Artigo – Para o Criador da 5º Edição, D&D Está em Declínio
Dungeons & Dragons não é mais “cool”. Talvez nunca tenha sido. Mas também nunca foi apenas um jogo. Sempre foi um espelho. Do mercado, das tendências, dos nerds que cresceram e dos que vieram depois.
E agora, em uma entrevista recente, Mearls, um dos principais designers da 5ª edição, expressou sua visão crítica sobre o estado atual do jogo, apontando sinais claros de declínio e refletindo sobre seu impacto no cenário do RPG de mesa.
De acordo com Mike Mearls, a febre passou. O RPG de mesa mais famoso do mundo voltou a ser algo para um nicho, longe da explosão midiática e cultural que viveu nos últimos anos.
Nos últimos anos, Dungeons & Dragons viveu uma ascensão meteórica. De um hobby de nicho, tornou-se um fenômeno cultural, presente em séries, filmes e plataformas digitais. Mearls descreve a ascensão de D&D como um evento raro e, possivelmente, irrepetível.
O lançamento da 5E, em 2014, revitalizou a franquia, trazendo de volta antigos jogadores e atraindo novos adeptos, muitos dos quais impulsionados por fenômenos culturais como Stranger Things e Critical Role. O jogo passou de um passatempo nerd para um símbolo mainstream, algo que não acontecia desde os anos 80.
O argumento não é novo. Nenhuma febre dura para sempre. O boom dos anos 80 morreu nos 90. O ostracismo da 4E se converteu em triunfo com a 5E. Agora, o ciclo se repete, mas algo parece diferente desta vez. O D&D está perdendo espaço. Mas para onde? Para quem? Para quê?
Mas, segundo Mike Mearls, um dos principais arquitetos da 5ª edição do jogo, essa era de ouro pode estar chegando ao fim.
Mais do Mesmo
Um dos fatores citados por Mearls é a falta de inovação no conteúdo publicado. Nos últimos anos, as aventuras lançadas se tornaram repetitivas, muitas vezes revisitando os mesmos temas sem oferecer algo realmente novo. O D&D moderno, para ele, está cada vez mais burocrático e previsível, perdendo o senso de descoberta e experimentação que fez do RPG algo tão especial.
Mearls argumenta que D&D perdeu a sua magia não porque deixou de ser jogado, mas porque perdeu sua relevância na cultura pop. O impacto de “Stranger Things”, Critical Role e das milhões de mesas online já não é novidade. O mercado encolheu. O hype sumiu. E o golpe final veio da própria Wizards of the Coast, com uma sequência de erros que minaram a confiança de sua própria base de fãs.
E agora, com a nova revisão das regras, a “5.5” ou “D&D 2024”, a promessa era de um renascimento. Mas até agora, o impacto foi morno. A falta de novidades reais na nova edição também contribuiu para um sentimento de desanimação.
Sim, o novo Livro do Jogador vendeu bem, mas ser o mais vendido não significa ser relevante. O espaço que o D&D ocupava na cultura geek está esvaziando, e a própria Wizards parece não saber como preencher esse vácuo.
Se a 5E foi revolucionária em sua proposta, o D&D 2024 parece mais uma revisão do que uma reinvenção.
O Papel de Hasbro e a Enxurrada de Erros
A Wizards of the Coast é uma subsidiária da Hasbro, e essa relação tem sido tanto uma bênção quanto uma maldição. Enquanto a Hasbro garantiu suporte financeiro e distribuição global para D&D, também impôs uma mentalidade corporativa ao produto. O foco passou a ser monetização agressiva, priorizando experiências digitais, produtos licenciados e microtransações em detrimento da qualidade das aventuras e suplementos.
O maior exemplo dessa mentalidade é o Project Sigil, a plataforma de mesa virtual que prometia revolucionar o jogo, mas que já mostrou problemas técnicos e uma abordagem mercadológica questionável. Ao mesmo tempo, o lançamento de novos suplementos diminuiu. Em 2025, espera-se um volume de publicações muito menor do que o esperado, o que levanta questionamentos sobre o futuro da franquia.
Mearls não está sozinho nessa leitura. Muitos especialistas apontam que a fase mais lucrativa de D&D pode ter passado, e a empresa parece estar tentando controlar os danos. A dúvida agora é se a Wizards conseguirá reconquistar a confiança da comunidade ou se o RPG mais famoso do mundo perderá ainda mais espaço.
Além disso, diversas discussões em fóruns, como no Reddit, apontam que a Hasbro, empresa proprietária do D&D, enfrentou perdas financeiras significativas, o que pode refletir desafios na popularidade contínua do jogo.
Os Impactos da OGL e a Perda de Confiança
Porém, o sucesso veio acompanhado de uma série de problemas. A própria Wizards of the Coast não soube administrar o crescimento da marca. Segundo Mearls, o erro mais grave e um dos momentos mais desastrosos da história da marca, foi a tentativa da Wizards de modificar a Open Game License (OGL) em 2023, permitia que terceiros criassem conteúdo para D&D, gerando um ecossistema rico e diversificado. Uma tentativa desastrada de monetizar algo que sempre foi um pilar do hobby.
O resultado? A base de jogadores, que antes confiava na Wizards, se revoltou. Criadores fugiram. Cancelamentos em massa da plataforma do D&D Beyond. Alternativas explodiram. A comunidade reagiu de forma negativa, levando a uma crise de confiança na empresa. A desconfiança plantada nesse período ainda reverbera no mercado, e muitos criadores migraram para sistemas independentes. Muitos criadores migraram para outras plataformas e sistemas, como Pathfinder, que já havia conseguido consolidar uma base de jogadores fiel.
O Fortalecimento dos RPGs Indie e a Fragmentação do Mercado
Historicamente, o mercado de RPG de mesa sempre oscilou em ciclos. Nos anos 80, D&D se tornou um fenômeno cultural, mas a chegada dos anos 90 trouxe um declínio acentuado. A 3ª edição e, posteriormente, a 3.5E revitalizaram o jogo, mas a 4E foi recebida com muitas críticas e fracassou em manter o público fiel. A chegada da 5E, em 2014, trouxe um novo ciclo de crescimento, impulsionado por novas estratégias de marketing e pela ascensão do entretenimento digital, que ajudou a divulgar o RPG para um público mais amplo.
Agora, com o lançamento da revisão de 2024, o jogo parece estar em uma nova fase. Alguns analistas apontam que o hype gerado nos últimos anos está diminuindo, e que a Wizards of the Coast está enfrentando desafios internos para manter a franquia relevante.
Embora D&D ainda seja o RPG mais vendido, há sinais de que seu domínio não é mais tão absoluto. Os números indicam que, apesar de um lançamento bem-sucedido do PHB 2024, as vendas gerais da linha de produtos estão abaixo do esperado.
O paralelo com outras indústrias também é válido. O cinema de super-heróis, por exemplo, atingiu seu auge com Vingadores: Ultimato, mas desde então tem visto um declínio no interesse do público. Algo semelhante pode estar acontecendo com D&D: o auge passou, mas isso não significa necessariamente que o jogo estará condenado ao fracasso.
O Que Vem Depois do Auge?
Para Mearls, a queda de D&D não significa o fim do RPG de mesa. Pelo contrário, ele acredita que a descentralização do mercado pode levar a um período de grande inovação. Ele também sugere que D&D pode entrar em um período de menor relevância antes de um eventual ressurgimento, como já aconteceu antes.
A Jacobin Brasil argumenta que, após a morte dos criadores originais de D&D, houve um aumento de interesse nas origens do jogo, mas também críticas sobre como o capital mata a arte.
Outras franquias de jogos independentes apresentam um exponencial expressivo. TTRPGs como Mothership, Blades in the Dark, Lancer e Shadowdark estão conquistando espaço, oferecendo experiências inovadoras que se distanciam da tradição d20.
Kickstarters milionários mostram que o mercado não depende mais exclusivamente de D&D para prosperar. Como exemplo, Cypher (usado no RPG do universo Cosmere de Brandon Sanderson), conseguiram arrecadar quantias significativas, demonstrando que o público está disposto a investir em outras opções. Em 2023, Mothership arrecadou mais de US$ 1,4 milhão no Kickstarter, com 15.699 apoiadores, demonstrando o forte interesse por experiências de RPG inovadoras fora do mainstream, um número impressionante para um RPG indie. Esse sucesso indica que o público está mais disposto a explorar alternativas do que antes.
O Fim ou a Nova Fase?
O ponto mais provocativo de Mearls é sua suposição de que D&D pode nunca mais se recuperar. Isso é uma previsão realista ou apenas nostalgia pessimista? A história de D&D é cíclica. Da mesma forma que o jogo teve seus altos e baixos, é provável que ele ainda encontre novos picos de popularidade no futuro.
Se há algo a aprender com essa discussão, é que a “morte do D&D” é algo que já foi anunciado várias vezes, e todas elas se provaram exageradas. Mas não dá para negar que o mercado mudou. A Wizards precisa entender esse novo momento, ou realmente poderá se ver em um cenário cada vez menor.
Talvez a grande conclusão seja essa: Dungeons & Dragons não é mais “cool”, mas também nunca precisou ser. O jogo sobreviveu a muito. Sobreviverá a mais uma fase. E se ele encolher? Outros crescerão em seu lugar. No fim, o RPG de mesa nunca foi sobre “quem está no topo”. Foi, e sempre será, sobre contar histórias. E enquanto houver quem queira contar histórias, o jogo continuará vivo.
A grande pergunta que fica é: a Wizards de hoje tem capacidade de reinventar D&D? Ou estamos diante de um futuro onde o monopólio do RPG será substituído por um ecossistema fragmentado, mas mais diversificado?
O tempo dirá. Mas, para Mearls, o D&D de 2024 já não é o mesmo de 2014. E talvez nunca mais seja.
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Paulo "Faren" Lima
Considera RPG terapia, trabalha na Stone Co, viciado em processos, nascido e criado no Tocantins, narra em The Witcher.