Imersão no RPG: É preciso dizer com toda a sinceridade: jamais houve no subúrbio de São Paulo um paladino tão convicto quanto Bruno. Nem na Idade Média, nem na Renascença, muito menos nas Cruzadas. Bruno era um paladino — mas de quê? De papel, lápis e erudição. Um paladino, sim, mas sentado na cadeira de plástico, empunhando dados poliédricos como quem segura o martelo do destino.
Na vida real, Bruno era técnico administrativo da Prefeitura de São Paulo. Cinquenta e oito quilos mal distribuídos, cara de nerd e dois boletos vencidos e uma esposa que o chamava, com justiça, de “meu ogro sedentário”. Mas na sexta-feira à noite, quando cruzava a soleira do apartamento 402, na Rua da Quitanda, Bruno não era mais Bruno: era Adelpo, Escudo de Tyr, cavaleiro errante, campeão da justiça e paladino do reino de Eldur.
Ah, que delícia era ser Adelpo. Lá, no mundo onde as dívidas não existem, onde a hipertensão não aperta o peito e onde a palavra “prefeitura” soa como uma ofensa. Lá, Adelpo liderava homens em batalhas contra demônios, orcs e, sobretudo, contra a mediocridade.
Mas no sábado pela manhã, Bruno reaparecia — pálido, cansado e com um sutil ressentimento contra o mundo. Porque Adelpo nunca acordava com cólica renal, mas Bruno sim.
A sessão de RPG era um pequeno ritual suburbano, uma liturgia profana celebrada entre salgadinhos murchos e refrigerantes dietéticos. Havia ali quatro almas: Bruno, o paladino; Faren, o mestre de jogo que acreditava secretamente ser Deus; Thami, clériga de um deus inexistente e divorciada pela segunda vez; e Caio, o ladino, cuja maior aventura fora escapar da dívida do condomínio.
Eram quatro adultos cansados da realidade. Quatro fugitivos que, toda semana, construíam uma nova mentira para esquecerem de si mesmos. E como mentiam! Mentiam com afinco, com talento, com lágrimas nos olhos. Mentiam como quem busca redenção.
O curioso é que, segundo as teorias de um tal Hugaas — que Bruno jamais lera —, havia ali um processo chamado “bleed”. Um transbordamento entre o personagem e o jogador. Como se Bruno e Adelpo não fossem apenas vizinhos de corpo, mas inquilinos do mesmo espírito.
Na prática, Bruno deixava de ser Bruno. E quando voltava a sê-lo, já não era o mesmo. A cada sessão, Adelpo se infiltrava um pouco mais em sua carne, como uma infecção moral.
Sua esposa, Cecília, percebia. Ela o via falar sozinho diante do espelho, ensaiando discursos de bravura. Ouvia-o repreender o porteiro por não ser “digno de sua função”. E, certa noite, flagrou-o tentando pagar a pizza com moedas de cobre do tabuleiro.
— Bruno, volta pra Terra! — gritava Cecília, sem sucesso. — Não me chame assim! Meu nome é Adelpo! — ele rugia, com uma teatralidade patética que faria Nelson Rodrigues chorar de rir e de pena.
Mas quem poderia culpá-lo? Afinal, quem em sã consciência escolheria ser Bruno, quando poderia ser Adelpo?
No jogo, Adelpo amava a justiça. Mas fora dele, Bruno falsificava recibos de vale-transporte para ganhar uns trocados extras. No jogo, Adelpo protegia os fracos. Mas Bruno ignorava o mendigo que lhe pedia esmola no sinal. Havia, portanto, uma ironia brutal: Bruno encontrava no personagem a moralidade que jamais conseguira viver.
E é aí que mora a tragédia cômica: Bruno odiava a si mesmo por não ser Adelpo.
Segundo Bowman, outra dessas teóricas que falam bonito, isso era bleed emocional. Bruno trazia para si a culpa e o heroísmo que pertenciam apenas ao seu personagem. Era uma forma perversa de salvação.
E havia mais: Bruno começava a olhar para seus colegas de mesa não como amigos de infância, mas como arquétipos de sua saga. Faren, o mestre, virou um demiurgo arbitrário, cujas decisões ele questionava com a ousadia de um herege. Thami, a clériga, passou a ser sua confidente, mesmo fora do jogo. E Caio, o ladino, seu rival eterno, capaz de traições a qualquer instante.
Aos poucos, a realidade e a ficção se tornaram indistintas. Bruno vivia um eterno sábado de RPG.
— Bruno, precisamos conversar sobre a conta de luz — dizia Cecília, exausta. — Senhora, isso não é assunto para um paladino. Chame-me somente quando a justiça estiver em risco! — ele respondia, solene, segurando uma régua como se fosse uma espada.
Mas o mundo real é um mestre impiedoso. E a aventura de Bruno estava prestes a desmoronar.
Certa sexta-feira, Faren não apareceu. Disse por mensagem que estava cansado, que a vida andava pesada. Sem mestre, não há jogo. Sem jogo, não há Adelpo. E sem Adelpo… resta apenas Bruno.
Ele esperou até as 23h. Nenhum dado jogado. Nenhuma ficha preenchida. Apenas o silêncio, esse Algoz cruel.
Quando Cecília acordou no dia seguinte, encontrou-o sentado no sofá, com a armadura do personagem — feita de papelão e fita adesiva — e um olhar vazio.
— Por que você ainda está aí? — Porque hoje o mundo não tem sentido, Cecília. O mestre faltou.
Ela quis rir, mas conteve a lágrima.
A ausência do mestre naquela sexta-feira não foi um simples contratempo. Para Bruno, foi uma queda metafísica. Como se Deus tivesse faltado ao expediente e deixado a criação à deriva. Pela primeira vez, Bruno percebeu o abismo que havia entre o que ele era e o que fingia ser.
Mas a vida, essa professora sem paciência, continuou como se nada tivesse acontecido. Na segunda-feira, Bruno estava de volta à repartição, digitando planilhas cinzentas com dedos que outrora empunharam a espada da justiça.
Eis o drama: Adelpo não sabia preencher formulários de solicitação de material de escritório. Mas Bruno sim.
Seus colegas de trabalho começaram a notar. O velho Bruno, que outrora reclamava do café aguado e da impressora quebrada, agora encarava tudo com um silêncio estoico, como quem carrega uma maldição ancestral. Passou a usar frases solenes no cotidiano:
— O arquivo sumiu? Que assim seja, pois tudo o que nasce, um dia se dissolve no caos.
E os colegas, claro, acharam que ele estava enlouquecendo. Mas ninguém tinha coragem de dizer. Na verdade, achavam poético.
Nas rodas de RPG, esse fenômeno tem nome: bleed-out memético. É quando ideias, valores e convicções do personagem invadem a vida do jogador. E invadiram Bruno como um vírus de nobreza tola.
No almoço de terça-feira, quando questionado sobre o reajuste do vale-alimentação, ele respondeu:
— O ouro do reino não é meu objetivo. Meu dever é proteger os inocentes da opressão.
Paulo, do RH, pensou em chamar o psiquiatra da prefeitura. Mas deixou pra lá.
Enquanto isso, Cecília fazia o que toda esposa razoável faria: pesquisava discretamente no Google “meu marido pensa que é um paladino”. E descobriu que o caso dele não era único. No Reddit, centenas de relatos semelhantes. Maridos, esposas, filhos e filhas que trocaram suas identidades cotidianas por heróis de faz de conta. Ela não sabia se ria ou chorava.
Tentou, claro, trazer Bruno de volta. Levou-o ao shopping, ao cinema, a um churrasco de domingo. Mas em cada atividade mundana, ele via uma missão épica.
— Essa fila da pipoca, Cecília, é um teste divino. Cada um aqui é um guerreiro tentando conquistar seu quinhão de milho estourado.
Ela perdeu a paciência:
— Bruno, isso aqui é o BarraShopping, não é o Reino de Eldur!
Mas Bruno não voltou. Ou talvez, nem soubesse mais como voltar.
Aqui mora a ironia maior: Bruno não estava feliz. Ao contrário, estava profundamente angustiado. Porque, segundo Hugaas e Bowman — esses doutores da alma lúdica —, o bleed-out não traz apenas virtudes heroicas. Ele traz também as dores do personagem. E Adelpo, convenhamos, era um mártir. Carregava o peso do mundo. Sofria por cada órfão, cada viúva, cada injustiça não corrigida.
Bruno, o técnico administrativo, agora sofria por um mundo que não existia. Suas noites eram povoadas por pesadelos medievais. Sonhava com dragões hipotecando seu apartamento e goblins cobrando juros abusivos.
Thami, a clériga divorciada, percebeu. Durante uma nova sessão, já com Faren de volta, ela tentou conversar.
— Bruno, ou melhor, Adelpo… você está bem?
Ele sorriu com amargura:
— O bem não pertence a mim, sacerdotisa. Sou apenas um homem condenado a fingir que salva o que está perdido.
Thami largou o dado, perplexa. Ali não havia jogo. Ali havia um pedido de socorro.
Bowman chamaria isso de “fragilidade da fronteira entre o círculo mágico e a vida real”. Mas Thami, mulher prática, chamou de “precisar de terapia urgente”.
Faren, o mestre, tentou aliviar o clima:
— Vamos, pessoal. É só um jogo.
Mas Bruno não riu.
Porque, para ele, já não era.
E aqui o drama ganha tons rodrigueanos: Bruno, que buscava no RPG um alívio contra a banalidade da vida, encontrara uma nova prisão. Fugiu do cotidiano para cair na armadilha do personagem. Como se um ator de novela acreditasse que é mesmo o galã e vivesse o resto da vida esperando que o roteiro lhe dê um final feliz.
Na sexta seguinte, Cecília não aguentou:
— Ou você escolhe esse jogo, ou escolhe a vida real. Não dá mais pra viver com os dois.
Bruno hesitou. Porque, veja bem, na vida real ele era Bruno. Mas no jogo… ah, no jogo ele era alguém digno de ser lembrado.
E que homem, em sã consciência, escolheria ser Bruno?
Quando Cecília impôs a escolha, ela sabia que não estava apenas pedindo um marido de volta. Estava disputando espaço com um fantasma de armadura brilhante e moralidade anacrônica. O tipo de rival que nenhuma mulher real consegue derrotar: o ideal impossível.
Bruno, por sua vez, passou a semana em silêncio. Não dormia. Não comia direito. Vivia na fronteira borrada onde Hugaas situava o identity bleed: aquele estado incômodo em que o jogador não sabe mais onde termina o personagem e começa o eu verdadeiro.
Na quarta-feira, diante do espelho, perguntou ao próprio reflexo: — Quem sou eu sem o tabuleiro?
O espelho, como convém aos espelhos, não respondeu.
Chegada a sexta, Bruno fez sua escolha. Foi à sessão de RPG, como um condenado caminha para a forca. Mas ao entrar no apartamento 402, algo estava diferente.
Faren, o mestre, havia preparado uma aventura final. Inspirado pela preocupação com Bruno, decidiu criar um último desafio: o paladino Adelpo deveria enfrentar… a si mesmo. Um dúplice sombrio, moldado pelas dúvidas e fraquezas que Bruno jamais quis enfrentar.
Na sala mal iluminada, entre fichas de personagem e garrafas vazias de guaraná, desenrolou-se a batalha mais estranha da vida de Bruno. Porque ali não havia monstros, dragões ou necromantes. Havia apenas ele mesmo — suas contradições, suas frustrações e sua covardia cotidiana.
Faren, sem saber, conduziu um ritual terapêutico, algo entre Jung e o teatro de Stanislavski.
— Adelpo, teu maior inimigo habita tua alma. Lutarás contra ele ou o acolherás? — perguntou o mestre, solenemente.
E Bruno, ou Adelpo — já não se sabia — hesitou pela primeira vez. Pela primeira vez, o paladino baixou a espada.
— Talvez eu não precise vencer. Talvez eu precise apenas… aceitar.
Na mesa, o silêncio foi absoluto. Nenhum dado foi jogado.
E ali, naquele instante ridículo e sublime, Bruno entendeu que não precisava destruir seu personagem para ser livre dele. Bastava reconhecê-lo como parte de si. Não como um invasor, mas como um hóspede que, cedo ou tarde, também partiria.
Sarah Lynne Bowman escreveria que isso era um raro momento de “integração narrativa”: quando o jogador, ao aceitar seu personagem como parte da própria história de vida, encontra paz. Mas, para Bruno, bastou um suspiro.
Thami sorriu, emocionada. Caio, o ladino, limpou discretamente uma lágrima, alegando que era alergia ao pó do tabuleiro.
Faren, sem palavras, apenas disse:
— Fim da campanha.
Mas a história, como todas as histórias humanas, nunca termina no fim do jogo.
No sábado, Cecília acordou e encontrou Bruno preparando o café. Sem armadura, sem espada de papelão.
— Voltou? — ela perguntou, com ceticismo.
Ele sorriu, pela primeira vez em semanas:
— Voltei. Mas trouxe alguém comigo.
Ela não entendeu, nem quis entender. Apenas sorriu de volta, satisfeita por, ao menos naquele momento, não haver paladinos sentados à mesa, apenas um marido — imperfeito, cansado, mas real.
No domingo, Bruno foi ao parque. Não para caçar goblins, mas para alimentar pombos. Ainda ouvia, de vez em quando, a voz de Adelpo em sua cabeça. Mas agora, em vez de um general dando ordens, era apenas um velho amigo contando piadas ruins.
No RPG, chamam isso de “de-roling”. Na vida, chamam de seguir em frente.
E talvez — só talvez — Bruno tivesse encontrado algo que os livros chamam de resiliência e os cronistas chamariam de redenção.
Mas, como todo bom personagem, Adelpo esperava silenciosamente pela próxima aventura. Porque no fundo, ninguém se cura totalmente do desejo de ser alguém melhor.
Mas o destino, esse roteirista amador que adora revanches, não permitiria que Bruno vivesse em paz por muito tempo.
Na semana seguinte, uma nova campanha começou. Outra mesa, outro cenário, outras regras. E Bruno, ainda em processo de cura, cometeu o erro clássico de todos os homens frágeis: acreditou que estava curado.
Escolheu, desta vez, um personagem oposto a Adelpo. Um mercenário cínico, ladrão de tumbas e mentiroso compulsivo chamado Froddon. Acreditou, ingenuamente, que bastava trocar a máscara para não se perder novamente.
Mas se o RPG ensina algo, é que o personagem não é uma máscara. É um espelho.
E Froddon, com sua ironia venenosa, começou a escorrer pelas bordas da vida cotidiana. Bruno percebeu isso quando, numa reunião da prefeitura, mentiu descaradamente sobre o prazo de entrega de um relatório e, para seu próprio espanto, sentiu prazer na mentira.
Ali estava o bleed, mais uma vez. Não mais o bleed heroico de Adelpo, mas o bleed memético, como diria Hugaas. A infiltração sutil de valores e comportamentos que deveriam existir apenas no mundo ficcional.
Bowman alertara: personagens deixam fragmentos em quem os interpreta. Sejam eles nobres ou vis.
Desta vez, Cecília não percebeu de imediato. Porque Froddon era discreto. Não empunhava espadas de papelão. Não fazia discursos épicos no café da manhã. Ele apenas tornava Bruno mais escorregadio, menos confiável, mais hábil em fugir das responsabilidades com uma piada bem colocada.
O RPG, então, revelou seu lado mais cruel: não é preciso jogar para fugir da realidade. Às vezes, o personagem continua jogando mesmo depois que a sessão termina.
No fundo, Bruno começou a se perguntar: e se a vida real fosse, também ela, um grande jogo de máscaras? E se todos fossem personagens, interpretando papéis medíocres em busca de aplausos baratos? Quem, afinal, era real?
Gary Alan Fine teria chamado isso de “Shared Fantasy”: a vida como um teatro onde todos concordam tacitamente em fingir. Pohjola, mais radical, talvez dissesse que Bruno havia confundido o Plano Material com a existência.
Na prática, Bruno começou a se afastar. Dos colegas, da esposa, da própria rotina. Vivia entre dois mundos: o do RPG e o da realidade, e nenhum deles parecia suficientemente verdadeiro para acolhê-lo.
Na sexta-feira, ao ser convidado para mais uma sessão, hesitou.
Seria fácil vestir Froddon e esquecer Bruno.
Mas, talvez pela primeira vez, perguntou a si mesmo: vale a pena?
No espelho, viu não o paladino, nem o ladrão, mas o homem por trás deles. Um homem frágil, incompleto, contraditório. Um homem que, como todos os outros, tentava apenas sobreviver ao vazio das sextas-feiras.
E então, pela primeira vez em meses, disse não.
Não ao personagem, não ao jogo, não à fuga.
Naquela noite, não houve dragões. Não houve monstros. Houve, apenas, silêncio.
E, paradoxalmente, foi o silêncio quem lhe trouxe paz.
Mas não se iluda, leitor: Bruno não virou um mártir da lucidez. Na semana seguinte, ele voltou ao RPG.
Porque ninguém abandona a si mesmo. No máximo, adia.
Desta vez, no entanto, não escolheu nem o paladino Adelpo, nem o mercenário Froddon. Criou um personagem menor, um camponês sem habilidades especiais, chamado Duardo, que só queria plantar cenouras e evitar problemas. Um personagem sem espada, sem honra, sem heroísmo.
E, surpreendentemente, foi ali que Bruno encontrou a paz.
Duardo não salvava reinos. Não liderava exércitos. Não discursava sobre justiça. Mas dormia bem à noite.
Jogá-lo era como caminhar descalço sobre a terra depois de anos calçando armaduras de plástico. O jogo deixou de ser fuga e passou a ser refúgio.
Foi então que Bruno entendeu o que os teóricos sempre souberam, mas poucos jogadores percebem: o RPG não é uma máquina de fabricar heróis. É um espelho onde cada um escolhe o que quer ver. E às vezes, o que precisa ver é um simples camponês, não um justiceiro de espada em punho.
Mas — e aqui mora a ironia final — mesmo um camponês pode sangrar.
Porque o bleed não desaparece. Ele apenas muda de forma.
Naquela noite, ao ligar a vela medieval e deitar-se ao lado de Cecília, Duardo sorriu, não Bruno. Não o sorriso épico de Adelpo, nem o sorriso cínico de Froddon. Apenas um sorriso humano, breve, imperfeito, mas verdadeiro.
Cecília, meio adormecida, perguntou:
— E o seu personagem novo? Salvou o mundo?
Ele respondeu, baixinho:
— Não. Hoje eu só plantei cenouras.
Ela sorriu sem abrir os olhos. Porque ali, naquele instante ínfimo e íntimo, não havia heróis nem vilões. Apenas dois humanos tentando, como podiam, sobreviver ao cotidiano.
E, no fundo, talvez seja isso o que os jogos — e a vida — mais tentam nos ensinar: não somos nossos personagens. Mas, querendo ou não, levamos um pedaço deles conosco. Como cicatrizes. Ou como lembranças.
Na semana seguinte, talvez Bruno volte a calçar a armadura de Adelpo. Ou talvez não. A vida não dá finais, apenas capítulos.
E o RPG, esse espelho que insiste em nos devolver versões mais sinceras (ou mais cruéis) de nós mesmos, estará sempre ali. À espera. Paciente. Silencioso.
Porque, no fim das contas, a maior aventura de todas não está nas masmorras ou nas florestas encantadas. Está na segunda-feira de manhã, quando o personagem dorme e o homem acorda.
E que Deus, Tyr, Goku ou qualquer outra entidade tenha piedade desse homem.
Influenciado Por
Esta crônica foi gestada na sugestão de um amigo para um post diferente, e das lembranças e revisões que fiz hoje dos produtos bibliográficos a seguir:
BOWMAN, Sarah Lynne. The functions of role-playing games: how participants create community, solve problems, and explore identity. Jefferson: McFarland, 2010.
BOWMAN, Sarah Lynne; LIEBEROTH, Andreas. Psychology and role-playing games. In: ZAGALO, Nelson; COELHO, José Pedro; BOWMAN, Sarah Lynne (org.). Role-playing game studies: transmedia foundations. New York: Routledge, 2018. p. 245-263.
BOWMAN, Sarah Lynne; STENROS, Jaakko. Bleed: The spillover between player and character. Nordic Larp, 2013. Disponível em: https://nordiclarp.org/2013/10/03/bleed-in-bleed-out-and-the-identity-of-the-role-player/. Acesso em: 3 jul. 2025.
FINE, Gary Alan. Shared fantasy: role-playing games as social worlds. Chicago: University of Chicago Press, 1983.
HUIGAAS, Kjell Hedgard. Bleed and identity: a conceptual model of bleed and how bleed-out from role-playing games can affect a player’s sense of self. International Journal of Role-Playing, [S. l.], v. 12, p. 4-22, 2024. Disponível em: https://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:1720737/FULLTEXT01.pdf. Acesso em: 3 jul. 2025.
HUIGAAS, Kjell Hedgard. Investigating types of bleed in larp: emotional, procedural, and memetic. Nordic Larp, 2019. Disponível em: https://nordiclarp.org/2019/04/19/investigating-types-of-bleed-in-larp-emotional-procedural-and-memetic/. Acesso em: 3 jul. 2025.
LEONARD, Diana J.; THURMAN, Tessa. Bleed-out on the brain: the neuroscience of character-to-player spillover in larp. International Journal of Role-Playing, [S. l.], v. 9, p. 7-25, 2018.
MACKAY, Daniel. The fantasy role-playing game: a new performing art. Jefferson: McFarland, 2001.
MONTOLA, Markus et al. (org.). Beyond role and play: tools, toys and theory for harnessing the imagination. Helsinki: Ropecon ry, 2004. Disponível em: https://nordiclarp.org/w/images/8/84/Beyond_role_and_play.pdf. Acesso em: 3 jul. 2025.
POHJOLA, Mike. Turku manifesto. Nordic Larp, 1999. Disponível em: https://nordiclarp.org/wiki/Turku_Manifesto. Acesso em: 3 jul. 2025.
SALEN, Katie; ZIMMERMAN, Eric. Rules of play: game design fundamentals. Cambridge: MIT Press, 2003.