Dossiê: Critical Role contrata os criadores de D&D 5e

Critical Role contrata os criadores da 5e. Na imagem, Chris Perkins (centro) e Jeremy Crawford (esquerda) são recebidos pela equipe da Darrington Press.

O que acontece quando os arquitetos do RPG mais influente do mundo decidem abandonar o castelo? Em 16 de junho de 2025, o anúncio de que a Critical Role contrata os criadores da 5e — Chris Perkins e Jeremy Crawford — não apenas movimentou os bastidores da indústria: ele redefiniu os papéis no tabuleiro. Aqueles que durante décadas foram os guardiões da voz e das regras de Dungeons & Dragons agora assumem o trono de outro império narrativo, desta vez como autores livres, sob a bandeira da Darrington Press. A Perda Criativa da Wizards e a Ascensão da Critical Role não é mais um tema de especulação — é um fato concreto, com nome, data e impacto. E se o D&D foi o castelo, Daggerheart talvez seja a torre que desponta além de seus muros. A mudança de casa não é simbólica: marca o início de um novo ecossistema criativo, onde os mesmos autores que moldaram a 5e agora planejam mundos inéditos com total liberdade autoral. Este dossiê reconstrói a transição de poderes e convida o leitor a testemunhar Do D&D ao Daggerheart: quando os criadores abandonam o castelo — e erguem outro, com os próprios tijolos.

Versão resumida em Áudio por IA:

O Golpe de Mestre: quando a Critical Role deixou de ser discípula

Mal noticiamos, ainda hoje, a saída de Jess Lanzillo da Wizards of the Coast após oito anos — a então vice-presidente de Criação da marca Dungeons & Dragons — e já somos surpreendidos com outro movimento sísmico no tabuleiro editorial do RPG de mesa. Chris Perkins e Jeremy Crawford, os dois nomes mais reconhecíveis do design moderno de D&D, acabam de ser anunciados como os novos diretores criativos e de jogos da Darrington Press, a divisão editorial da Critical Role.

A revelação partiu, como tem sido comum em tempos de marketing invertido, de uma matéria exclusiva publicada pelo Los Angeles Times em 16 de junho de 2025 — poucas horas antes da confirmação oficial pela própria Critical Role. O título da reportagem não economiza metáforas: “Por que a dupla de contadores de histórias de D&D assinou com a Critical Role”, seguido por um subtítulo incisivo: “Critical Role saqueia os cofres de D&D para contratar dupla criativa” (LA Times).

A manchete reverberou como um trovão em meio à calmaria institucional da Wizards. E não é para menos: Perkins e Crawford são, juntos, o pilar sobre o qual repousou toda a estrutura narrativa e mecânica do D&D moderno. Não apenas escreveram os livros — eles os pensaram, os reformularam, os testaram, os moldaram para uma geração.

A dança das cadeiras começa em silêncio

Até poucos meses atrás, Chris Perkins ainda respondia como arquiteto de histórias para a edição 2024 de Dungeons & Dragons. Jeremy Crawford, por sua vez, fora o principal porta-voz das regras desde o lançamento da 5ª edição. Quando ambos anunciaram suas respectivas saídas — Perkins com um adeus nostálgico em abril, Crawford com discrição cirúrgica logo depois — o público especulou sobre possíveis aposentadorias ou mudanças de rumo.

Quando os discípulos superam os mestres

A Critical Role nasceu como uma campanha transmitida por um grupo de dubladores profissionais em 2015. Em poucos anos, transformou-se em fenômeno cultural, lançou séries animadas, quadrinhos, jogos próprios — e criou um fandom global conhecido como “Critters”. Seu sucesso nunca esteve desvinculado de D&D. Ao contrário: foi a plataforma que a levou ao estrelato. Mas agora, o vínculo simbiótico começa a se inverter.

“Eles são dois dos maiores nomes que já influenciaram os RPGs de mesa e os jogos que jogamos.” — Travis Willingham, CEO da Critical Role, ao LA Times.

Foi o próprio Willingham quem iniciou os contatos com Perkins e Crawford. Segundo ele, ao saber que os dois pensavam em mudar de ares, a equipe da CR foi direta: “Ei, estamos por aqui fazendo coisas nerds incríveis. Se algum dia quiserem se juntar a nós, adoraria conversar.”

Esse convite informal floresceu em uma proposta formal. Agora, os dois veteranos de D&D entram oficialmente como Creative Director (Perkins) e Game Director (Crawford) na Darrington Press, com a missão de desenvolver novos jogos, mecânicas e propriedades intelectuais originais.

O selo editorial da Critical Role assume protagonismo ao contratar os cérebros por trás do D&D 5e.

O anúncio oficial da CR, publicado em critrole.com, celebra o movimento como “o início de um novo capítulo” para a editora. Em suas próprias palavras:

“Contar histórias sempre foi o coração de tudo o que faço, e entrar na Darrington Press parece um retorno ao lar.” — Chris Perkins, comunicado oficial da CR.

“Essa equipe é apaixonada, criativa e comprometida com experiências acolhedoras e conectadas.” — Jeremy Crawford, na mesma publicação.

A Wizards silencia — e o silêncio grita mais alto a cada semana

Enquanto este dossiê era finalizado, o tabuleiro editorial do Dungeons & Dragons se movia mais uma vez — e não em silêncio, mas em eco. No final do dia 16 de junho de 2025, Todd Kenreck, apresentador e produtor de conteúdo do D&D Beyond, anunciou em suas redes sociais que havia sido demitido da Wizards of the Coast, encerrando oficialmente uma era em que o D&D ainda se comunicava com rosto, voz e entusiasmo editorial. A notícia veio menos de 24 horas após a confirmação da saída de Jess Lanzillo, até então vice-presidente de Criação da marca. Juntas, as duas baixas somam-se ao vácuo já aberto pela saída de Chris Perkins e Jeremy Crawford — formando uma debandada sem precedentes na história recente da marca.

Em menos de quatro meses, a Wizards de 2025 perdeu as quatro principais figuras públicas da equipe criativa da 5ª edição e da linha comemorativa de 50 anos:

  • Chris Perkins, arquiteto narrativo da franquia e autor de campanhas icônicas;
  • Jeremy Crawford, principal designer de regras da 5ª edição e voz técnica da linha;
  • Jess Lanzillo, vice-presidente de Criação, responsável por integrar visão de produto e equipe;
  • Todd Kenreck, apresentador e produtor de conteúdo do D&D Beyond, rosto presente em trailers, entrevistas, dev diaries e coberturas de eventos.

Foi o próprio Kenreck quem tornou a notícia pública em sua conta oficial no X (Twitter), dizendo:

Fui demitido do D&D. Obrigado a Chris Perkins, Jeremy Crawford e toda a equipe de D&D por serem algumas das pessoas mais gentis, talentosas e apaixonadas que já conheci. Este era meu emprego dos sonhos. A comunidade de RPG de mesa me deu tudo.

Kenreck não era autor de regras ou mais um nome, mas era um dos principais elos entre o design e a comunidade. Ele explicava as mudanças da edição 2024 em vídeo, entrevistava os criadores, humanizava a equipe editorial — transformava PDFs em narrativa, decisões de bastidor em experiência compartilhada. Sua demissão marca, de forma simbólica, o fim da era em que a Wizards ainda falava com o público com voz própria.

Esse esvaziamento progressivo tem implicações profundas. Com a saída das figuras que davam rosto e direção ao D&D, a marca caminha para um modelo impessoal e automatizado, onde decisões criativas parecem ditadas por algoritmos de tendência e por departamentos jurídicos.

Como observa Gabriel Arddhu, em vídeo recente, a Wizards parece evitar qualquer risco editorial — preferindo deixar de lado os criadores históricos como Ed Greenwood, Margaret Weis, Jeff Grubb, Tracy Hickman ou R.A. Salvatore. Todos vivos, todos ativos, todos com décadas de contribuição — ignorados. Essa omissão não é neutra: ela sinaliza um projeto de gestão da marca D&D pela negação da autoria, como se IP funcionasse melhor quando ninguém mais lembra quem a inventou.

Enquanto isso, do outro lado da ponte, a Critical Role faz o oposto. Em vez de dispersar talentos, os concentra. Em vez de silenciar vozes, as amplifica. Em vez de anonimato, dá nomes, rostos, títulos. Como bem coloca o próprio Arddhu: “é como se a ponte estivesse caindo de um lado e sendo reconstruída do outro”. A Darrington Press se consolida não apenas como uma editora eficiente, mas como um novo refúgio criativo — um espaço onde os autores da 5e têm liberdade de criação e visibilidade plena.

A Wizards não apenas perdeu seu time criativo. Perdeu seu assinamento. O D&D agora é lançado por uma editora que não fala, não responde, não explica. Uma empresa sem autores visíveis, sem planos editoriais declarados, sem qualquer esforço real de reconstrução de confiança. E isso, num hobby fundado sobre confiança narrativa, é mais devastador do que qualquer errata mal escrita.

Se a Critical Role ofereceu aos ex-autores da 5e uma nova mesa, a Wizards parece ter apagado a luz da sua. E restam apenas os dados — rolando sozinhos, em uma sala vazia.

Os bastidores de um novo ecossistema

Para além da troca de nomes, o que está em jogo é a formação de um novo polo criativo no RPG de mesa. A Critical Role não é mais apenas uma embaixadora do D&D — é uma concorrente direta, com sistema próprio, fandom próprio e agora, criadores que ajudaram a moldar o próprio D&D.

Em declarações conjuntas ao LA Times, Perkins e Crawford afirmam:

“Acreditamos que há força na diversidade. Criadores diversos e jogos diversos ajudam a criar uma indústria mais acolhedora. E acreditamos que a indústria precisa manter a alegria do jogo viva — aquela fagulha que sentimos quando jogamos RPG pela primeira vez.”

Há ideias já em gestação, segundo o próprio Perkins, mas nada foi revelado ainda.

“Ah, com certeza já temos ideias borbulhando. Mas isso é tudo que posso dizer por enquanto.” — Chris Perkins, sorrindo ao LA Times.

Quando a história muda de mãos

O que parecia um simples anúncio de equipe é, na verdade, uma mudança de paradigma. A Critical Role, que por anos viveu sob o teto simbólico da Wizards of the Coast, agora abriga em sua própria casa os autores do jogo que a inspirou. É como se, após anos jogando D&D, os criadores da websérie tivessem decidido criar a sua própria lenda, com seus próprios contadores de histórias.

E mais do que isso: fizeram-no sem comprar licenças, sem copiar sistemas, sem escândalos públicos. Apenas com um convite criativo que dizia: “Quer continuar criando? Aqui há espaço, há tempo e há liberdade.”

Como observou Gabriel Arddhu, do canal Arddhu RPG, em conversa recente no Discord, a Wizards poderia simplesmente contratar quem de fato criou o D&D como o conhecemos hoje. Vejamos:

  • Ed Greenwood, criador de Forgotten Realms, está vivo e ainda produz material
  • Tracy e Laura Hickman, autores do módulo Ravenloft, também estão vivos e ativos 
  • Jeff Grubb, criador do Spelljammer, está vivo e continua produzindo conteúdo RPG
  • Margaret Weis e Tracy Hickman, criadores de Dragonlance, estão vivos; Margaret Weis segue escrevendo desde 1948
  • Além deles, R. A. Salvatore, autor de romances em Forgotten Realms e colaborador próximo de Greenwood, mantém uma excelente sinergia criativa com ele

Segundo Arddhu, bastaria “botar grana neles, ao custo de um engravatado”, para que o material e as ideias originais estivessem presentes nas prateleiras — sem precisar de reboots mal feitos e distantes das concepções originais. Esses autores estão vivos, produzindo, mas a Wizards prefere se afastar.

Para a Wizards, sobra agora a tarefa de reconstruir. Para a Critical Role, a chance de redefinir o futuro.

Na dúvida sobre o que esperar dos próximos anos, resta uma constatação inegável: a cadeira de mestre não está mais no mesmo lugar. E os dados foram lançados por outra mão.

Dois Homens e um Mundo: quem são Chris Perkins e Jeremy Crawford?

Volto a reafirmar: a Wizards of the Coast não perdeu apenas dois funcionários. Perdeu os dois pilares intelectuais e criativos que moldaram o Dungeons & Dragons moderno, em todas as camadas que fazem um RPG sobreviver à passagem do tempo: narrativa, regras, acessibilidade, representatividade e, sobretudo, coesão editorial.

Eles escreveram as regras. Agora, escrevem a história fora do D&D.

Chris Perkins e Jeremy Crawford não foram apenas os rostos do D&D. Eles eram o D&D, como ele foi jogado por milhões ao redor do mundo por mais de duas décadas.

Uma dupla que se tornou mitologia viva

A história começa em pontos distintos, mas que logo se entrelaçam — não por acaso, como nos melhores encontros de campanha.

Chris Perkins ingressou oficialmente na Wizards em 1997, após um início como editor da revista Dungeon Magazine. De lá, foi assumindo funções cada vez mais centrais: editor-chefe de publicações periódicas, produtor sênior, designer principal de aventuras e, a partir da 5ª edição, Story Architect — o arquiteto de histórias. Era ele quem dava forma ao tom, à voz e ao arco dramático do cenário de Forgotten Realms e outros mundos, além de coordenar a coerência temática entre suplementos e aventuras. Foi também o rosto por trás das aventuras mais queridas da era 5e, como Maldição de Strahd, Out of the Abyss e Tomb of Annihilation.

Mas sua fama explodiu mesmo ao lado de Jerry Holkins e Mike Krahulik, nos palcos da PAX, como mestre de jogo da campanha Acquisitions Incorporated. Ali, Perkins revelou-se não só designer, mas mestre de cerimônias do RPG narrativo para o grande público, antecipando o formato que seria imortalizado pela própria Critical Role anos depois.

“Hoje me despeço da Wizards of the Coast após 28 anos. Com o aniversário de 50 anos de D&D concluído e os livros revisados indo muito bem, este é o final de conto de fadas perfeito para mim.” — Chris Perkins, em abril de 2025, no Bluesky

O adeus, à época, abordado no artigo Chris Perkins Deixa D&D e a Wizards of the Coast, soou como uma aposentadoria voluntária, um fechamento de ciclo. O que poucos sabiam era que aquele “fim de conto de fadas” era também prólogo de outra história.

O bastião das regras e da inclusão

Jeremy Crawford, por sua vez, chegou à Wizards um pouco depois, vindo da Green Ronin. Assumiu rapidamente funções ligadas à escrita técnica e desenvolvimento de sistemas, sendo o principal arquiteto de regras da 5ª edição. Mas seu papel foi muito além da matemática dos dados: ele pensou o RPG como um convite aberto.

Crawford liderou iniciativas que tornaram o D&D 5e mais acessível, mais inclusivo e mais amigável a novos públicos. Esteve à frente de projetos como o Sage Advice Compendium, coordenou as colunas da Unearthed Arcana, reformulou os textos de O Caldeirão de Todas as Coisas de Tasha com linguagem neutra e mecanismos voltados à construção livre de personagens. Foi também o primeiro editor da linha a defender abertamente políticas de diversidade, mesmo quando isso incomodava parte do público tradicional.

“Chris e eu conversamos durante anos sobre seu plano de aposentadoria, então sua saída iminente já estava em minha mente há muito tempo. Quando enviamos os novos livros de regras de D&D para a gráfica no ano passado, senti que era hora de explorar um novo capítulo para mim (…) Amo o jogo e a equipe, mas dezoito anos é muito tempo. Eu estava pronto para uma nova aventura. O capítulo que agora abrimos parece um retorno para casa — retomar o trabalho com Chris e voltar ao sul da Califórnia.”

Jeremy Crawford, ao LA Times

Seu domínio técnico — mas profundamente humano — das regras fez de Crawford o elo entre mecânica e filosofia. Com ele, as regras de D&D deixaram de ser uma prisão e tornaram-se uma ponte. Uma estrutura que acolhe em vez de limitar.

O vínculo entre os dois: parceria criativa de confiança

Perkins e Crawford não apenas coexistiram na Wizards — formaram uma dupla simbiótica, onde um construía o pano de fundo, e o outro, as engrenagens.

Perkins cuidava daquilo que dava cor: o cenário, os vilões, as metáforas, os ganchos. Crawford cuidava do que fazia o jogo rodar: os testes, as condições, a progressão de níveis. Juntos, montaram não só os livros básicos da 5e, como também os três tomos fundamentais da edição de 2024 (Jogador, Mestre e Monstros), celebrando os 50 anos de D&D.

“Chris e eu conversávamos sobre seus planos de aposentadoria há anos, então sua saída já estava em minha mente fazia tempo.” — Crawford, ao LA Times

A confiança mútua não era apenas funcional. Era afetiva e editorial. E, mais do que tudo, rara em uma indústria que gira em torno de ciclos de hype e burnout.

O papel de cada um nos livros do 50º aniversário

Como reportamos no artigo A Saída de Jeremy Crawford e o Cheiro do D&D 6e, o trabalho da dupla na edição 2024 foi decisivo para:

  • Revisar profundamente os três livros-base, atualizando terminologia, organização e balanceamento.
  • Manter compatibilidade retroativa com aventuras anteriores, ao mesmo tempo em que modernizavam o sistema.
  • Implementar novas filosofias de design — como a separação clara entre regras e narrativa, a ampliação da liberdade criativa e o reforço das opções de customização.

O resultado foi um D&D comemorativo que não rompeu com o passado, mas que soube dizer adeus a ele. A saída de ambos coincidiu com o envio dos livros à gráfica — e com a sensação de dever cumprido.

“Sentimos que o jogo estava em boas mãos. Era hora de deixar o legado seguir.” — Perkins e Crawford, em comunicado conjunto à imprensa

A perda que ninguém quis reconhecer

Na época de suas respectivas saídas, a Wizards preferiu focar na ideia de sucessão natural. Jess Lanzillo, então VP de Produto, reforçou em entrevistas que a equipe havia sido preparada para continuar sem a dupla, e que as decisões foram “pessoais e respeitadas”.

Mas a sequência de perdas — primeiro Perkins, depois Crawford, por fim Lanzillo — somada à ausência de anúncios sobre substitutos ou nova liderança editorial, escancarou um fato: a Wizards não apenas perdeu veteranos — perdeu sua bússola criativa.

Agora sob outra bandeira

O que torna essa história ainda mais densa é o destino compartilhado que se desenhou após a saída. A notícia de que ambos foram contratados pela Darrington Press pegou a comunidade de surpresa, não por improbabilidade, mas por estratégia.

Agora, Perkins e Crawford são coluna vertebral de uma editora que joga com as regras que ajudaram a criar — mas que não precisa mais seguir o manual oficial.

O que antes era “perda de talentos” tornou-se reconfiguração de forças. E a Critical Role passou a ser, no mesmo gesto, herdeira e sucessora.

Quando a editora virou criadora: o salto editorial da Darrington Press

Até poucos anos atrás, a Darrington Press era apenas uma promessa. Um selo editorial nascido sob a sombra generosa da Critical Role, testando jogos de cartas, experiências narrativas de mesa e jogos breves. Nada que indicasse, ainda, uma rivalidade. Nada que ameaçasse o reinado da Wizards of the Coast. Mas o tempo mudou — e o mercado, junto com ele.

Com o anúncio da contratação de Chris Perkins e Jeremy Crawford para liderar a divisão de jogos da Darrington Press, a Critical Role deixa claro que não quer mais apenas contar histórias no universo de D&D — ela quer criar os universos pelos quais os próximos jogadores vão se apaixonar.

Em pouco mais de quatro anos, o selo saltou de microjogos como Uk’otoa para um RPG de fantasia de alta escala como Daggerheart, com direito a sistema próprio, financiamento milionário e uma real play estrelada por Matthew Mercer. Não por acaso, foi esse crescimento que criou o terreno fértil para que os dois maiores nomes da Wizards — os próprios arquitetos da edição de 50 anos de Dungeons & Dragons — decidissem mudar de casa.

A Darrington Press, enfim, deixou de ser “o selo da Critical Role” e tornou-se editora independente com ambição global.

Um início modesto, mas preciso

O selo foi anunciado oficialmente em outubro de 2020, com uma proposta distinta: publicar jogos sem depender de financiamento coletivo, com foco em mecânicas narrativas e estética autoral. Travis Willingham, CEO da Critical Role, apresentava a proposta como algo construído “de dentro para fora” — nascido da cultura da mesa de jogo, não da indústria tradicional.

Os dois primeiros títulos refletem essa abordagem:

  • Uk’otoa (2021), um card game competitivo ambientado no lore da campanha original da Critical Role.
  • Till the Last Gasp (2023), um jogo de duelo dramático entre dois personagens, publicado em parceria com a Critical Role Foundation.

Ambos foram bem recebidos, mas sem alarde. Ainda era cedo para prever qualquer ruptura. Os produtos tinham acabamento editorial primoroso, mas se encaixavam numa zona de conforto: eram títulos que orbitavam o fandom. Derivativos, ainda que competentes.

Foi só com o lançamento de Candela Obscura, em 2023, que a editora revelou sua primeira verdadeira vontade de independência.

Candela Obscura: o primeiro gesto de emancipação

Narrativa de horror investigativo. Sistema leve, baseado em d6. Ciclos fechados de jogo. Uma estética visual refinada, com manual gratuito e websérie própria. Candela Obscura não era apenas mais um produto — era uma declaração. A Critical Role anunciava que podia sim publicar seu próprio RPG de mesa completo, com regras autorais, identidade mecânica e tom narrativo distinto.

Lançado com o sistema Illuminated Worlds (criado por Stras Acimovic e Layla Adelman), Candela era minimalista, modular e, acima de tudo, não era D&D. E ainda assim funcionava. Tinha público. Tinha mesa. Tinha voz. A editora ganhava, finalmente, algo mais valioso que qualquer financiamento: autonomia criativa.

A comunidade reagiu com curiosidade. Alguns viram no sistema uma alternativa aos ciclos longos de campanha da 5e. Outros apontaram a leveza excessiva das regras como ponto fraco. Mas poucos negavam: a Darrington Press havia mostrado que era capaz de publicar sistemas próprios, com distribuição, marketing e consistência editorial.

Era só o começo.

Daggerheart: o ponto sem volta – e o início de uma nova disputa

Lançado em beta público no início de 2025 após uma campanha de Kickstarter avassaladora, Daggerheart não veio para apenas complementar o catálogo da Darrington Press — ele veio para fincar uma bandeira. Um RPG de fantasia épica com sistema próprio, voltado para a experiência emocional e colaborativa, que dispensa a fórmula do d20 e adota uma mecânica baseada em 2d12 — um para a esperança, outro para o medo.

O sistema centraliza decisões em torno de virtudes e falhas dos personagens. O tom é menos sobre otimizar builds e mais sobre explorar dilemas morais. Os mestres não são apenas narradores, mas também “guardiões” — mediadores de jornadas simbólicas, no melhor estilo da Critical Role. A estética é impecável. O marketing, cinematográfico. A ambição, evidente.

Mas ao contrário do que boa parte da mídia internacional sugeriu, o Artifício RPG decidiu colocar o sistema à prova com os pés no chão. Em vez de ecoar o entusiasmo publicitário, publicamos uma crítica extensa, direta e cheia de provocações: será que Daggerheart é mesmo tudo isso que promete? O sistema aguenta campanhas longas? A estrutura emocional não limita a agência dos jogadores? A simplicidade das mecânicas não trará desgaste a médio prazo?

Se a Darrington queria disputar espaço com a Wizards, conseguiu. Se queria apresentar um jogo original e autoral, também. Mas se queria reinventar o RPG de fantasia com profundidade estratégica e narrativa duradoura, ainda tem muito chão a percorrer.

A arrecadação ultrapassou os US$ 5,8 milhões em menos de dois dias, e a série real play Age of Umbra com Matthew Mercer dominou o YouTube. Ainda assim, o jogo deixa questões em aberto — que discutimos ponto a ponto em nossa análise crítica.

📖 Leia aqui nossa crítica completa sobre Daggerheart no Artifício RPG

A Darrington Press não está mais brincando de publicar jogos. E Daggerheart é sua declaração de guerra criativa. Resta saber se o jogo, agora lançado, será adotado como sistema de campanha — ou se será lembrado como uma bela vitrine com arquitetura frágil.

A dupla de ouro chega para organizar o trono

Foi nesse momento que a notícia caiu: Chris Perkins e Jeremy Crawford deixavam a Wizards of the Coast e eram contratados pela Darrington Press.

Funcionou.

Perkins e Crawford foram anunciados oficialmente no mesmo dia: Chris como diretor criativo, Jeremy como diretor de sistemas. Ambos com liberdade plena para criar, expandir e desenvolver jogos originais sob o selo da CR. Foi a primeira vez que os dois criadores, conhecidos por serem a espinha dorsal das edições mais bem-sucedidas de D&D, passaram a integrar uma editora que não pertence à Hasbro.

Ninguém esperava que os dois fossem absorvidos integralmente pela Critical Role, agora não mais como entidade “fã de D&D”, mas como editora ambiciosa com pretensões claras de se tornar a nova força dominante do RPG de mesa.

“O que me tirou da aposentadoria foi a chance de trabalhar com Jeremy e com as mentes brilhantes da Critical Role em coisas que terão um impacto positivo e duradouro no mundo.” — Chris Perkins, ao LA Times.

“Quando mandamos os novos livros do D&D para a gráfica no ano passado, senti que era hora de explorar um novo capítulo. Trabalhar com o Chris de novo, em uma empresa cuja missão e pessoas em que acreditamos, parecia um retorno para casa.” — Jeremy Crawford, na mesma matéria.

As falas, generosas e sem ressentimento, escondem um subtexto claro: o modelo corporativo da Wizards havia cumprido seu papel. Agora, eles queriam algo diferente. E encontraram isso na Critical Role.

A mensagem era clara. Eles não estavam apenas trocando de emprego. Estavam trocando de paradigma.

Uma editora de verdade

Com quatro títulos lançados (Uk’otoa, Till the Last Gasp, Candela Obscura e Daggerheart), equipe fixa de design, plano editorial contínuo e distribuição internacional, a Darrington Press já é — técnica e comercialmente — uma editora completa.

Ela tem:

  • Catálogo;
  • Comunidade;
  • IPs próprias;
  • Time técnico de primeira linha;
  • Mecanismos de financiamento e publicação direta;
  • Presença contínua em eventos e feiras.

E, agora, tem também os criadores mais respeitados da história recente do RPG.

Se antes a Darrington era uma editora com ambições, agora é uma editora com currículo.

Quando a rivalidade se torna inevitável

Com sistema próprio, linha editorial estável e os dois maiores nomes de D&D sob contrato, a Critical Role deixa de ser parceira simbólica da Wizards e se torna, por todos os efeitos, sua concorrente direta.

E isso não é uma metáfora. As duas produzem:

  • RPGs de fantasia;
  • Com presença multimídia;
  • Com mecânicas completas e sistema proprietário;
  • Com publicação impressa e digital simultânea;
  • E com comunidade engajada.

A diferença é que a Critical Role já tem a simpatia de uma base gigantesca, e agora tem também os cérebros que definiram a era de ouro do D&D moderno.

Uma nova balança

O mercado de RPG não será mais o mesmo. Pela primeira vez em décadas, há duas editoras capazes de lançar jogos narrativos de mesa com impacto cultural, distribuição global e autoria legítima.

De um lado, a Wizards, com sua marca histórica, estrutura corporativa e uma linha consolidada de livros. Do outro, a Darrington Press, com sua liberdade criativa, seu público fiel e uma equipe que conhece cada centímetro da fundação do D&D moderno — porque foram eles que a construíram.

E é aqui que a verdadeira história começa. Porque quando quem escrevia as regras resolve começar de novo, o jogo deixa de ser o mesmo.

Sem rosto, sem voz: o D&D que ficou para trás

O Dungeons & Dragons de 2024 foi lançado com festa, mas ficou órfão antes mesmo da comemoração terminar. A edição que celebraria os 50 anos do maior RPG de todos os tempos, revista por dentro e por fora, saiu das gráficas em tempo recorde — e antes que chegasse às prateleiras, já não havia mais ninguém na sala para explicar suas escolhas. Chris Perkins e Jeremy Crawford saíram. Jess Lanzillo saiu. Ninguém foi colocado em seu lugar. E a Wizards of the Coast, desde então, fala apenas com a voz genérica de um marketing que tenta soar institucional, mas soa ausente.

Não é a primeira vez que o D&D perde lideranças. Mas é a primeira vez que isso acontece sem apresentar um novo rosto, um novo nome, um novo guia criativo. A Wizards, ao contrário da Paizo, da Chaosium, da Kobold Press ou até da Modiphius, não parece mais querer que seus livros tenham autor.

Essa é a real crise criativa da empresa: a perda da autoria visível.

A dança das cadeiras começou muito antes

A debandada da Wizards não começou com Perkins e Crawford. Ela se arrasta desde o final de 2022, quando Ray Winninger, então chefe de produto de D&D, deixou a empresa de forma abrupta, após um ano inteiro sem dar entrevistas. Em seguida, vieram Dan Dillon, designer técnico respeitado, e Amanda Hamon, uma das únicas vozes femininas em cargos de liderança criativa no estúdio.

Os motivos? Nunca foram oficialmente comentados. Alguns saíram para trabalhar com videogames. Outros para estúdios menores. Todos em silêncio.

Na época, a Wizards optou por não comentar nenhuma das saídas. O padrão de desligamento era quase ritualístico: posts curtos de despedida, às vezes nem isso. Nenhuma nova contratação anunciada com destaque. Nenhuma reorganização editorial apresentada à comunidade. Ninguém assumia o “lugar” dos que saíam. Apenas o silêncio — e a impressão de que, aos poucos, o time original da 5e estava sendo desmontado peça por peça.

Um D&D sem rosto

Com a saída de Jess Lanzillo em junho de 2025, a Wizards perde sua última figura pública em um cargo de liderança. Jess era quem mediava entrevistas, aprovava roteiros de produtos, liderava a integração entre as equipes internas. Sua saída, embora descrita como planejada, deixa a empresa sem um rosto institucional identificável.

Desde então, os canais do D&D Beyond passaram a divulgar conteúdo sem assinatura. As colunas “Behind the Design” foram encerradas. As Unearthed Arcana, que antes vinham acompanhadas de explicações dos designers, agora são publicadas como PDFs anônimos. As atualizações de errata nos livros da 5e/2024 aparecem com datas — mas sem autores.

É como se o D&D tivesse virado um sistema de produção automática.

Essa mudança afeta mais do que o marketing. Afeta a confiança dos jogadores. RPG é um meio autoral por natureza. Parte da experiência vem de entender a lógica de quem escreve. Saber por que uma regra existe. Conhecer a filosofia por trás da escolha. Sem isso, o sistema parece arbitrário — ou pior, feito por comitê.

Quando a autoridade editorial vira algoritmo

O conteúdo da Wizards parece, hoje, moldado por três filtros: redes sociais, pauta corporativa e silêncio.

As decisões de design não são mais anunciadas com orgulho. Elas simplesmente “acontecem”. Uma nova errata aparece no site. Um novo kit de aventura é lançado com arte gerada por IA. Um novo suplemento tem o nome de um personagem famoso, mas nenhuma explicação sobre como foi escrito.

E tudo isso é feito como se a comunidade não fosse mais parte do processo. O que antes era diálogo — via Sage Advice, blogs de desenvolvedores, entrevistas com lead designers — hoje virou transmissão unidirecional. Um produto pronto, embalado, com a etiqueta “D&D” colada por cima.

A diferença é gritante. Sob Crawford e Perkins, cada livro vinha com comentários, com participações em podcasts, com vídeos explicando intenções. Hoje, o jogador compra, lê… e adivinha.

Enquanto isso, a concorrência personaliza

A Critical Role tem Travis Willingham como CEO, Matthew Mercer como mestre de jogo, Sam Riegel como diretor criativo de mídia. Todos aparecem em vídeos. Todos participam de anúncios. Todos opinam nos bastidores.

A Paizo tem Jason Bulmahn e Logan Bonner. A Chaosium tem Jeff Richard. A Free League tem Tomas Härenstam. A Modiphius tem Chris Birch. A MCDM tem Matt Colville.

Todos esses nomes estão associados a decisões. Todos esses rostos aparecem nas entrevistas. Todos dão a seus jogos o que a Wizards parece ter perdido: uma assinatura — exceto a do DnD Beyond.

Perkins e Crawford eram a assinatura criativa da 5ª edição. Sem eles, os livros de D&D ficam corretos — mas vazios. Como se tivessem sido escritos por boas intenções… e nenhuma convicção.

Uma escolha ou uma fuga?

A Wizards pode estar fazendo isso de forma deliberada. A marca D&D hoje é maior que seus autores. Ela é vendida como franquia. É licenciada para estúdios de videogame. É usada em brinquedos. Talvez, para a Hasbro, tornar o D&D “anônimo” seja uma forma de facilitar a gestão de IPs. Sem autores, não há conflitos. Sem rostos, não há confrontos.

Mas há um preço. E esse preço é a perda de fidelidade.

RPG é uma cultura baseada em confiança. Em comunidade. Em troca. Quando o público não sabe quem está por trás da regra, quando não consegue entender de onde veio uma ideia — essa conexão se rompe.

A saída de Perkins e Crawford não foi só a perda de talento. Foi a última chance da Wizards de manter uma ponte simbólica com a comunidade criativa. E ela preferiu deixar a ponte cair em silêncio.

O que resta ao D&D agora?

O jogo continua. A linha 2024 foi lançada com beleza gráfica, melhorias técnicas e promessas de estabilidade. Mas os livros parecem funcionar como epílogo — não como abertura de uma nova fase. O futuro da linha está em aberto. E os jogadores sabem disso.

Sem autores públicos, o que o D&D oferece agora é uma promessa vazia de continuidade. Sem debate, sem nome, sem rosto.

Enquanto isso, do outro lado da ponte, a Critical Role dá entrevistas, mostra bastidores, apresenta seu time criativo. Chris Perkins está escrevendo. Jeremy Crawford está projetando. E os fãs sabem disso.

A mesa do D&D não acabou. Mas a voz que guiava a campanha saiu da sala.

O Novo Tabuleiro: pluralidade criativa, mercado em expansão e o papel do público

A despeito da perda de figuras históricas da Wizards — Perkins, Crawford, Lanzillo —, o RPG de mesa nunca viveu um momento tão vibrante. O vácuo deixado por esses nomes coincidiu não com um declínio, mas com o surgimento de uma miríade de vozes editoriais, impulsionadas por novas licenças, editoras independentes e um mercado global em franco crescimento. Este capítulo mergulha no que se move por baixo das engrenagens tradicionais, evidenciando uma revolução silenciosa que redefine o futuro dos RPGs.

1. Quando o mercado vira mosaico

Desde 2023, editoras como Paizo, Chaosium, Kobold Press, Free League, Modiphius e Legendary Games retomaram espaço, oferecendo sistemas autorais e nicho. Paizo, por exemplo, lançou a Open RPG Creative License (ORC), uma licença irreversível e apartidária, apoiada por Azora Law, com o objetivo de garantir liberdade criativa a todos os editores, não apenas à própria Paizo (paizo.com). Essa licença representa um movimento claro de autonomia.

O mercado reflete essa diversidade: segundo a Business Research Insights, o setor global de TTRPG atingiu US$ 1,92 bilhão em 2024 e projetado ultrapassar US$ 5,27 bilhões até 2033, com taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 11,84 %. Outras fontes confirmam esse boom: a Econ Market Research estima um crescimento de US$ 2,04 bilhões em 2024 para US$ 3,14 bilhões em 2033, enquanto o mercado de jogos de tabuleiro no geral, incluindo RPGs, alcançou US$ 19,5 bilhões em 2024 e pode triplicar até 2030.

Este cenário indica um ecossistema maduro e fértil, onde grandes e novos players coexistem — algo inimaginável há poucos anos.

2. Sistemas autorais ganham tração

A Critical Role, com Daggerheart, e a Chaosium, com seus clássicos de horror, são apenas parte de uma onda maior. A Free League, que licencia o sistema Year Zero para jogos como Mutant: Year Zero, dá mostras de expansão contínua. A MCDM Productions prepara seu Draw Steel, quebrando a barreira do d20. Já a Modiphius segue firme com Star Trek Adventures e Fallout. Ao mesmo tempo, projetos como o Cosmere Roleplaying Game, de Brandon Sanderson, batem recordes no Kickstarter — mais de US$ 14 milhões arrecadados, e aqui no Brasil também, pela Tria Editora.

O que antes era dominado por um único sistema agora se fragmenta em múltiplas jornadas. Cada título busca atender nichos: horror investigativo, épico emocional, estrutura tática, role‑play introspectivo. Essa diversidade é fertilidade criativa.

3. Digital + comunidade: a fusão que redefiniu o RPG

A revolução começou com as transmissões — Actual Play –, mas agora se expande pela tecnologia. Ferramentas como Roll20, com mais de 10 milhões de usuários, oferecem integração com mercado de conteúdo digital e mods, alterando profundamente a experiência . O Foundry VTT, por sua vez, é aclamado por sua customização e profundidade técnica. Essas plataformas aproximam distantemente jogadores, mas aumentam em muito as possibilidades narrativas e interativas.

Assim, editoras pequenas conseguem publicar, distribuir e registrar feedback com agilidade — algo impensável em mercados análogos pré-internet.

4. O novo contrato tácito com o jogador

Hoje, quem joga não quer apenas “regras bem feitas”. Busca sensação, conflito emocional, identificação cultural e narrativa autoral. Quer saber quem escreveu, quais inspirações, que experiências guiadas. A eterna revisão das regras e a presença em podcasts e redes dos criadores são tão valorizadas quanto a mecânica em si.

Jogadores valorizam transparência. Querem saber se o sistema privilegia dilemas internos, se o combate é fluido, se a experiência é acolhedora. Querem autores que acompanhem as edições, expliquem escolhas, respondam ao feedback — e isso já é diferencial em muitos títulos independentes.

5. D&D em transformação: porta de entrada ou relíquia?

O D&D conserva sua força: continua sendo a principal porta de entrada, com distribuição global, visibilidade em licenças e RPGs digitais — D&D Beyond, recentemente integrando-se ao ecossistema Hasbro. Mas sua aura de exclusividade diminuiu. Já não é mais a única alternativa para materiais bem desenhados ou autoridade criativa reconhecida.

Surge um público que ainda adora o d20, mas que também explora sistemas secundários — como já faz com Dark Souls, Fate, Blades in the Dark, Numenera. Essa coexistência traz pluralidade: um jogador pode ter campanhas de D&D, Candela Obscura, Daggerheart e Lancer — sem conflitos.

O D&D se mantém como base sólida; porém, agora compete por relevância além do nome. E sua vitalidade dependerá da capacidade de se abrir a bispos criativos externos sem sacrificar identidade.

6. Para onde caminhamos?

  • Autoria visível: editoras agora investem em personalidades. Critical Role mostra com clareza quem escreve, quem produz, quem desenha. Assim, fidelizam.
  • Plataformas híbridas: as mesas presenciais já convivem com streaming, VTTs, IA e narrativas transmedia — podcasts em grupo, feed de Twitter, vlogs de campanha.
  • Comunidades vibrantes: eventos como GenCon, UK Games Expo (65 000 participantes/dia em 2024) são palco de encontros entre estúdios, fãs, criadores e narradores — lugares onde os novos caminhos se desenham.

Esta era exige não mais uma campanha única, mas múltiplas conexões — de editoras, de narrativas, de jogadores.

No final, pluralidade como vitória

Meu comentário final neste “dossiê” defende que a saída de Perkins, Crawford e Lanzillo não foi um ponto final — foi abertura. Ela expôs o coração de um mercado que se equilibra entre legado e riscos. De um lado, o D&D, robusto, eterno, estruturado. Do outro, uma constelação de iniciativas que trabalham com paixão, originalidade e reflexividade.

A Critical Role, por sua vez, é um símbolo dessa nova paisagem: construiu credibilidade, lançou Daggerheart e Candela Obscura, e agora labuta com dois dos maiores arquitetos do RPG moderno. A aposta não é só comercial — é narrativa, autoral, comunitária.

O que resta é ver como essa trama vai se desenrolar. O mercado cresce, se diversifica e promete jornadas diferentes. Não se trata de canibalismo: trata-se de expansão. A mesa agora pertence a todos — mestres, autores e jogadores — que depositam dado por dado, história por história, neste grande ecossistema. E quem escolher participar encontrará voz, eco e, sobretudo, liberdade.

Para quem quiser se aprofundar mais, o Arddhu fez um vídeo sobre:

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