Entre a expectativa e a execução, RŌNIN testa não apenas a brutalidade dos combates, mas a eficiência da Tria Editora em transformar um financiamento coletivo em um lançamento de impacto duradouro
Por: Paulo “Faren” Lima

Postado em 

10/03/2025

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13:18

Há noites que nunca terminam. São eternas, obscuras, inclementes. Um mundo esquecido pelos deuses, onde a luz é apenas lembrança amarga, e a honra, algo que escorre pela ponta de uma lâmina manchada de sangue. Esse lugar é Kage no Shima, cenário brutal de RŌNIN, o RPG recém-chegado ao Brasil pela licença oficial da Tria Editora, original da Slightly Reckless Games.

Inspirado profundamente pelo Japão feudal mítico, sombrio e sobrenatural, RŌNIN é um jogo visceral e rápido baseado no sistema OSR simplificado de MÖRK BORG. Mas é importante deixar algo muito claro desde o início: isso não significa que RŌNIN seja apenas um clone do jogo sueco. Pelo contrário, RŌNIN utiliza o melhor do estilo e da simplicidade de MÖRK BORG e eleva tudo a outro patamar, criando um produto que é, ao mesmo tempo, acessível, envolvente e visualmente deslumbrante.

O cenário do jogo é sombrio como uma pintura perdida em um sonho febril, onde o Japão feudal serve de inspiração, mas a realidade se distorce num pesadelo constante. É um mundo amaldiçoado por uma noite perpétua causada por um eclipse sem fim. Nele, demônios e espíritos — os yōkai — se arrastam pelas sombras, enquanto facções guerreiam por migalhas de poder, sobrevivendo entre duelos sangrentos e alianças traiçoeiras.

E não pense que esta é só mais uma narrativa genérica sobre samurais desonrados e ninjas sorrateiros. RŌNIN se ergue sólido e independente, escapando das armadilhas comuns ao gênero e entregando uma ambientação rica, original e impregnada por influências míticas e históricas. É um mundo feito para devorar personagens descuidados e cuspir os ossos daqueles que não pensam antes de agir.

Sistema e Mecânicas: A Beleza na Simplicidade e a Morte na Imprudência

RŌNIN utiliza a base mecânica do MÖRK BORG: um sistema d20 simples, rápido e letal, em que apenas jogadores rolam os dados, enquanto as criaturas e PNJs agem diretamente sob as regras fixas do jogo. Com uma única rolagem (1d20 + modificadores), os jogadores tentam superar uma Cadência de Dificuldade (CD), geralmente estabelecida em 12. Simples, direto e brutal — sem enrolação e sem misericórdia.

O combate é rápido e implacável. Não há espaço para cálculos longos ou táticas indecisas: aqui, hesitação significa morte certa. Para tornar os embates ainda mais dramáticos, o jogo inclui técnicas especiais como a possibilidade de aparar golpes adversários, arriscando tudo em um único movimento para evitar ferimentos fatais. Durante os duelos, você também pode assumir táticas ousadas como bloquear ou contra-atacar para obter vantagens sobre seu oponente — uma jogada arriscada, mas recompensadora.

Outra característica única do sistema é o uso das chamadas Virtudes, mecânicas especiais que permitem aos jogadores manipular situações dramáticas, como rerrolar resultados críticos ou influenciar testes decisivos. Porém, essas vantagens têm limites claros: quando esgotadas, o personagem se vê sem defesa diante do destino inevitável que o jogo promete.

Mas a grande estrela entre as mecânicas é, certamente, o conceito da Honra. Não estamos falando aqui apenas de um elemento narrativo, mas de uma mecânica fundamental do jogo. Sua Honra afeta diretamente a interação com NPCs, comércio, diplomacia e, em última instância, sua própria sobrevivência. Com alta Honra, portas se abrem e aliados aparecem; com Honra baixa, você é tratado como um pária, desprezado e isolado, até que sua única saída honrosa seja a lâmina curta do Seppuku.

Se morrer — e você morrerá muitas vezes — existe ainda uma última chance dramática: a batalha no Yomi, o Mundo dos Mortos. O personagem recém-morto enfrenta uma entidade demoníaca em um duelo de vida ou morte, em paralelo aos combates que ocorrem no mundo dos vivos. Caso vença, seu personagem retorna à vida marcado pela experiência traumática. Se perder, a morte é definitiva, absoluta.

Este ciclo de vida, morte e possível renascimento eleva cada conflito e cada escolha a uma tensão cinematográfica, algo raramente visto em outros RPGs do gênero.

Classes e Personagens: o Destino é Sua Lâmina

Em RŌNIN, a criação de personagens é absurdamente rápida e dinâmica, permitindo montar um personagem em menos de cinco minutos. Você escolhe uma classe — Rōnin Esquecido, Shinobi Corrompido, Samurai Erudito, Monge Bêbado, Onmyoji, Sumô Implacável, Bakuto e outros — e rapidamente obtém características únicas, habilidades específicas e traços narrativos que moldarão sua jornada.

Cada classe possui suas próprias Condutas e Virtudes, definindo como a Honra será adquirida ou perdida durante as aventuras. São aspectos que oferecem profundidade mecânica e narrativa, enriquecendo cada sessão de jogo.

Um Cenário que Respeita Suas Referências Culturais

Um grande mérito de RŌNIN é seu respeito e inspiração consciente nas melhores referências de mídia oriental e samurai, enriquecendo sua narrativa e permitindo uma imersão imediata. O jogo reverencia obras consagradas como Sekiro, Ghost of Tsushima, os filmes de Akira Kurosawa, Rurouni Kenshin, Samurai Champloo, Kill Bill, O Samurai do Entardecer, Jigokuraku, Zatōichi, Tenchu, BRZRKR, Vagabond, Miyamoto Musashi, Like a Dragon: Ishin!, Samurai Champloo, Samurai de Olhos Azuis e outras pérolas narrativas que moldaram a cultura pop dos samurais.

Essas referências não são apenas decorações superficiais; são veias profundas que abastecem a narrativa, o tom e as mecânicas do jogo, resultando em algo coerente, consistente e profundamente satisfatório.

Outra qualidade fundamental de RŌNIN é sua independência completa. Embora utilize a base das regras do MÖRK BORG, ele é um produto autossuficiente. O livro básico traz tudo que jogadores e mestres precisam para criar personagens, conduzir combates, gerenciar narrativas e explorar o cenário aterrorizante de Kage no Shima.

Mesmo utilizando a base de regras de MÖRK BORG, você não precisa do jogo original para desfrutar plenamente de RŌNIN — todas as regras e informações necessárias estão aqui. Porém, se você já conhece e aprecia o sistema sueco, a compatibilidade total garante que você possa mesclar livremente elementos de ambos os jogos.

Um Cenário Rico, Dinâmico E Envolvente

A ambientação de Kage no Shima transcende o niilismo vazio e entrega uma experiência de RPG real, palpável e concreta. A Terra da Noite Eterna é um lugar cruel, sim, mas também é um lugar que convida à reflexão sobre moralidade, sacrifício e sobrevivência. As mecânicas se entrelaçam de maneira fluida com o cenário, criando situações que vão além de combates superficiais e oferecem histórias memoráveis de sofrimento, superação e redenção pessoal — ou do fracasso honroso e inevitável.

RŌNIN não é apenas um jogo sobre vencer batalhas, mas sim sobre enfrentar desafios que definem quem você é, o que você representa, e até onde você está disposto a ir para sobreviver mais um dia. Este é um jogo que vai fazer você pensar em cada decisão tomada, e no impacto que cada golpe de sua espada terá sobre o destino de Kage no Shima.

O RPG RŌNIN é brutal, poético, intenso e, sobretudo, absurdamente satisfatório. Chegando ao Brasil pela Tria Editora, temos finalmente em mãos uma obra que não apenas cumpre, mas excede todas as expectativas.

Rōnin e o Modelo De Financiamento Coletivo da Tria Editora: Entre a Promessa e a Entrega

No mundo de Kage no Shima, não há segundas chances para quem vacila. O erro significa o fim, e a única forma de evitar a vergonha é um golpe certeiro de sua própria lâmina. No mercado editorial de RPG no Brasil, as regras não são muito diferentes. Financiamentos coletivos não são apenas campanhas de arrecadação. São promessas públicas. São contratos de confiança entre editoras e jogadores.

A Tria Editora, que agora se lança na empreitada de trazer RŌNIN para o Brasil através do Catarse, sabe disso. Ou, ao menos, deveria saber. A editora tem construído um histórico sólido de traduções e lançamentos, acertando onde tantas outras já falharam: cumprindo prazos, mantendo comunicação com a comunidade e garantindo que o produto final não seja apenas entregue, mas entregue com qualidade.

Agora, com o financiamento coletivo de RŌNIN, a Tria coloca sua reputação novamente à prova. Mas o que realmente significa esse financiamento? Qual o peso da decisão de trazê-lo para o Catarse, e o que podemos esperar desse lançamento?

Um Financiamento Sem Surpresas

Diferente de muitos projetos de financiamento coletivo que dependem de uma arrecadação robusta para saírem do papel, RŌNIN chega ao Catarse com um diferencial importante: ele já está pronto.

A editora optou por um modelo que já testou anteriormente: o PDF do livro básico está 100% finalizado, revisado e pronto para ser liberado no momento em que a meta base for atingida. Isso significa que não há risco de atraso na produção digital, e que os apoiadores que entrarem no financiamento terão acesso imediato ao jogo assim que o valor de R$ 7.000 for alcançado.

E não se trata apenas do jogo básico. Desde a meta base, o financiamento já garante também:

  • Contos Sem Mestre – O suplemento oficial de modo solo, um dos pontos altos do projeto e que expande RŌNIN para além dos jogadores tradicionais, permitindo campanhas individuais bem estruturadas.
  • Lágrimas Congeladas da Senhora da Neve – Uma aventura inspirada nas lendas japonesas, misturando folclore e a brutalidade do cenário.

A decisão de já entregar um pacote sólido desde a meta inicial demonstra uma maturidade no planejamento do financiamento. Não há promessas vagas ou metas irreais – o jogo existe, está pronto, e será entregue.

A Tria Editora: O Histórico Pesa a Favor

Não é a primeira vez que a Tria segue esse caminho. Em seus financiamentos anteriores, como Beyond the Wall, PunkApocalyptic e Symbaroum, a editora utilizou a mesma estratégia e conseguiu bater a meta no primeiro dia, liberando o PDF imediatamente aos apoiadores.

Seu histórico de entregas vem sendo eficiente e acima da média, com projetos que não apenas atingem as metas, mas que costumam ser finalizados antes do prazo previsto.

Exemplos:

  • Beyond the Wall foi encerrado em agosto e teve sua versão física entregue em outubro, dois meses depois.
  • PunkApocalyptic foi encerrado em novembro e teve o livro entregue em fevereiro, apenas três meses depois.
  • Symbaroum, mesmo mais recente, já teve o livro base enviado à gráfica, enquanto os materiais digitais extras foram entregues aos apoiadores.
  • Hopefinder e Lancer, que ainda estão em financiamento, tiveram as metas atingidas no primeiro dia e os PDFs entregues imediatamente (Veja nosso artigo sobre Hopefinder e Lancer clicando nos nomes)

A editora não apenas cumpre prazos, como mantém um fluxo de lançamentos contínuo, o que indica uma estrutura interna consolidada para lidar com múltiplos projetos simultaneamente.

Agora, RŌNIN se junta a esse catálogo, ao lado de futuros títulos como Legacy of Dragons 5.5e, Shadow of the Weird Wizard e Shadow of the Demon Lord.

A grande questão é: o financiamento de RŌNIN seguirá essa linha de eficiência ou será a primeira grande falha da editora?

A Qualidade do Produto: Melhor Que a Versão Original?

Aqui está o ponto que realmente precisa ser analisado. A versão brasileira de RŌNIN pode ser considerada superior à original?

A resposta, surpreendentemente, é sim.

A diagramação de Rafael Tschope não apenas traduz, mas reformula a experiência visual do jogo, tornando-o mais legível, mais fluido e mais coerente do que muitas outras publicações do gênero.

O maior problema de MÖRK BORG, por exemplo, é sua diagramação agressiva. O uso de amarelo e preto, fontes caóticas e elementos gráficos desordenados fazem com que a leitura seja um desafio, transformando o livro em uma peça de arte conceitual, mas pouco funcional.

RŌNIN, em sua edição brasileira, mantém a estética sombria e brutal, mas sem comprometer a legibilidade. O livro foi montado diretamente no Illustrator, permitindo um controle detalhado sobre cada elemento gráfico.

O resultado? Um RPG visualmente impactante, mas sem a fadiga de leitura que outros jogos do gênero apresentam.

A Tria não apenas trouxe RŌNIN para o Brasil – ela refinou o material.

O que a Tria Espera com esse Financiamento?

A Tria Editora já viu RŌNIN funcionando lá fora. O jogo tem um público, tem uma identidade e tem um sistema consolidado. Mas lançar um RPG desse porte no Brasil não é só um movimento comercial. É um teste.

A meta base, acessível e planejada para ser atingida rapidamente, é apenas o primeiro passo. O financiamento no Catarse não é uma necessidade para que o jogo exista, mas uma forma de medir até onde ele pode ir. Se fosse apenas sobre imprimir o livro, um lançamento direto na loja resolveria. Mas a proposta é outra: expandir RŌNIN e entender o apetite do público brasileiro por um RPG como esse.

As metas extras deixam isso claro. Novos monstros aprofundam o bestiário, trazendo mais elementos da mitologia japonesa para dentro do jogo. Novas classes ampliam as possibilidades dos jogadores, permitindo estilos de combate e narrativas ainda mais diversificados. E novas aventuras garantem que o jogo continue crescendo, reforçando Kage no Shima como um ambiente vivo.

A Tria já demonstrou que consegue cumprir prazos. Mas há uma grande diferença entre um financiamento pontual e um projeto que continua se expandindo ao longo do tempo. Se RŌNIN atingir as metas estendidas e garantir um fluxo contínuo de novos conteúdos, ele pode se tornar mais do que um RPG isolado. Pode se consolidar como um título com base ativa no Brasil, algo raro no mercado nacional.

Agora a questão que fica é se RŌNIN continuará afiando sua lâmina ou se será apenas mais um corte breve no RPG brasileiro.

Você está pronto para sua última batalha?

Link do Financiamento:

Sobre o Autor

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Paulo "Faren" Lima

Considera RPG terapia, trabalha na Stone Co, viciado em processos, nascido e criado no Tocantins, narra em The Witcher.

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