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Mutants & Masterminds 4e é Anunciado: Dossiê Completo

Elenco de super-heróis do cenário Earth-Prime na arte oficial de Mutants & Masterminds 4e
A nova edição de Mutants & Masterminds 4e mantém o foco na diversidade e liberdade de criação

A editora Green Ronin Publishing confirmou neste mês o que muitos fãs de RPG de super-heróis esperavam há anos: Mutants & Masterminds 4e (M&M), um dos sistemas mais longevos baseados no d20 System, ganhará uma nova edição. Em publicação feita na rede social BlueSky no último dia 14 de julho, o criador do jogo, Steve Kenson, anunciou que está oficialmente trabalhando na quarta edição do sistema, cujo desenvolvimento vem ocorrendo de forma interna há pelo menos dois anos.

Resumo em Áudio:

O anúncio marca o início do playtest público do que a editora está chamando de “Origin Edition” — uma versão de teste que será lançada em formato PDF até o final de julho. A mesma versão terá uma tiragem impressa limitada exclusivamente para a Gen Con 2025, principal convenção de jogos analógicos da América do Norte, que ocorrerá entre os dias 31 de julho e 3 de agosto, em Indianápolis.

The word is OUT #TTRPG! I can finally say that I've been working on a fourth edition of Mutants & Masterminds and that an "Origin" playtest edition is releasing in PDF and a limited print run at the end of the month for Gen Con! Stay tuned to @greenroninpub.bsky.social and to M&M Monday for more!

Steve Kenson (@stevekenson.com) 2025-07-14T23:05:48.313Z

Um passo oficial de Mutants & Masterminds 4e, mas ainda em desenvolvimento

Embora se trate de um momento simbólico, a quarta edição ainda não está finalizada. O que será lançado agora é uma versão de rascunho jogável, descrita por Kenson e pelo desenvolvedor de linha Alex Thomas como uma “prévia de playtest do rascunho atual” do novo Heroes Handbook.

Em vídeo publicado no canal oficial da Green Ronin Publishing no YouTube, Kenson e Thomas explicam que o objetivo da Origin Edition é permitir que jogadores testem o novo conjunto de regras e ofereçam feedback antes da consolidação da edição definitiva, prevista para 2026.

A editora também informou que está em processo de reativar o fórum Atomic Think Tank (Atomic Think Tank), que voltará a ser o principal ponto de encontro para discussões, coleta de sugestões e análise da recepção da comunidade durante o playtest.

Compatibilidade com edições anteriores

Uma das principais preocupações da comunidade refere-se à compatibilidade do novo sistema com o vasto material publicado para a terceira edição de Mutants & Masterminds, lançada originalmente em 2010. Segundo os desenvolvedores, a estrutura matemática central permanece a mesma: os valores de bônus, as escalas de Power Level, e os princípios da criação com Power Points foram mantidos.

“A matemática continua essencialmente igual”, afirmou Alex Thomas no vídeo. “Os números podem estar em lugares ligeiramente diferentes, mas o valor final de ataque, dano ou resistência será praticamente o mesmo.”

Isso significa que blocos de estatísticas da 3e ainda poderão ser utilizados com pequenas adaptações. A editora também indicou que muitas das aventuras da linha Astonishing Adventures serão atualizadas para compatibilidade com a 4e, sugerindo um esforço coordenado para garantir transição gradual e reaproveitamento de conteúdo.

Um novo ciclo de design, sem ruptura com o passado

O projeto da nova edição não surgiu do zero. Boa parte do design testado na Origin Edition já havia sido explorado no suplemento Valiant Adventures [download gratuito], publicado pela Green Ronin em formato quickstart. Muitos dos refinamentos — como as divisões de perícias, a revisão de condições e a adição de ações reativas — foram primeiro ensaiados naquele material.

No entanto, os desenvolvedores deixam claro que o sistema de criação aberta por Power Points não será substituído por arquétipos rígidos, como havia sido testado no suplemento Valiant. A filosofia permanece: liberdade total de customização com base em regras estruturadas.

Essa decisão vem como resposta direta ao feedback da comunidade, que, segundo os próprios desenvolvedores, valoriza o nível de detalhe e a flexibilidade na construção de heróis — características que definiram M&M ao longo dos anos.

Lançamento físico e expectativa para a Gen Con

A Green Ronin informou que a versão impressa do Origin Edition será idêntica ao PDF, sem adições exclusivas. Estará disponível para compra durante a Gen Con 2025 e também será oferecida em quantidade limitada por meio da loja online da editora. Ainda não foi informado se haverá uma segunda tiragem após o evento.

Sobre a versão final da quarta edição, ainda não há confirmação se será lançada via financiamento coletivo (como Kickstarter ou BackerKit) ou por venda direta. Os próximos passos serão definidos a partir da recepção ao playtest e da estabilidade financeira da editora, que passou recentemente por dificuldades associadas à falência da distribuidora Diamond e a custos legais inesperados.

Apesar desse cenário, a Green Ronin parece confiar no potencial da nova edição como forma de renovar o interesse pela linha e estabelecer um novo ciclo de publicações regulares.

Uma nova fase para o último bastião dos super-heróis d20

Em um cenário onde muitos RPGs de super-heróis abandonaram a estrutura d20 em favor de sistemas narrativos, minimalistas ou atrelados a franquias licenciadas (como o Marvel Multiverse RPG), Mutants & Masterminds resiste como um dos poucos sobreviventes com sistema próprio, autonomia editorial e uma linha ativa desde 2002. A quarta edição parece não buscar reinventar a roda — mas aprimorar a engrenagem. Trata-se de uma oportunidade estratégica para a Green Ronin: reafirmar a identidade do jogo, modernizar sua apresentação e estabelecer uma base sólida para o futuro da linha, num mercado cada vez mais competitivo e volátil. O problema é, como eu disse, ser um novo “One D&D”.

Mutants & Masterminds 4e Sob Revisão: O Que Já Sabemos sobre as Regras

Mais do que uma nova edição, Mutants & Masterminds 4e se apresenta como uma revisão consciente de um sistema que já provou sua longevidade. Os princípios centrais — como a criação livre via Power Points, o escalonamento por Power Level e o foco na customização detalhada — permanecem intocados. O que muda, de fato, é a arquitetura interna: uma reordenação de mecânicas, perícias, efeitos e ações, guiada por clareza e usabilidade. A Origin Edition, disponibilizada como playtest público em julho de 2025, funciona como um espaço vivo de ajustes, onde cada elemento tradicional é submetido a testes, feedback e refinamento técnico, sem desfigurar a alma do sistema.

Fruto de anos de escuta ativa e testes internos (em especial o citado Valiant Adventures Quickstart), a nova edição mantém compatibilidade com a 3e, mas atualiza pontos-chave: simplifica a lógica numérica, redistribui a granularidade nas perícias, introduz novas ações e vantagens táticas, além de reorganizar categorias que antes acumulavam redundâncias.

O que está na mesa: foco exclusivo nas regras

A Origin Edition é voltada integralmente à mecânica. Não há qualquer detalhamento do cenário Earth-Prime, nem construção de ambientação — uma escolha consciente da equipe, que pretende reservar o desenvolvimento narrativo para um futuro “livro de vilões”, a ser lançado após o Heroes Handbook e o Mastermind’s Manual.

O PDF atual inclui:

  • Sistema completo de criação via Power Points, com liberdade plena de construção;
  • Reestruturação de poderes e danos, com testes padronizados para “10 + nível”;
  • Revisão das vantagens, com novas categorias voltadas para reação e comando;
  • Divisão de perícias amplas em subcategorias especializadas;
  • Retorno de defesas separadas (Dodge e Parry), como na 2e;
  • Inclusão da ação social “Impress”, que substitui múltiplos testes redundantes;
  • Ação de reação por rodada, reforçando a dinâmica tática;
  • Atualização do capítulo de equipamentos e da tabela de escalas, agora com versões métrica, imperial e benchmarks narrativos.

A simplificação de atributos: fim da duplicação estrutural

Um dos pontos mais concretos da revisão foi a eliminação dos atributos Fighting e Dexterity. Longamente criticados por sua função secundária e redundante — servindo apenas como base para bônus derivados —, esses atributos foram suprimidos na 4e, que retorna ao esquema clássico de seis habilidades principais.

Ao separar novamente as defesas físicas (com Dodge e Parry como valores distintos), a nova edição restaura uma diferenciação mecânica valiosa. Isso não só facilita a especialização de personagens como corrige um ruído conceitual da 3e, que tratava ataque e defesa de forma simétrica, mas pouco intuitiva.

Perícias mais detalhadas, mas também mais temáticas

Outro ajuste estrutural está na divisão de perícias amplas. Technology foi desmembrada em Computers, Electronics e Mechanics; Vehicle, agora, se separa em Driving e Piloting; surge a perícia Thievery, englobando furtos, arrombamentos e manipulação de sistemas de segurança; e Occult assume o lugar dos conhecimentos esotéricos antes diluídos em Expertise.

A fragmentação visa recuperar a precisão conceitual da 2e, ao mesmo tempo em que responde a uma demanda narrativa: permitir que habilidades reflitam com mais fidelidade o estilo de herói interpretado. O risco, porém, é um possível aumento no tempo de preparação e na carga cognitiva dos jogadores — um equilíbrio ainda em teste.

Obscure, Affliction e o novo equilíbrio entre complexidade e clareza

Alguns efeitos clássicos, como Obscure, retornam em versões reformuladas. Com regras claras para linhas de visão, campos de camuflagem e áreas de disfarce, o poder volta a exercer papel central no controle de cenário. Já Affliction — um dos efeitos mais amplos do sistema — recebeu novas condições e passou a seguir a mesma fórmula de resolução que os danos: “10 + rank”, substituindo os dois padrões anteriores.

Essa unificação numérica tem impacto direto em mesa: simplifica o cálculo, reduz a margem de erro e torna o sistema mais amigável sem perder profundidade. As novas condições ampliam o leque tático sem exigir montagens complexas ou abstrações excessivas.

Advantage/Disadvantage: inspiração estética, não estrutural

Muito se especulou sobre a adoção de um sistema de Vantagem e Desvantagem similar ao de D&D 5e. No entanto, até o momento, Mutants & Masterminds 4e não adota o modelo de rolar dois dados e manter o maior ou menor. Kenson e Thomas se referem a “dados de bônus e penalidade” e a um refinamento da economia de ações, mas tudo indica que a influência é conceitual — voltada à clareza e fluidez —, e não uma migração literal de mecânica.

Nesse contexto, a ação “Impress” representa bem essa reestruturação. Derivada do Vigilante’s Handbook, ela substitui a segmentação entre Persuasão, Intimidação e Enganação, permitindo uma abordagem unificada para interações sociais — um ganho de agilidade que não compromete o controle narrativo.

Liderança e reatividade: o novo papel do arquétipo tático

A inclusão de Vantagens voltadas a comando e reação marca outra direção da 4e: o reforço de funções narrativas que antes não tinham respaldo mecânico claro. Heróis com perfil de liderança — estrategistas, mentores, coordenadores de equipe — agora têm ferramentas específicas para intervir, orientar e fortalecer aliados.

Essas Vantagens não apenas ampliam a colaboração entre personagens, mas também criam novos espaços para que o design de equipe se torne parte ativa da dinâmica de jogo. É uma mudança discreta, mas que valoriza a identidade coletiva das campanhas.

Equipamentos, escalas e versatilidade prática

As atualizações no capítulo de equipamentos seguem a mesma lógica de clareza. Agora mais modulares e acessíveis, os itens exigem menos montagem prévia e estão integrados a uma nova tabela de escalas com benchmarks narrativos. Isso permite maior flexibilidade na interpretação de alcances, velocidades e resistências, especialmente em campanhas mais cinematográficas ou abstratas.

A economia de ações também foi ajustada: a adição de uma ação de reação por rodada abre novas possibilidades para poderes interruptivos, contra-ataques, defesas condicionais e manipulações temporais.

O que ainda não sabemos

Apesar da transparência do playtest, algumas áreas seguem indefinidas:

  • Movimentação e alcance: não há menção a substituição do grid por faixas de distância (range bands), apesar da demanda recorrente da comunidade.
  • Sistemas alternativos de criação: não se sabe se a edição final trará arquétipos prontos ou modelos híbridos para construção rápida.
  • Letalidade e dano: não houve confirmação de separação clara entre dano letal e não letal, como testado em Valiant Adventures.

Essas lacunas provavelmente serão preenchidas com o feedback da comunidade ao longo do ano de playtest, mas mostram que a estrutura ainda está parcialmente aberta.

A Comunidade Reage: Entre Otimismo e Ceticismo

O anúncio de Mutants & Masterminds 4e não apenas confirmou rumores antigos como também reativou discussões intensas dentro da comunidade. Se por um lado há entusiasmo genuíno com a atualização de um sistema considerado robusto, por outro surgem preocupações recorrentes — tanto mecânicas quanto editoriais — que revelam um apego à identidade histórica do jogo e ao mesmo tempo um desejo de reformulação pontual.

Logo após a publicação do anúncio por Steve Kenson no BlueSky, os tópicos relacionados ao novo playtest da Origin Edition tomaram conta de fóruns como o ENWorld, onde veteranos da linha, novos interessados e ex-jogadores trouxeram à tona uma variedade de expectativas — e de apreensões.

O ponto central dessa reação coletiva pode ser descrito como uma ambivalência entre continuidade e mudança: o sistema ainda carrega o peso de sua herança d20, mas enfrenta agora um cenário onde a fluidez e a acessibilidade ganham cada vez mais destaque.

Um sistema querido, mas desgastado

Para muitos participantes do ENWorld, Mutants & Masterminds segue sendo o RPG de super-heróis mais completo do mercado. Usuários como do fórum como Libertad e Micah Sweet destacam sua longevidade, versatilidade e profundidade, especialmente no que diz respeito à criação de personagens por Power Points. Porém, os mesmos elogios costumam vir acompanhados de uma crítica velada: a complexidade excessiva do sistema, que pode transformar a criação de um herói em uma tarefa de horas.

Me dê algo em que eu possa escrever ‘Lanterna Verde’, fazer algumas escolhas, e estar pronto para jogar em 5 a 10 minutos, em vez de passar 2 ou 3 horas preenchendo papelada e fazendo lição de casa de matemática só para criar um personagem.” — comentou o usuário overgeeked, em um post que rapidamente recebeu reações de concordância e oposição.

Esse tipo de comentário revela uma fadiga latente com o detalhismo do sistema — algo que já se manifestava na comunidade desde a terceira edição, especialmente em mesas online e campanhas com rotação frequente de personagens. O tempo exigido para montar fichas completas, revisar interações entre poderes e assegurar o equilíbrio do Power Level tem afastado novos jogadores e até mesmo narradores experientes.

Ainda assim, há quem veja nessa densidade uma virtude. Usuários como Theory of Games responderam diretamente às críticas mais incisivas, defendendo o núcleo do sistema como um diferencial que não deve ser abandonado:

Existem vários outros RPGs de super-heróis com regras leves que oferecem exatamente essa experiência. Kenson disse […] que a MAIORIA de nós gosta de todas as ‘mecânicas em movimento’ envolvidas em jogar com esse sistema.”

A tensão entre esses dois polos — simplificação e preservação — define boa parte do debate atual.

O fantasma do Valiant Adventures

Muitas das preocupações dos jogadores sobre a 4e têm origem no histórico recente da Green Ronin com o Valiant Adventures RPG citado acima. Considerado por muitos como um campo de testes para a quarta edição, o sistema introduziu mudanças importantes: uso de arquétipos pré-definidos, nova categorização de perícias, ajustes em condições e experimentos com ações mais letais.

Embora alguns elogios tenham sido feitos a elementos específicos — como o retorno de Obscure, a introdução de novas condições e a fragmentação de perícias em subáreas como Electronics e Mechanics — grande parte da comunidade reagiu com cautela. Para muitos, o Valiant tentava se aproximar demais do estilo de D&D 5e, sem abordar as “dores crônicas” do sistema original.

Parecia mais voltado a tornar o sistema familiar para jogadores de D&D 5e do que a corrigir alguns dos problemas antigos que são heranças da sua origem no D&D.” — escreveu Libertad, ecoando uma preocupação amplamente compartilhada.

O principal receio expresso por usuários experientes é que a 4ª edição adote mudanças cosméticas para parecer mais moderna, quase uma sombra do efeito D&D 2024, mas sem resolver questões de fundo como a granularidade excessiva em combate, a falta de abstração em movimentação e a pouca escalabilidade narrativa para mesas não centradas em superpoderes combativos.

Complexidade versus acessibilidade

A ideia de transformar M&M em um sistema mais acessível reaparece com frequência nos comentários — tanto como esperança quanto como temor.

O usuário overgeeked defende um sistema mais abstrato e ágil, inspirado em jogos com estrutura de faixas de alcance (range bands) como FFG Star Wars ou Alien RPG. Em sua visão, a dependência do grid e da contagem de quadrados herdada do d20 não faz sentido para um jogo onde personagens frequentemente voam centenas de metros por rodada ou se teletransportam.

Outros, como humble minion, argumentam que o grid de 1,5 metros por quadrado não apenas é obsoleto para esse gênero, mas contradiz a própria fantasia de liberdade que o jogo propõe:

Parece uma decisão óbvia quando se tem personagens com supervelocidade e voo, que podem se mover centenas de metros por rodada e transformar os sistemas de movimentação baseados em grade em uma piada.

A questão vai além da mecânica: trata-se de um embate entre dois estilos de jogo. Um mais técnico, focado na simulação precisa de habilidades superpoderosas, e outro mais narrativo, onde os efeitos visuais e simbólicos dos poderes têm precedência sobre suas medidas em polegadas ou metros.

Kenson, ao menos neste estágio, parece inclinado a preservar o “core crunch” do sistema. A Origin Edition foi descrita como um refinamento e não uma simplificação. O playtest traz novos elementos — como a ação “Impress”, vantagens de comando, refinamento da economia de ações e ajustes em equipamentos — mas mantém a espinha dorsal da edição anterior.

Expectativa de escuta ativa para Mutants & Masterminds 4e

Se há um ponto de concordância entre os diversos lados do debate, é a expectativa de que a Green Ronin esteja aberta ao feedback. A retomada do fórum Atomic Think Tank, que foi o principal ponto de encontro da comunidade durante as eras da 2e e 3e, é vista como um gesto positivo.

Usuários veteranos, como Greg K, destacam que já houve mudanças entre o “alpha test” e o playtest Origin, indicando que a editora está disposta a revisar elementos com base na recepção do público.

Steve enfatiza que a 4ª edição está em fase de playtest e que ele tem um histórico de ouvir o que a comunidade espera de Mutants & Masterminds 4e.

Esse fator é relevante. Em contraste com movimentos editoriais mais centralizados — como os da Wizards of the Coast em relação ao D&D —, a Green Ronin construiu sua base em torno da escuta ativa. Muitos jogadores reconhecem isso como um diferencial, mesmo diante de atrasos e limitações logísticas.

Identidade em jogo

Uma crítica frequente, ainda que sutil, é o medo de que a 4e perca aquilo que fez Mutants & Masterminds único: a sensação de que qualquer personagem, de qualquer origem, pode ser criado a partir de um sistema racionalizado e coerente.

Jogadores como Micah Sweet expressam preocupação com o que chamam de “efeito 7th Sea 2e” — uma referência a uma edição que abandonou parte de sua base mecânica para alcançar maior apelo narrativo, mas que acabou afastando jogadores tradicionais:

Eu precisaria ver que tipo de mudanças eles estão fazendo. Não quero outro caso como a segunda edição de 7th Sea.

Esse tipo de comentário reforça a noção de que a nova edição de M&M não pode se dar ao luxo de ignorar a base histórica de seus jogadores. O sistema precisa evoluir sem apagar suas raízes — uma equação difícil, especialmente em um mercado que cada vez mais valoriza acessibilidade e baixa complexidade.

Entre o entusiasmo e a prudência

O sentimento predominante, portanto, é de otimismo cauteloso. A maior parte dos comentários demonstra entusiasmo por ver o sistema novamente em destaque e por saber que Steve Kenson está à frente da iniciativa. Mas há uma vigilância constante quanto à direção que o sistema tomará — se preservará o detalhismo estratégico que define seu legado ou se cederá à pressão por um design mais acessível e padronizado.

A promessa de que o playtest será moldado com base no feedback — e de que o lançamento final só ocorrerá após um ano completo de testes — dá tempo para que esse processo de escuta se efetive. O próximo desafio da Green Ronin será provar, na prática, que essa escuta será levada a sério.

Mercado e Momento: O Lugar de Mutants & Masterminds 4e em 2025

No atual cenário de RPGs, onde as franquias dominam os principais holofotes e a presença digital molda as decisões editoriais, Mutants & Masterminds ocupa uma posição paradoxal: simultaneamente relevante e periférica. Lançado pela primeira vez em 2002, o sistema de Steve Kenson sobreviveu a diversas transformações no mercado, mantendo-se como um dos poucos jogos de super-heróis com sistema próprio, independência editorial e continuidade de publicação por mais de duas décadas. Em 2025, essa longevidade o torna um sobrevivente — mas também o coloca diante de pressões inéditas.

A nova edição, cuja fase de playtest começa oficialmente agora em julho de 2025 com a Origin Edition, é mais do que uma atualização técnica: trata-se de uma manobra de reposicionamento. A Green Ronin precisa reafirmar o valor de M&M diante de um mercado altamente competitivo, marcado por produtos com licença oficial de grandes marcas e um público cada vez mais dividido entre nostalgia e acessibilidade.

Um campo dominado por franquias

Nos últimos anos, o nicho dos RPGs de super-heróis foi redefinido pela entrada das grandes propriedades intelectuais no mercado. A Marvel, por meio do Marvel Multiverse RPG, não apenas consolidou sua presença editorial, como também redesenhou as expectativas de entrada dos jogadores em jogos do gênero. Com regras simplificadas, personagens icônicos disponíveis desde o início, e uma identidade visual sincronizada com o universo cinematográfico, o sistema da Marvel conquistou uma nova geração de jogadores casuais — ainda que tenha recebido críticas pela sua profundidade limitada.

Do outro lado do espectro, o Sentinel Comics RPG, baseado no universo do jogo de cartas Sentinels of the Multiverse, surgiu como uma proposta original e narrativa, com sistema próprio e foco em construção colaborativa. Porém, desde 2023, o projeto está em hiato indefinido, após a editora Greater Than Games sofrer impactos econômicos severos decorrentes de tarifas de importação, o que resultou na descontinuidade de publicações.

Esse vácuo posiciona Mutants & Masterminds 4e como o último sistema de super-heróis ativo com um ecossistema completo e distribuição consistente. Ainda que não conte com o apelo de personagens licenciados, M&M se sustenta por sua flexibilidade mecânica, sua tradição editorial e por uma comunidade dedicada que cresceu em torno do sistema — especialmente nos EUA, Reino Unido e Brasil.

O desafio da sobrevivência editorial

Apesar de seu status consolidado, a Green Ronin enfrenta dificuldades de ordem prática. Em 2024, a editora tornou público que estava passando por problemas financeiros sérios devido ao colapso da distribuidora Diamond — principal intermediária entre editoras de RPGs, comics e lojas especializadas nos EUA. Fizemos um artigo completo sobre esse ‘roubo’ que está acontecendo pela Diamond, confira: Green Ronin e Paizo Enfrentam Crise com a Falência da Diamond.

Mas, em resumo, a Diamond interrompeu pagamentos e quebrou contratos com várias editoras de médio porte, gerando uma crise em cadeia no setor. Green Ronin foi uma das afetadas diretamente, e recorreu a uma campanha pública de apoio financeiro, voltada a cobrir despesas legais e operacionais que ameaçavam sua continuidade. O episódio foi debatido com intensidade nas redes sociais e fóruns como ENWorld, com reações que variaram entre solidariedade e ceticismo quanto à viabilidade da editora a longo prazo.

É nesse contexto que a decisão de lançar a Origin Edition em PDF gratuito — e com tiragem física limitada — ganha contornos estratégicos. O playtest não apenas serve como termômetro para as novas regras, mas também reduz custos de produção, evita riscos editoriais e reacende o engajamento da base de fãs sem exigir um investimento inicial alto por parte da editora ou do público.

Mutants & Masterminds 4e e a aposta simbólica na Gen Con

A opção por lançar a edição impressa da Origin Edition exclusivamente na Gen Con 2025 também tem um peso simbólico. A convenção é o principal palco norte-americano para lançamentos de RPG, e a presença física de uma nova edição de M&M sinaliza — tanto para o público quanto para o setor — que a Green Ronin continua ativa, produzindo e buscando renovação.

Diferente de estratégias centradas em financiamentos coletivos, o modelo de playtest seguido pela Green Ronin opta por acesso imediato e gratuito ao material, com feedback estruturado via o fórum oficial Atomic Think Tank. Isso reforça a postura da editora como um estúdio que escuta sua comunidade antes de fechar o design final — algo que se opõe frontalmente à abordagem mais top-down de gigantes como a Wizards of the Coast.

Entretanto, essa estratégia também é um teste de fogo: ao abrir o sistema para críticas enquanto ainda está em construção, a Green Ronin corre o risco de lidar com expectativas conflitantes, comparações diretas com produtos licenciados, e a necessidade constante de justificar sua proposta frente a um público que já conhece bem seus pontos fortes e fracos.

A estabilidade e a memória da linha

Um dos trunfos de Mutants & Masterminds 4e é sua consistência editorial. Mesmo com pausas entre edições, o sistema manteve um ritmo contínuo de publicação, com suplementos regulares, atualizações para aventuras (como a linha Astonishing Adventures), e materiais licenciados como DC Adventures (2010) e Freedom City, que continuam sendo referências no gênero.

Essa estabilidade contribuiu para que M&M formasse uma comunidade fiel, mas também o deixou vulnerável à percepção de estagnação. Jogadores novos frequentemente apontam a dificuldade de entrada como um obstáculo — e parte da missão da 4e é justamente simplificar a curva de aprendizado sem sacrificar a profundidade.

A Green Ronin já indicou que a Origin Edition será seguida por um novo Heroes Handbook, um Mastermind’s Manual (voltado ao Mestre do Jogo) e, posteriormente, por um “grande livro de vilões” que introduzirá a nova versão do cenário Earth-Prime. A ordem dessa publicação também indica que a prioridade inicial está nas regras, e não na construção de narrativa pré-estabelecida — uma abordagem que dialoga com o desejo de abertura criativa por parte dos jogadores.

Uma posição singular no mercado de 2025

No cenário contemporâneo dos RPGs de super-heróis, Mutants & Masterminds 4e ocupa uma posição tão resiliente quanto rara. Sem licenças de personagens famosos, mas com liberdade total de design; sem um sistema ultraminimalista, mas com alto grau de customização; sem o respaldo de uma megacorporação, mas com uma presença editorial ativa há mais de duas décadas, a linha publicada pela Green Ronin permanece como um dos últimos bastiões de um modelo clássico — detalhado, estratégico, personalizável.

A quarta edição não pretende concorrer diretamente com sistemas licenciados como o Marvel Multiverse RPG, que foca em entrada facilitada, personagens icônicos prontos para uso e uma identidade visual totalmente integrada ao cinema de franquia (Slick Dungeon; GamingTrend). Tampouco opera na mesma lógica da Wizards of the Coast, cujo modelo top-down ficou evidente em episódios como a controvérsia da OGL 1.1 e nas mudanças revertidas do D&D Beyond, ambas criticadas por decisões unilaterais impostas antes de qualquer escuta real à comunidade.

No Brasil, essa filosofia encontrou eco em 2018, quando a Jambô Editora lançou oficialmente a terceira edição do sistema com o título Mutantes & Malfeitores (Amazon). O lançamento foi bem recebido por jogadores e críticos, destacando-se pela versatilidade do sistema e pela sua aderência temática ao gênero de super-heróis, conforme observado na resenha do Movimento RPG. A tradução, edição e adaptação editorial conseguiram preservar a identidade do sistema original, ao mesmo tempo em que o tornaram acessível para o público brasileiro.

Contudo, nem tudo foi celebrado sem ressalvas. Suplementos como Mecha & Manga foram criticados por suas limitações gráficas, sendo lançados em preto e branco, o que diminuiu a atratividade visual do conteúdo, como notado em resenhas independentes. Apesar disso, a linha manteve presença constante nas prateleiras especializadas e em eventos nacionais, com boa aceitação em campanhas organizadas e mesas virtuais.

Esse histórico internacional e nacional reforça a singularidade de M&M. Ao contrário de sistemas que precisam justificar sua existência por meio de grandes IPs, Mutants & Masterminds 4e — ou Mutantes & Malfeitores, para os brasileiros — se sustenta pela qualidade do design, pela adaptabilidade narrativa e pela fidelidade de sua comunidade. Mutants & Masterminds 4e, portanto, não precisa competir em espetáculo. Precisa, sim, conquistar e reconquistar jogadores que procuram mais do que nostalgia licenciada ou minimalismo funcional: jogadores que desejam controle, profundidade e liberdade total de criação.

Essa mesma liberdade está refletida na decisão de manter compatibilidade parcial com a 3e, permitindo que blocos de estatísticas, personagens prontos e aventuras anteriores continuem utilizáveis na nova edição — com adaptações mínimas. Essa escolha respeita o investimento dos veteranos e suaviza a transição para quem já acompanha a linha há anos.

O futuro de Mutants & Masterminds 4e dependerá, no fim de tudo, de sua capacidade de transformar a fragilidade econômica do momento — após os citados abalos causados pela crise da distribuidora Diamond — em um ciclo sustentável de produção. Mais do que uma atualização de regras, a nova edição é um voto de confiança no RPG de super-heróis como gênero vivo, independente, e ainda carregado de potencial.

Se conseguir reforçar essa posição sem sacrificar sua identidade, Mutants & Masterminds 4e poderá não apenas sobreviver, mas reafirmar-se como referência — mesmo sem capa vermelha, escudo vibranium ou logo da Netflix.

O Que Esperar do Futuro: Riscos, Promessas e Caminhos Abertos

O que se desenha a partir desse movimento é um cenário de possibilidades reais, mas também de riscos importantes — um ponto de inflexão onde as decisões editoriais, a aderência do público e o fôlego financeiro da editora se entrelaçam de forma decisiva.

Uma edição aberta ao feedback

O modelo adotado pela Green Ronin não é inédito, mas contrasta com as práticas de muitas editoras tradicionais. Ao disponibilizar o material antes da versão final, a equipe de Kenson aposta na ideia de coautoria distribuída (TJTFT): jogadores não apenas testam, mas influenciam a edição final por meio de seus relatos, sugestões e críticas.

Essa abertura, porém, traz seus próprios desafios. Por um lado, aumenta o engajamento e fortalece a fidelidade de longa data do público veterano. Por outro, cria uma expectativa permanente de correção, ajuste e resposta — algo que pode sobrecarregar uma equipe editorial enxuta, especialmente em meio a dificuldades financeiras.

A Green Ronin já sinalizou que essa edição será construída em camadas, com lançamentos planejados do Heroes Handbook, do Mastermind’s Manual e, posteriormente, de um livro de vilões que apresentará a versão 4e da ambientação Earth-Prime. A ausência inicial de um cenário pronto, por enquanto, é estratégica: abre espaço para que os jogadores projetem suas narrativas antes que a própria linha oficial o faça.

Financiamento coletivo ou venda direta do Mutants & Masterminds 4e?

Até o momento, não há anúncio formal de que a versão final de Mutants & Masterminds 4e será financiada via plataformas como Kickstarter ou BackerKit. No entanto, dados os antecedentes recentes da editora — incluindo os impactos do colapso da distribuidora Diamond e o apelo direto à comunidade para arrecadação de fundos —, não se pode descartar a possibilidade de financiamento coletivo como modelo para o lançamento completo.

Essa estratégia faria sentido, tanto pela redução de risco quanto pela geração de capital antecipado. Além disso, se alinha ao perfil da base de fãs de M&M, que historicamente demonstrou disposição em apoiar projetos de médio porte desde os tempos de DC Adventures e Freedom City.

Por outro lado, a Green Ronin já demonstrou preferência por manter parte de sua estrutura editorial independente de financiamentos externos, e o fato de o playtest ter sido lançado sem campanha paralela reforça essa intenção. Seja qual for a decisão, ela dependerá da tração que a Origin Edition conseguir gerar nos próximos meses.

A coexistência com Icons

Uma variável única na equação do futuro de M&M 4e é a existência de um “irmão mais leve” no catálogo criativo de Steve Kenson: o RPG Icons, lançado em 2010 como uma alternativa mais enxuta e acessível ao sistema completo de Mutants & Masterminds 4e. Com foco em narrativas rápidas, criação de personagens por arquétipos e uma curva de aprendizado significativamente menor, Icons se manteve ao longo dos anos como uma opção de entrada para mesas casuais, campanhas improvisadas e jogos introdutórios.

A relação entre Icons e M&M nunca foi de concorrência direta, mas de complementaridade. Entretanto, com o crescimento do desejo por sistemas leves e narrativos — tendência que marca grande parte do mercado indie atual —, muitos jogadores se perguntam se a própria existência de Icons não é um indicativo de que a complexidade de M&M já não responde aos anseios contemporâneos.

Kenson, em declarações recentes, demonstrou consciência dessa dualidade. Reafirmou que o público de M&M valoriza os “mecanismos em movimento” do sistema, mas reconheceu que há espaço — e necessidade — de manter as portas abertas para quem deseja experiências menos densas. A decisão de manter Power Points como núcleo da 4e, com total liberdade de customização, reforça o compromisso com a profundidade, mesmo diante da pressão por acessibilidade.

Um futuro possível e não garantido para Mutants & Masterminds 4e

O anúncio de Mutants & Masterminds 4e é uma promessa em construção. O sistema, como apresentado até agora, indica um caminho de continuidade e afinação: nada foi reinventado, mas quase tudo foi tocado. Essa abordagem pode ser o que a linha precisa — respeitar sua história, mas reconhecer os ajustes que o tempo exige.

A pergunta que permanece, porém, é se a Green Ronin conseguirá atravessar o ciclo editorial completo. Com uma equipe reduzida, estrutura descentralizada e recursos limitados, a aposta no engajamento da comunidade precisa se converter em prática concreta: feedback útil, compras sustentadas, divulgação orgânica e suporte contínuo. Caso contrário, a 4e corre o risco de ser uma edição tecnicamente sólida, mas comercialmente discreta.

Ao mesmo tempo, o próprio mercado oferece espaços inéditos para sistemas como M&M. Com o Sentinel Comics RPG fora de circulação e com o Marvel Multiverse RPG operando sob restrições de licença, há uma janela de oportunidade para um sistema independente, versátil e em constante evolução. Resta saber se essa janela permanecerá aberta o suficiente — e se M&M terá a força necessária para atravessá-la.

Por enquanto, a Origin Edition marca apenas o primeiro passo. E, como os heróis que ela inspira, o sistema está mais uma vez diante do desconhecido — testando seus próprios limites para provar que ainda vale a pena vestir a capa.

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