremy foi planejada. Pensada. Elegante. Quase ritualística. Ele queria entregar a nova leva de livros-base — o novo “core” da 5e revisada — e só depois deixar o palco. Missão cumprida. Mãos lavadas. Não há nenhuma grande teoria conspiratória oficial — e isso é o que mais assusta.
No fundo, o que Crawford deixa nas entrelinhas é quase mais perturbador do que se ele tivesse sido empurrado porta afora. Afinal, o que acontece com um artista quando ele percebe que já disse tudo o que tinha pra dizer? Quando o próximo projeto parece… desnecessário?
As empresas gostam de vender legados. Os criadores, quando estão cansados, preferem a honestidade brutal da retirada. Não é difícil imaginar Crawford sentado diante do livro finalizado, folheando as mesmas raças, as mesmas classes, os mesmos talentos reescritos pela décima vez… e perguntando a si mesmo: “Eu tenho mais alguma coisa a acrescentar aqui?”
Provavelmente não. E isso é o mais humano que se pode ser.
O que Fica?
É curioso ver que, apesar da saída dupla — já que Chris Perkins também anunciou sua aposentadoria dias antes — a Wizards of the Coast insiste na narrativa de estabilidade. Tudo segue igual. O roadmap dos próximos cinco anos está garantido. Os nomes substitutos estão aí, esquentando cadeira há algum tempo: James Wyatt, Wes Schneider, Justice Arman… todos profissionais competentes. Todos com currículo. Todos com energia.
Mas currículo não ensina intuição. Energia não ensina prudência.
Crawford e Perkins eram figuras que não precisavam provar mais nada. Tinham autoridade silenciosa. Não precisavam berrar inovação. Sabiam a hora de dizer “não”. Sabiam a hora de deixar o livro mais curto, a classe menos inchada, o monstro mais simples.
Essa sabedoria não se ensina no onboarding corporativo da Hasbro.
Saída de Chris Perkins, retorno de Greg Bilsland e o futuro silencioso da 6ª Edição
Chris Perkins seguiu Jeremy Crawford para fora dos escritórios da Wizards of the Coast. Com a saída dos dois principais nomes da atual geração do Dungeons & Dragons, a empresa enfrenta agora um cenário tão incerto quanto previsível. A mudança de lideranças criativas não é algo inédito, mas o padrão que se repete sugere algo que a Wizards parece evitar falar diretamente: a preparação silenciosa para uma nova edição do jogo.
Chris Perkins: a despedida do último grande contador de histórias do D&D
Chris Perkins deixou oficialmente a Wizards em 4 de abril de 2025. Com uma história ligada profundamente à identidade narrativa do jogo, ele foi um dos responsáveis por moldar os principais cenários da atual edição, dando vida a mundos como Forgotten Realms, Ravenloft e Waterdeep. Seu trabalho sempre esteve marcado pelo equilíbrio entre a tradição clássica do RPG e as demandas de um mercado cada vez mais exigente por narrativas acessíveis, mas memoráveis.
Perkins não era apenas um diretor criativo, mas um mestre de jogo em todos os sentidos. Suas aventuras oficiais estavam repletas de detalhes e personagens marcantes que iam muito além das mecânicas. Ele entendia que um RPG se sustenta não só em regras, mas também em emoções genuínas e histórias envolventes. Com sua saída, fica no ar uma grande dúvida sobre quem conseguirá preencher essa lacuna.
A Wizards insiste em afirmar que os projetos em andamento estão seguros, mas a questão real vai além de cronogramas. A perda de Perkins implica diretamente no esvaziamento de uma identidade autoral, justamente em um momento crucial onde o D&D enfrenta desafios internos e externos. Sua saída marca o fim de uma era na qual o storytelling era tratado com uma reverência quase artesanal dentro da empresa.
O Retorno Estratégico de Greg Bilsland
Ao mesmo tempo em que Perkins sai de cena, a Wizards anunciou o retorno de Greg Bilsland, figura conhecida dos veteranos do jogo por seu papel importante na controversa 4ª Edição. Bilsland retorna como produtor executivo, trazendo consigo um perfil mais pragmático e voltado para a gestão estratégica da marca.
O retorno de Greg Bilsland é significativo por vários motivos. Primeiro, porque ele representa uma época em que a Wizards tentou, sem sucesso, redefinir drasticamente a experiência do D&D. Sua gestão anterior foi marcada por críticas duras da comunidade, especialmente por escolhas de design que foram consideradas radicais demais na época. Seu retorno, portanto, sinaliza que a Wizards está novamente preparada para grandes mudanças estruturais, ainda que de maneira mais discreta.
Segundo, Bilsland conhece profundamente o funcionamento interno da empresa e tem experiência na condução de grandes transições editoriais. A escolha dele não parece aleatória: ele retorna justamente em um momento que lembra, de maneira sutil, as circunstâncias que precederam outras mudanças importantes, como a transição da 3.5e para a 4e e, posteriormente, da 4e para a 5e.
Movimentações de Mercado e o Cenário Competitivo Atual
O mercado de RPG, enquanto isso, observa com atenção. O cenário atual é muito diferente daquele em que a 5ª Edição foi lançada, em 2014. A expansão explosiva de jogos independentes e a popularização de plataformas digitais criaram uma concorrência direta que antes não existia de maneira tão intensa. Hoje, a Wizards precisa lidar com competidores ágeis e inovadores, que não dependem de decisões lentas ou estratégias burocráticas para lançar produtos.
Ao mesmo tempo, a marca Dungeons & Dragons tem se transformado progressivamente em uma plataforma de licenciamento e produtos multimídia. O sucesso comercial do filme recente, das séries animadas e das diversas linhas de produtos licenciados reforçam a posição do D&D como um ativo corporativo valioso dentro da Hasbro, mas essa transformação traz um risco real: o distanciamento progressivo da essência autoral do RPG tradicional.
O fracasso recente do Sigil, a tentativa mal-sucedida da Wizards de entrar forte no mercado de VTT, também não pode ser ignorado. Este episódio mostrou claramente os limites da estratégia agressiva de monetização da empresa. A Wizards ainda precisa reconquistar a confiança de muitos fãs que ficaram descontentes com essas decisões recentes, e a mudança nas lideranças criativas vem justamente nesse contexto delicado.
A inevitável e silenciosa chegada da 6ª Edição
Embora a Wizards evite falar diretamente sobre isso, a saída simultânea de Jeremy Crawford e Chris Perkins, combinada com o retorno estratégico de Greg Bilsland, são sinais evidentes de que algo novo já começou nos bastidores. Historicamente, a troca das grandes cabeças criativas do D&D sempre antecede o surgimento de uma nova edição.
Não é preciso grande esforço para perceber que a Wizards está entrando novamente em seu ciclo conhecido. As principais mentes por trás da 5ª Edição já cumpriram seu papel. Agora, novos líderes precisam assumir a tarefa ingrata de reinventar um jogo que é ao mesmo tempo venerado e criticado, amado e constantemente contestado.
Greg Bilsland já esteve nessa posição antes e conhece bem o peso dessas expectativas. Sua experiência prévia com a controversa 4ª Edição, longe de ser uma desvantagem, pode agora ser exatamente o tipo de aprendizado necessário para evitar repetir erros do passado.
O que Isso Significa para Jogadores
Com todas essas mudanças, a comunidade de jogadores está diante de um futuro incerto, porém previsível. O D&D que virá provavelmente será mais modular, adaptável ao ambiente digital e alinhado com os interesses comerciais da Wizards. Mas, com isso, existe um risco significativo de perda da identidade única e autoral que marcou tão profundamente a atual edição.
Esse novo momento também traz desafios inéditos. Os próximos anos definirão se o Dungeons & Dragons conseguirá manter sua posição dominante ou se vai enfrentar dificuldades maiores diante de um mercado que não para de evoluir. Os jogadores precisarão escolher entre acompanhar essas mudanças ou buscar alternativas fora da marca oficial.
Talvez, de maneira paradoxal, essas mudanças sejam exatamente o impulso que o RPG como hobby precise para continuar crescendo. A história mostra que cada nova edição do D&D, por mais controversa que seja, sempre renova o interesse pelo jogo e traz novos públicos para a mesa. Mas, desta vez, a aposta da Wizards parece ainda mais alta, porque precisa equilibrar inovação com preservação da essência que fez o D&D ser o que é hoje.
Término de Ciclo Silencioso e Inevitável
Chris Perkins deixa para trás um legado que dificilmente será repetido por um único nome. Greg Bilsland volta em um momento crítico e estratégico, com a missão de estabilizar um navio que precisa mudar sem perder completamente sua rota original. O mercado, enquanto isso, observa atento, sabendo que o que está acontecendo agora nos bastidores do maior RPG do mundo é o prelúdio silencioso de algo grande e inevitável: a chegada de uma 6ª Edição.

A Wizards pode continuar evitando falar sobre isso diretamente, mas quem conhece a história do D&D já viu essa dança antes. E enquanto o público aguarda, a empresa prepara discretamente o terreno para o próximo capítulo dessa saga que mistura negócios, criatividade e, acima de tudo, paixão por contar histórias.
Presságio Inevitável da 6e
Veteranos do mercado de RPG conhecem esse movimento. Toda grande edição do D&D nasce de um parto difícil… e termina em uma debandada silenciosa.
Foi assim na virada da 3.5e para a 4e. Foi assim na transição dolorosa da 4e para a 5e. Os designers que constroem o sistema, que o defendem com unhas e dentes, invariavelmente saem quando o ciclo fecha. Por esgotamento. Por estratégia. Ou porque simplesmente sabem demais.
Mas desta vez… há um detalhe que não pode ser ignorado.
O silêncio de Jeremy Crawford soa diferente. Não é apenas o fim de um ciclo. É o anúncio de que o próximo já começou — ainda que ninguém se atreva a dizer o nome.
A Wizards evita falar de 6ª Edição como o diabo foge da cruz. Insiste que o que temos agora é “uma revisão”, “uma evolução”, “um passo à frente da 5e”. Mas os sinais estão por toda parte.
Primeiro saem os criadores. Depois ficam os herdeiros. Logo, vêm os reformadores.
E em algum ponto do caminho… vem o inevitável: um novo D&D, com outro nome, outro número e outras promessas.
Jeremy Crawford não saiu porque o D&D acabou.
Saiu porque o D&D que ele ajudou a construir já não existe mais.
E o que vem por aí… ninguém sabe ao certo. Mas quem jogou RPG o suficiente sabe reconhecer esse cheiro no ar.
Cheiro de edição nova.
Cheiro de 6e.
Quem quiser fingir que não está sentindo… que jogue um teste de Sabedoria.