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Exodus RPG: O D&D de Ficção Científica da Wizards of the Coast

Personagens de Exodus RPG em armaduras high-tech diante de cenário futurista.
Armaduras e tecnologia avançada dão vida ao universo de Exodus RPG, o novo projeto da WotC.

Houve silêncio. Nenhum grande anúncio, nenhum trailer espetacular. Apenas um link discreto, um novo item numa loja digital, dois livros repousando na vitrine de pixels: o Traveler’s Handbook e a Exodus Encyclopedia. Foi assim que a Wizards of the Coast, em parceria com a Archetype Entertainment, deixou cair no mundo o RPG de mesa de Exodus — o jogo eletrônico ainda distante, prometido para 2026, mas cujo universo já se abre, antes, no papel.

Resumo em Áudio

Não é incomum que estúdios explorem caminhos transmedia. Mas há algo quase irônico nesse movimento: um RPG eletrônico, ainda inédito, já se traduz em RPG de mesa. O que deveria ser derivado, aqui, torna-se inaugural. O tabuleiro precede a tela.

Os Nomes Por Trás de Exodus

O nome que amarra todas as pontas é James Ohlen. Velho conhecido dos fãs de RPG digital, arquiteto de Baldur’s Gate II e Knights of the Old Republic, ele deixou a Bioware anos atrás e encontrou na Archetype o espaço para seu projeto mais ambicioso. Exodus, o videogame, seria seu retorno ao épico espacial — um futuro pós-humano de dinastias de viajantes, de tempo dilatado e civilizações marcadas pelo distanciamento das estrelas.

Mas o jogo, embora anunciado em 2023, permanece no horizonte. O que chega primeiro é o RPG de mesa. E nele, Ohlen não está só: ao seu lado, nomes de peso. Adrian Tchaikovsky, autor do premiado Children of Time, especialista em imaginar futuros de sociedades inumanas. Peter F. Hamilton, veterano da space opera britânica, responsável por Judas Unchained e pelo romance recente ambientado justamente em Exodus. Um trio de escritores acostumados a universos vastos, costurados agora em páginas que misturam regra e ficção.

Os Produtos de Exodus

A primeira promessa atende pelo nome de Traveler’s Handbook. Nele, jogadores podem criar personagens chamados “Travelers” — não confundir com Traveller, o RPG clássico dos anos 70, nem com o Traveler de Destiny. As nomenclaturas se dobram, os ecos se multiplicam.

Livro Exodus RPG Traveler’s Handbook sobre mesa azul.
Capa do Traveler’s Handbook, livro básico do Exodus RPG que apresenta classes, origens e regras de jogo.

Esse manual é a porta de entrada: origens e classes (Hotshots, Cataphracts e outras variações), opções de equipamentos, regras de combate, progressão marcada por tatuagens de constelação. A intenção é clara: oferecer um sistema completo, pronto para que qualquer grupo comece a jogar sem precisar esperar pelo videogame.

Já o Exodus Encyclopedia cumpre outro papel. Para mestres e narradores, é o tomo de criaturas e facções, descrições de lugares e estatísticas de inimigos. A estrela, aqui, são os Celestials — oito entidades apresentadas como a ameaça máxima da galáxia. Um título que ecoa mitologia, mas que no contexto de Exodus remete a poder bélico, tecnologia ancestral, máquinas de guerra. Há também Remnants, fantasmas, androides. A enciclopédia organiza o caos e entrega ao mestre ferramentas para que o universo se torne hostil e vivo.

Capa do livro Exodus RPG Encyclopedia com arte de fenda cósmica vermelha.
Capa do Exodus Encyclopedia, guia de criaturas, facções e mistérios do universo de Exodus RPG.

Sobre o Lançamento de Exodus RPG

O lançamento, porém, não foi acompanhado por alarde. Não houve a estratégia habitual de marketing, não se viu campanha maciça em redes sociais. O que houve foi uma liberação quase tímida, como quem deixa uma chave sobre a mesa e observa se alguém a recolhe. Os primeiros ecos surgiram em fóruns e sites especializados — a Wargamer chamando o sistema de “D&D no espaço”, a BoLS destacando os streams de jogo conduzidos pelo próprio Ohlen.

Essa ausência de espetáculo gera uma sensação paradoxal. Ao mesmo tempo em que se percebe a magnitude dos nomes envolvidos — autores, designers, vozes do mercado —, o lançamento quase se esconde. Como se o RPG de mesa fosse tanto uma obra autônoma quanto um ensaio geral para o que ainda virá em consoles e PCs.

Nada de Novo no Front

Houve um ensaio anterior, de fato. Um actual play conduzido por Ohlen, reunindo nomes reconhecíveis: Brian Villalobos, ator lembrado por Destiny 2, e Elizabeth Maxwell, voz presente em animes e games que atravessam Persona, My Hero Academia, Gundam. Juntos, eles testaram as engrenagens do sistema, sob o olhar de uma audiência curiosa.

Personagens principais de Exodus RPG diante de cenário espacial futurista.
Os viajantes de Exodus RPG surgem contra o fundo de planetas distantes e arquitetura futurista.

Nesses encontros performáticos, o RPG cumpre um papel duplo: é jogo, mas também vitrine. Mostra como os Travelers se relacionam com o tempo, como lidam com missões de saque e exploração, como constroem dinastias em meio à dilatação temporal. Mostra também como o combate, herdeiro direto das mecânicas de D&D, se adapta a um cenário de ficção científica.

Mas mais do que exibir regras, esses jogos encenados funcionam como laboratórios narrativos. A audiência observa e, ao mesmo tempo, antecipa. Se no videogame as escolhas terão escopo massivo, no RPG de mesa elas aparecem na intimidade do dado.

Não é coincidência que a Wizards of the Coast esteja por trás disso. Ao mesmo tempo em que aposta na renovação de D&D 2024, a empresa tenta expandir-se para fora do círculo de sua franquia mais famosa. Exodus seria o veículo para essa expansão — não apenas como jogo digital, mas como universo multimídia.

O gesto lembra movimentos anteriores de grandes marcas, de Cyberpunk a Dragon Age, mas com uma inversão curiosa: o RPG de mesa não é um apêndice tardio, mas uma das primeiras manifestações concretas do projeto. Ele chega antes, ele prepara terreno, ele molda a percepção da comunidade.

E nesse gesto há risco. Porque quando a enciclopédia entrega segredos dos Celestials e quando o manual define mecânicas de dinastias, algo do mistério do videogame se esvai. O RPG de mesa, ao mesmo tempo em que alimenta a expectativa, também delimita o espaço do inédito.

E o O Quê Achamos?

O que se pode ler nessa operação é a tentativa de consolidar Exodus RPG como franquia. Um romance já publicado, outro a caminho. Livros de RPG disponíveis. Streams transmitidos. O jogo digital, ainda distante, mas já envolto em múltiplas camadas de antecipação.

A pergunta que fica é se essa antecipação sustenta interesse ou se o dilui. Porque o silêncio da WotC no anúncio talvez seja menos um descuido e mais uma estratégia: soltar o RPG de mesa como semente, deixar que a comunidade o descubra organicamente, e só depois colher os frutos no lançamento do game AAA.

Mas há outro silêncio, mais inquietante. O silêncio do próprio universo de Exodus, que ainda não conhecemos em profundidade. O Traveler’s Handbook dá traços, pinceladas, mas não a imagem completa. A enciclopédia detalha inimigos, mas não revela o que se perde ao confrontá-los. O romance introduz personagens, mas não traduz a experiência interativa.

5.5E Entre as Estrelas: Exodus e o Dilema de Ser D&D no Espaço

Há quem diga que Exodus é D&D no espaço. A afirmação, repetida em fóruns, manchetes e resenhas, soa quase como acusação. Mas também é diagnóstico. Porque por trás do brilho das naves e do peso das dinastias, o coração que pulsa em Exodus é o mesmo de quinta edição — a rolagem de um d20, a tensão do turno, a tabela que concede ao jogador a ilusão do controle.

A Wizards of the Coast não arriscou. Construiu Exodus sobre terreno já conhecido, herdando de D&D suas colunas fundamentais: seis atributos, classes com subclasses, rolagens de iniciativa, pontos de vida que crescem conforme níveis. Mas o gesto não é apenas repetição; é também tentativa de ajuste. O sistema não chega até o nível 20 — detém-se no 10. O avanço é mais rápido, mais condensado, mais voltado a criar curvas de poder em menor escala.

O diferencial está no equipamento. Onde D&D se equilibra entre magias e espadas, Exodus entrega armas, implantes, armaduras. A ficção científica exige tecnologia, e a tecnologia ocupa as páginas do Traveler’s Handbook. É ali que se descrevem mechs pilotados pelos Cataphracts, animais sencientes que se aliam a exploradores, naves que atravessam o vazio.

As progressões não vêm apenas de experiência, mas também das tatuagens de constelação: marcas que aumentam atributos ou concedem proficiências novas a cada nível. É simbólico que o crescimento do personagem esteja ligado a um corpo marcado pelo cosmos, como se cada avanço fosse literal inscrição do universo sobre a pele.

Ainda assim, as resenhas apontam a mesma conclusão: confiável, mas pouco ousado. O Wargamer fala em “um sistema compacto, focado em equipamento, mas essencialmente D&D”. O BoLS nota as semelhanças diretas — Extra Attack, Weapon Mastery, Indomitable, nomes que ecoam sem disfarce.

A crítica não é à robustez. Ao contrário, é justamente porque o sistema funciona que o diagnóstico de familiaridade pesa. Exodus não tropeça em experimentos instáveis, mas também não se arrisca em inovações radicais. É, por assim dizer, um porto seguro.

Comparações são inevitáveis. Starfinder, da Paizo, percorreu caminho semelhante: transportar Pathfinder para o espaço, com naves, sistemas de armas, raças alienígenas. E, no entanto, com os anos, conseguiu identidade própria, hoje reforçada pelo remaster que o conecta ainda mais à linha Pathfinder 2e.

Já a Free League, com Coriolis: The Great Dark, arrisca mais. Usa sua Year Zero Engine, privilegiando narrativa e tensão sobre tabelas de progressão. Cada lançamento da Free League funciona quase como experimento estilístico — entre horror, ficção científica e fantasia sombria.

E há ainda o peso ancestral de Traveller, dos anos 70, que nunca deixou de existir, com sua herança de exploração e comércio interestelar.

Nesse cenário, Exodus se apresenta como o primo conformado: uma versão adaptada de D&D 2024, suavizada para o espaço, sem reinventar o alicerce.

É aqui que a crítica se divide. Para alguns, esse é o trunfo: aprender Exodus é imediato para quem já domina D&D. Não há curva de adaptação, não há medo de tabelas estranhas ou mecânicas obscuras. Jogadores migram sem esforço, mestres narram com segurança.

Mas para outros, é justamente esse o problema: o sistema não convida à descoberta. Não surpreende. Em um gênero que pede ousadia — viagens interestelares, impérios dilatados pelo tempo, dinastias que vivem sob as regras da relatividade —, o motor narrativo escolhido é o mais conservador possível.

O contraste mais evidente está entre promessa narrativa e execução mecânica. Narrativamente, Exodus fala em dinastias: jogadores podem fundar linhagens, governar sobre descendentes, observar como séculos se passam em alguns anos de exploração. É uma proposta ambiciosa, evocando obras como Duna e as sagas de Hamilton e Tchaikovsky.

Mas mecanicamente, esse conceito aparece apenas em breves pinceladas — opções de facção, traços de background, algumas regras de passagem de tempo. O núcleo permanece o mesmo: turno, iniciativa, ação, reação, ataque.

O que se percebe é que a inovação narrativa ainda está submissa ao esqueleto herdado.

E não é difícil imaginar o motivo. A Wizards de 2025 é uma empresa marcada por riscos calculados. Após anos de tentativas de expandir D&D para outros campos — romances, filmes, videogames —, Exodus surge como aposta controlada: criar um universo novo, mas sem abandonar a base que sustenta milhões de jogadores.

É, de certa forma, um dilema. Porque ao escolher a segurança, a empresa corre o risco de diluir o ineditismo. Exodus pode ser lembrado como “o D&D sci-fi da WotC” e não como um jogo que encontrou voz própria.

Nos fóruns, essa percepção já se espalha. Alguns jogadores celebram a acessibilidade, a familiaridade que permite começar a jogar em minutos. Outros demonstram frustração: “Se é para jogar D&D no espaço, por que não usar já as adaptações caseiras que circulam há anos?”

A crítica ecoa também nos sites. O Wargamer fala de um marketing que se parece com dever de casa, que exige acompanhar romances, livestreams, PDFs, sem entregar uma identidade forte logo de início. O BoLS, por sua vez, lembra que até mesmo os inimigos — Celestials, Remnants, Ghosts — soam mais como ressonâncias de mitologias existentes do que como criações genuinamente únicas.

E, no entanto, há também fascínio. O próprio fato de que o RPG chegou antes do videogame cria uma camada curiosa de experiência. Jogadores de mesa têm a chance de explorar Exodus antes que o grande público dos consoles sequer conheça o universo. Isso cria comunidades pioneiras, que moldam a recepção futura.

Esse pioneirismo pode ser trunfo ou armadilha. Se o RPG de mesa provar ser sólido e divertido, cria expectativa positiva para o game digital. Se, ao contrário, for percebido como derivativo, pode enfraquecer o interesse.

Talvez por isso a decisão de limitar o sistema até o nível 10 faça sentido. Exodus não se compromete com campanhas épicas de décadas. Ele se oferece como experiência mais curta, condensada, experimental. Como se dissesse: este não é o universo inteiro, apenas um fragmento — um prelúdio, um vislumbre.

E nesse gesto há também uma correspondência com o tema central de Exodus: o tempo quebrado. Assim como os Travelers vivem em descompasso, sempre retornando a um mundo que envelheceu sem eles, o RPG de mesa também vive em descompasso com seu próprio videogame. Chegou cedo, limitado, transitório.

O Que Representa Exodus RPG No Final de Tudo

O que se tem, hoje, é esse conjunto fragmentado: um RPG de mesa robusto, lançado quase à sombra, sustentado por nomes ilustres e por um sistema reconhecível. Um prelúdio que se pretende autônomo, mas que carrega em cada página a promessa do que ainda não existe.

O certo é que, ao lançar Exodus em forma de RPG de mesa, a Wizards abriu um espelho: refletiu sua própria confiança na familiaridade de D&D e, ao mesmo tempo, expôs a dificuldade de criar algo realmente novo. Um espelho que mostra tanto a segurança de repetir fórmulas quanto o vazio deixado pela ausência de risco.

E talvez esse seja o paradoxo mais interessante. Em Exodus RPG, os Travelers vivem sob o peso da dilatação temporal — uma viagem breve para eles equivale a décadas para os que ficam. Há desencontro, há atraso, há sempre a sensação de chegar antes ou depois do esperado. Assim também com o RPG. Ele chegou antes do jogo eletrônico. Abriu as portas de um universo ainda inédito. Tornou-se, para a comunidade, o primeiro contato com algo que ainda está no futuro.

E como todo espelho no espaço, o reflexo é também fantasma. O RPG de mesa é sombra do videogame, mas ao mesmo tempo seu prenúncio. Se Exodus encontrará seu lugar entre os grandes RPGs de ficção científica, só o tempo dirá. E tempo, em Exodus, nunca é linear.

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