Nos últimos anos, o Brasil viveu um luto editorial disfarçado de silêncio: a Wizards of the Coast simplesmente abandonou o país — e com ela, a promessa de continuidade de Dungeons & Dragons. Entre traduções interrompidas, licenças evaporadas e PDFs de traduções de fãs — embora excelentes — rodando em fóruns, o trono da fantasia medieval ficou vazio. Vazio… até recentemente com Castle & Cruzades e o atual financiamento da Tria Editora. Shadow of the Weird Wizard (SotWW), escrito pelo veterano Robert J. Schwalb — um dos cérebros por trás de D&D 4e, 5e e do clássico sombrio Shadow of the Demon Lord — chega ao Brasil pela Tria Editora com o que podemos descrever, sem hipérbole, como um dos melhores sistemas de fantasia da década.
Versão “Podcast” do Artigo:
Shadow of the Weird Wizard: o RPG de fantasia que D&D prometeu, mas nunca entregou
“Quando o rei some, é natural que os vassalos entrem em guerra. Mas e quando surge um novo rei, mais justo, mais competente, e com ideias melhores?”
E não estamos falando de promessas vagas ou hype publicitário. Falamos de um jogo completo, já em português, já com PDF entregue para os apoiadores iniciais, e que apresenta um sistema fluido, modular, altamente customizável — com combate ágil, magia instigante e um cenário que cheira a pólvora mágica e decadência política.
Importante: a análise a seguir foi feita exclusivamente com base no Livro Básico de Shadow of the Weird Wizard, sem considerar os suplementos adicionais como o Livro do Sábio ou Livro das Ancestralidades. Tivemos acesso aos outros dois suplementos, mas confesso que não li com profundidade suficiente para poder lhes entregar uma análise sóbria e completa como é o pretexto editorial de todo artigo do Artifício RPG.
E mesmo assim, o que encontramos é um RPG que se sustenta por si só, com mais elegância mecânica do que muito sistema completo por aí. Em outras palavras: o que o D&D queria ser quando crescesse, mas tropeçou em franquias (este vídeo do Arddhu representa bem), capital e preguiça editorial.
A Nova Era da Fantasia Cinzenta Começa Aqui em Shadow of the Weird Wizard
Dizem que um bom RPG nasce de duas forças contraditórias: o desejo de criar mundos e o medo de repeti-los. Robert J. Schwalb — o mesmo que ajudou a esculpir parte do corpo esquelético da 3.5, da 4e e da 5e de Dungeons & Dragons — parece ter entendido isso melhor que ninguém. E em Shadow of the Weird Wizard, seu novo projeto, ele abandona de vez o peso apocalíptico de Shadow of the Demon Lord para propor uma fantasia não menos sombria, mas muito mais jogável.
A proposta é simples, direta e — talvez por isso mesmo — brilhante: criar um RPG de fantasia heróica com um toque sombrio, acessível a iniciantes e profundo o suficiente para jogadores veteranos, mantendo o DNA do Demon Lord, mas sem o niilismo paralisante que caracterizava seu antecessor. Em vez de um fim do mundo, temos um mundo em reconstrução. Em vez de um horror inevitável, temos monstros concretos, errantes e, quando dá, vencíveis. Em vez de uma queda, uma tentativa de ascensão.
O cenário parte de um ponto de ruptura clássico: o Mago Estranho, figura arcana de poder incompreensível, desapareceu. Seu império desabou, suas criações horrendas ficaram sem controle, e o mundo se encontra num estado de caos morno — aquele tipo de caos onde a esperança ainda é possível, mas custa caro. Com essa premissa, Shadow of the Weird Wizard constrói uma ambientação marcada por fantasia cinzenta: fadas cruéis, mortos-vivos, horrores biomecânicos e muralhas esquecidas se misturam a povoados frágeis, deslocados da Velha Pátria. Os heróis, nesse contexto, não são escolhidos dos deuses — são refugiados armados de coragem e teimosia, tentando garantir um pouco de estabilidade onde a ordem virou lenda.
A estrutura narrativa do jogo, portanto, parte de um centro ausente — O Mago, com “M Maiúsculo” — e se espraia em missões que vão das aventuras locais até as campanhas épicas. A ambientação é riquíssima, mas não engessada; serve como pano de fundo para que grupos criem arcos coesos e personalizados, sem precisar passar por 500 páginas de lore obrigatório.
E aqui mora o mérito silencioso de Schwalb: ao invés de reinventar o RPG, ele melhora tudo o que já funcionava, corta excessos, amplia possibilidades, e entrega um sistema coeso — mecânica e narrativamente. A proposta é quase um manifesto contra o RPG hipercomplexo e contra o RPG excessivamente minimalista. É o RPG do meio-termo. Da sombra. Da moralidade incômoda.
Em outras palavras: Shadow of the Weird Wizard é o que acontece quando um grande designer resolve parar de agradar a marca e começa a agradar os jogadores.
O Conteúdo como Mecânica Fluida
Se um RPG pode ser julgado por sua estrutura de criação de personagem e progressão de níveis, Shadow of the Weird Wizard merece uma avaliação altíssima — não apenas por refinar o que já funcionava em Shadow of the Demon Lord, mas por tornar cada escolha uma pequena narrativa em si. Com apenas o Livro Básico, já é possível sentir o pulso de um sistema maduro, consciente de suas raízes e generoso em sua modularidade.
Níveis, Caminhos e a Evolução dos Heróis
A progressão de personagem em Shadow of the Weird Wizard é o que acontece quando um designer entende que complexidade e profundidade não precisam ser sinônimos. O jogo utiliza uma estrutura de 10 níveis — um número enxuto, elegante e narrativamente eficaz — e cada nível representa uma missão concluída, ligando o avanço mecânico à estrutura de campanha com coesão exemplar.
Em vez de listas imensas de classes e subclasses, temos um sistema de caminhos evolutivos divididos em três estágios:
- Caminho de Novato (nível 1)
- Caminho de Especialista (nível 3)
- Caminho de Mestre (nível 7)
No início, o jogador escolhe entre quatro arquétipos clássicos — Guerreiro, Ladino, Magista e Sacerdote —, que funcionam como fundações. Mas é nos níveis seguintes que a mágica acontece: ao avançar, o jogador pode escolher qualquer caminho disponível, sem pré-requisitos rígidos, o que permite uma multiclassagem natural, criativa e balanceada.
Esse design modular evoca diretamente o que Schwalb já havia experimentado em sua fase na 4ª edição de D&D — especialmente no Livro do Jogador 3, onde a edição introduziu as trilhas heróicas, exemplares e épicas. Lá, como aqui, o avanço de personagem era dividido em estágios claros e flexíveis, permitindo construir conceitos únicos sem se prender a uma progressão pré-fixada. É como se o autor tivesse destilado o que havia de melhor na estrutura da 4e, jogado fora o excesso de camadas, e entregue ao jogador um sistema que recompensa criatividade com fluidez e coerência.
Como resultado, temos um sistema que conta a história do personagem por meio da mecânica, e não apesar dela. Um guerreiro que se especializa em piromancia ou um sacerdote que se torna um assassino místico não são exceções bizarras: são possibilidades legítimas, estruturadas pelo sistema e incentivadas narrativamente.
Esse design também evita o problema comum em D&D e Pathfinder, em que a especialização excessiva pode engessar o personagem e restringir sua evolução. Aqui, ao contrário, cada novo caminho abre horizontes, ao invés de fechá-los.
“O sistema de evolução é absurdamente coeso. Você sente o personagem crescer organicamente, como se estivesse escrevendo capítulos de um romance com cada missão” — comentou um jogador em uma resenha traduzida da EN World.
Criação de Personagem: A Herança do Demônio, o Futuro do Herói
Em relação ao Shadow of the Demon Lord, o Weird Wizard toma uma decisão crucial: abole o Nível 0, que antes era usado como prelúdio para o personagem “ainda não ser nada”. Aqui, o jogo começa do primeiro sopro de heroísmo. Não há fase de estagiário. Começa-se já com propósito, já com escolhas. É o RPG como deveria ser: direto, mas com profundidade.
Outro ponto de distinção relevante: a ancestralidade. No Livro Básico, os personagens são todos humanos — o que, à primeira vista, pode parecer limitador, mas na verdade é um acerto editorial. Isso porque a customização não está em “raças exóticas”, mas sim nas trilhas que moldam o estilo de vida, as crenças e até as origens culturais do personagem.
Inclusive, o jogo introduz as chamadas Trilhas de Novato de Ancestralidade, que não apenas “simulam raças”, mas representam verdadeiras rotas evolutivas ligadas à cultura daquele povo. Um goblin que aprende magia de necromancia desde pequeno pode ter uma trilha de novato inteiramente diferente de um goblin guerreiro tribal — e isso tem peso mecânico e narrativo.
A criação de personagem, portanto, não é um funil. É um campo aberto. E o jogador, desde o nível 1, é convidado a narrar e modelar seu destino com liberdade estratégica real.
Mecânica Básica: Dádivas, Reveses e o D20 que Faz Sentido
O coração do sistema é um D20. Até aí, nenhuma novidade. Mas o que Schwalb faz com ele é notável. Em vez de somar bônus arbitrários ou empilhar penalidades, o jogo trabalha com dádivas e reveses — um conjunto de d6s que representam modificadores situacionais.
Tem vantagem? Role uma dádiva. Está em desvantagem? Role um revés. Esses dados adicionais não se somam diretamente, mas são comparados entre si: fica apenas o maior resultado da dádiva, subtraído do maior da penalidade (caso existam ambos). Resultado? Um sistema que simula complexidade com extrema simplicidade.
Mais ainda: o jogo sugere que, ao atingir mais de três dádivas ou reveses, nem é necessário rolar — o sucesso ou fracasso pode ser considerado automático. Um detalhe elegante, que previne enrolações e acelera o ritmo narrativo.
O jogo também não utiliza perícias. Em vez disso, todos os testes são feitos com base em quatro atributos: Força, Agilidade, Intelecto e Vontade. Isso limpa a ficha, reduz minúcias e acelera o jogo. E o mais importante: força o grupo a interpretar — afinal, não há “Teste de Persuasão +12” para resolver tudo.
Vida, Dano e Combate: A Guerra é Rápida, Cruel e Engajante
O sistema de dano e pontos de vida é outro ponto onde Shadow of the Weird Wizard mostra maturidade. Aqui, o personagem tem Vida Total e Dano Sofrido como pools separados, o que permite diferenciar entre ferimentos sérios e efeitos colaterais temporários. Tomou um veneno que reduz sua vida máxima? Isso é diferente de levar uma espadada na cara.
O combate segue o mesmo princípio: ações simples, reações consistentes, e um detalhe tático importante — os inimigos agem primeiro por padrão. Isso cria uma tensão inicial dramática que obriga o grupo a reagir com inteligência, e não apenas com força bruta. Agir rápido ou esperar pode ser a diferença entre sobrevivência e desgraça.
Além disso, o sistema contempla perseguições, uso de veículos e ambientes perigosos, sem precisar recorrer a subsistemas complexos. Um parágrafo aqui, uma tabela ali — e o mestre está pronto para criar ação cinemática sem abrir três livros de regras.
O Conteúdo como Criação Profunda e Magia Selvagem
Se combate rápido e criação flexível são os pilares do Weird Wizard, então a magia é sua catedral central — alta, labiríntica e repleta de câmaras onde o sublime convive com o grotesco. E o mais impressionante: tudo isso é acessível e organizado, mesmo para iniciantes.
Magia, Tradições e Talentos da Tradição: Quando o Caos é Bem Editado
A estrutura mágica de Shadow of the Weird Wizard parte de um princípio já sugerido em Shadow of the Demon Lord, mas agora reformulada com precisão cirúrgica: a divisão por Tradições. Nada de listas infinitas com feitiços do nível 1 ao 9, nem diagramas tortuosos de acesso arcano versus divino versus primal. Em vez disso, temos 33 Tradições, cada uma representando uma escola ou estilo de magia (como Piromancia, Cronomancia, Necromancia, Espiritualismo, Simbolismo…).
Cada tradição contém:
- Um Talento da Tradição (um efeito passivo ou ativo leve, geralmente usável sem limites)
- E uma sequência de 18 feitiços, divididos em Novato, Especialista e Mestre
Essa organização resolve três problemas clássicos dos sistemas baseados em magia:
- Barateia o tempo de leitura e preparação — o jogador precisa ler apenas o que importa.
- Permite que personagens mágicos tenham identidade estética — um piromante e um ilusionista jogam diferente.
- Entrega poder desde cedo, sem forçar o jogador a “pagar mensalidades de XP” até o nível 5 para ser funcional.
Além disso, toda vez que o personagem descobre uma nova tradição, ele automaticamente ganha seu talento menor. Isso é mais do que um truque de D&D 5e. É uma forma de afirmar que o conhecimento arcano tem efeitos colaterais imediatos. Aprender necromancia não é só acessar feitiços: é absorver a lógica da morte. Aprender teletransporte não é só mover-se pelo espaço: é começar a ver o mundo como portais.
“A magia é criativa pra caramba. Dá pra fazer um mago completamente diferente só trocando a tradição. E o talento extra parece truque, mas tem impacto tático real.” — análise de Ideias Arcanas, canal do tradutor da versão brasileira, adaptada para a crítica.
Essa coerência modular faz com que jogadores veteranos encontrem terreno fértil para experimentações, enquanto novatos não se afogam em complexidade. Você pode montar seu personagem mágico inteiro sem precisar consultar três livros nem rolar uma tabela de efeitos caóticos.
Riscos, Consequências e a Magia como Gatilho Narrativo em Shadow of the Weird Wizard
Outro acerto do sistema é lembrar que magia não deve ser ferramenta neutra. Em Weird Wizard, o uso de feitiços e itens mágicos não é isento de riscos. Alguns efeitos têm consequências inesperadas, temporárias ou permanentes. Essa incerteza está no centro da experiência: conjurar um feitiço importante pode mudar a cena de formas imprevisíveis — às vezes narrativas, às vezes mecânicas.
Isso permite que o mestre (aqui chamado de Sábio) conduza aventuras onde a magia é elemento de tensão — e não só de resolução.
É um contraste marcante com o D&D 5e, onde feitiços se tornaram algoritmos com palavras-chave e tabelas previsíveis. Aqui, a evocação tem gosto de invocação. A magia vibra.
Curva de Aprendizado: Fácil de Começar, Difícil de Largar
Um dos elogios mais recorrentes de quem jogou Shadow of the Weird Wizard é o equilíbrio delicado que ele atinge entre simplicidade e profundidade. O sistema é fácil de explicar em 15 minutos — especialmente porque a base mecânica é intuitiva: jogue 1d20, adicione modificador, avalie se tem dádivas ou reveses. Nada de somar bônus invisíveis, perícias esquecidas ou poderes de classe ocultos na página 249.
E, ainda assim, o sistema não se esgota em sua simplicidade. Muito pelo contrário: cada trilha, cada tradição, cada combinação de talentos abre uma nova estratégia, uma nova micro-história. Um grupo com três magistas e um ladino pode jogar completamente diferente de um grupo com um sacerdote da luz, um guerreiro tribal e um conjurador de ventos.
Mesmo sem perícias, o jogo não perde expressividade narrativa. Os testes são baseados nos quatro atributos (Força, Agilidade, Intelecto, Vontade), mas o contexto da ação é que define se a rolagem é necessária. E, em muitos casos, o uso de talentos ou feitiços substitui completamente o tradicional “teste de investigação” ou “teste de intimidação”.
O jogo ensina você a narrar como parte do sistema, e não como apêndice opcional. Isso, por si só, já o coloca à frente da maior parte dos sistemas mainstream que ainda tratam o narrador como juiz externo, não como parte viva da experiência.
Comparações Implícitas: O D&D que Aprendeu com os Próprios Erros
É impossível não traçar paralelos entre Shadow of the Weird Wizard e Dungeons & Dragons — principalmente as edições 3.5, 4e e 5e, onde Schwalb teve participação direta. Mas o que impressiona é que Weird Wizard não tenta imitá-las: ele as corrige.
- Da 3.5, ele descarta a burocracia.
- Da 4e, preserva as trilhas modulares, como discutido na parte anterior.
- Da 5e, absorve o pragmatismo — mas expulsa o excesso de passividade e preguiça de design.
Enquanto o D&D 5e se debate entre simplificação e repetição, Weird Wizard entrega um jogo que tem começo, meio e fim planejados: do nível 1 ao 10, da missão ao clímax. Não há dragões de papel esperando no nível 20. Há monstros reais. Desafios plausíveis. E finais que podem ser tão sombrios ou heroicos quanto o grupo quiser.
Em comparação com Pathfinder 2e, o contraste é outro: o sistema da Paizo é robusto, mas carregado — Weird Wizard é leve, mas profundo. Um é uma enciclopédia. O outro, uma ópera em três atos.
E talvez seja isso que melhor define o jogo: ele é narrativo por design, tático por consequência e fluido por necessidade. É o RPG de quem ainda acredita que jogar deve ser prazer — não planilha.
O Conteúdo: Fluidez Sistêmica
Se os dois primeiros pilares de Shadow of the Weird Wizard são a criação flexível de personagens e a magia estruturada com liberdade, o terceiro é a sua impressionante capacidade de manter a ação viva sem atrito sistêmico. E aqui entram elementos que muitos jogos tratam como acessórios — perseguições, veículos, terrenos hostis — mas que, neste sistema, recebem o mesmo cuidado editorial que a mecânica de combate.
Perseguições e Veículos: Ação Que Não Fica no Papel
Nada mata uma boa cena de perseguição como regras mal escritas. Em D&D, é comum que uma corrida entre telhados ou uma fuga de carroça vire uma série de testes genéricos de Atletismo com pouco impacto dramático. Weird Wizard, por outro lado, oferece regras práticas e dirigidas à narrativa, permitindo perseguições com progressão clara, tensão crescente e participação ativa de todos os personagens.
As regras de perseguição operam por segmentos de alcance, zonas de vantagem, obstáculos, e uso tático de talentos e magias. Não é preciso montar mapas complexos ou converter distâncias exatas. Tudo é abstraído o suficiente para funcionar — e concreto o suficiente para gerar decisões relevantes.
Já os veículos, mesmo sendo parte menor do Livro Básico, são descritos com estatísticas próprias e regras de manobra. Uma carroça puxada por cavalos tem defesa, pontos de vida, velocidade e, o mais importante, interação mecânica com magias e talentos. Um jogador pode tentar usar Ventos para acelerar uma embarcação ou usar Manipular Fogo para cegar os perseguidores com as brasas de um motor improvisado.
Essa integração entre regras temáticas e ação fluida mostra o que Schwalb faz melhor: ele cria sistemas onde o drama emerge das regras, e não apesar delas.
Campanhas Curtas ou Longas? As Duas, Obrigado Shadow of the Weird Wizard
Um dos argumentos mais repetidos nos elogios ao sistema é sua flexibilidade estrutural para campanhas. O livro propõe um modelo objetivo: cada missão bem-sucedida equivale a um nível de personagem. Isso transforma qualquer arco narrativo em uma escada dramática clara:
- Níveis 1 a 2: Formação do grupo, primeiras ameaças, descobertas pessoais.
- Níveis 3 a 6: Conflitos regionais, decisões morais, consolidação de poderes.
- Níveis 7 a 10: Conspirações, revelações, confrontos com entidades épicas ou metafísicas.
Esse modelo é ideal para campanhas de 10 a 15 sessões — um formato cada vez mais buscado no Brasil, onde a rotina caótica dos jogadores raramente permite campanhas de 3 anos.
Mas também é possível esticar a experiência. Como o jogo não força a progressão imediata nem exige combate para subir de nível, um grupo pode focar em missões investigativas, políticas, diplomáticas — e ainda assim manter um ritmo envolvente.
E ao contrário de sistemas que perdem o fôlego narrativo ao atingir seus níveis mais altos (olá, D&D 5e), aqui o nível 10 é o clímax estrutural, não um limbo de invencibilidade. Ele é projetado para encerrar a história — e não para arrastá-la.
Para o Jogador Brasileiro: Acessível, Traduzido, Coeso
No Brasil, a pergunta que sempre vem à tona é: “Mas e o acesso?”
Neste caso, a resposta é tranquilizadora: Shadow of the Weird Wizard chega ao país pela Tria Editora, em português, com PDF entregue logo após o financiamento bater a meta base (o que já aconteceu). E o mais importante: tudo que analisamos aqui está no Livro Básico. Sem suplementos obrigatórios, sem dependência de expansão para ser jogável. Um único volume — físico ou digital — já permite campanhas completas.
Isso é um divisor de águas num país onde D&D 5e foi descontinuado, Pathfinder é caro e Tormenta20 exige múltiplos livros para uso pleno. Weird Wizard é enxuto, elegante e suficiente.
E mais: a tradução brasileira é digna de nota. O texto flui, os termos são claros, e há esforço real em manter a terminologia coerente. Nada de traduções preguiçosas, glossários inconsistentes ou tabelas mal diagramadas. A experiência de leitura é suave — e isso, no RPG nacional, ainda é exceção.
O Ocupante do Trono Vazio
Há algo quase simbólico na chegada de Shadow of the Weird Wizard ao Brasil em 2025. Ele não é só mais um RPG bem escrito. Ele é uma resposta. Uma afirmação de que o vazio deixado pelo D&D pode — e deve — ser preenchido com algo melhor. Mais maduro. Mais funcional. Mais independente.
Schwalb, que conhece os bastidores da Wizards of the Coast melhor do que ninguém, oferece com Weird Wizard uma alternativa real. Um D20 que não sofre da síndrome do D&D. Um RPG de fantasia que não precisa se desculpar por ser sombrio, mas também não se esconde atrás do niilismo.
E para o jogador brasileiro, que foi abandonado editorialmente pelas grandes marcas, a mensagem é clara: você não precisa de um nome famoso para ter um sistema excelente. O trono está vazio. E Shadow of the Weird Wizard não pede licença para sentar — ele já chegou com a coroa.
Os Responsáveis: Quando um Lendário Designer Encontra uma Editora de Confiança
Poucos designers de RPG vivos têm um currículo tão extenso e relevante quanto Robert J. Schwalb — e menos ainda podem dizer que moldaram as entranhas de três edições diferentes de Dungeons & Dragons. Se Shadow of the Weird Wizard soa como um RPG adulto, elegante e funcional, isso não é por acaso: Schwalb não está “estreando no mercado”. Ele está retomando o controle do jogo.
Designer premiado, Schwalb foi autor ou coautor de títulos como:
- Fiendish Codex II, Drow of the Underdark, Tome of Magic, Elder Evils e Exemplars of Evil, todos para D&D 3.5;
- Coautor do Livro do Jogador 3 da 4ª edição, onde ajudou a introduzir as trilhas heróicas, exemplares e épicas que inspirariam os caminhos de evolução em Weird Wizard;
- Coautor de Divine Power, suplemento da 4e que entrou na lista de mais vendidos do Wall Street Journal em julho de 2009;
- Membro da equipe principal de design da 5ª edição de D&D, tendo também escrito colunas marcantes como o “Demonomicon of Iggwilv” na Dragon Magazine online;
- Criador do aclamado Shadow of the Demon Lord e, mais tarde, do PunkApocalyptic RPG, ambos publicados por sua própria empresa, Schwalb Entertainment.
E isso sem contar seu trabalho em Warhammer Fantasy Roleplay (pela Green Ronin e pela Black Industries), no cenário de Freeport, e no RPG de A Song of Ice and Fire, também pela Green Ronin, cujo sistema de regras foi indicado ao ENnie de Melhor Sistema em 2009. Até mesmo o Judge Dredd & The Worlds of 2000 AD RPG, da EN Publishing, recebeu sua contribuição em 2018.
Schwalb ganhou — ou foi indicado — a mais de dez prêmios ENnie, incluindo ouro e prata por seus trabalhos em Warhammer, The Black Company, Children of the Horned Rat e Elder Evils. Não é exagero dizer que ele foi um dos grandes arquitetos da era moderna do sistema d20.
“Schwalb escreve como quem já viu o fim do sistema d20, sobreviveu, e voltou com um mapa melhor.”
A Tria Editora: Quando uma Promessa Vira Método
No Brasil, Shadow of the Weird Wizard chega pelas mãos da Tria Editora — e aqui não estamos falando de uma aposta editorial esporádica. Estamos falando de um estúdio que cresceu a olhos vistos no ecossistema nacional, com um modelo de negócios que une consistência, curadoria e uma relação saudável com o público.
Entre seus trabalhos mais recentes estão (cada um tem um link com nossa análise sobre):
- Urban Shadows (um dos PbtAs mais elogiados da última década);
- Hopefinder (uma adaptação de Pathfinder para narrativas esperançosas em mundos decadentes);
- Lancer (o colossal RPG tático de mechas);
- Cosmere (ambientado no universo literário de Brandon Sanderson);
- Rõnin, Anime 5e RPG e o futuro Legacy of Dragons.
Não se trata de uma editora caçadora de hype. A Tria trabalha com linhas completas, compromissos de entrega sólidos, e PDFs enviados rapidamente após a meta base de financiamento ser alcançada — como foi o caso de Weird Wizard, cujos arquivos já estão nas mãos dos apoiadores enquanto você lê esta crítica.
Além disso, a Tria é parceira do Artifício RPG no sentido EDITORIAL: nos forneceu acesso ao Livro Básico para análise crítica. Mas, como sempre, a leitura feita aqui é independente, baseada exclusivamente no conteúdo presente no Livro Básico, sem interferência comercial ou editorial. Nossa crítica é sobre o que realmente achamos.
O histórico da editora fala por si: entregas concluídas, comunicação contínua com os apoiadores, e uma produção que equilibra design gráfico moderno com fidelidade ao material original. A tradução de Weird Wizard, por exemplo, mantém a terminologia funcional e acessível, sem escorregar em jargões mal localizados ou soluções apressadas.
Vale a Pena?
Shadow of the Weird Wizard, o financiamento que não promete — já entrega
“Mas será que compensa apoiar um financiamento coletivo em 2025?” A pergunta não é injusta. O mercado brasileiro já sofreu com atrasos infames, PDFs mal diagramados e livros que nunca chegaram. Só que aqui, a resposta parece gritar da própria estrutura do projeto: sim, vale a pena — porque o jogo já está pronto.
Ao contrário de tantas promessas de RPGs que ainda estão “em tradução”, “em diagramação” ou “em fase de adaptação para o mercado nacional”, Shadow of the Weird Wizard chegou ao Catarse com os três livros principais já traduzidos, revisados, diagramados e entregues em PDF no início da campanha. Os apoiadores do Nível 1, com apenas R$ 80, já têm acesso ao Livro Básico, ao Livro do Sábio e ao Livro das Ancestralidades — todos em PDF. E isso já coloca o financiamento em uma posição incomum: não é uma aposta. É uma pré-venda com brindes.
Mais que isso: o conteúdo analisado nesta crítica se baseia exclusivamente no Livro Básico — e já é mais que suficiente para montar uma campanha completa. Em outras palavras: não há dependência dos suplementos para que o jogo funcione. Isso é raro. E bem-vindo.
Economia, entrega e confiança: um novo padrão editorial?
A campanha em si, Shadow of the Weird Wizard ultrapassou 350% da meta, somando mais de R$ 88 mil com 368 apoiadores no dia desta análise, 22 de julho de 2025. A meta base de R$ 25.000 foi batida ainda na primeira semana, e desde então a campanha desbloqueou metas extras consistentes, especialmente missões inéditas (aventuras prontas) — muitas delas exclusivas para quem apoiar agora. E sim, há promessas de que algumas dessas metas não estarão disponíveis depois.
A estrutura de recompensas é clara, modular, e permite upgrades fáceis. Um apoiador do Nível 2 (Livro Básico físico + todos os PDFs) pode migrar para qualquer nível superior pagando apenas a diferença — e tudo isso está bem detalhado na página da campanha. A Tria adotou também uma postura rara de transparência logística: PDFs entregues imediatamente, estimativas realistas para impressão, e prazos que respeitam o histórico editorial da casa.
Vale lembrar: essa é a mesma editora que entregou Lancer em 45 dias após o encerramento da campanha. A mesma que lançou Ronin com 15 dias de intervalo entre o fim do financiamento e a chegada dos livros aos apoiadores. E que agora, com Weird Wizard, alcançou a marca de campanha mais bem-sucedida da editora até o momento.
E em comparação com outros jogos?
Vamos aos fatos. Tormenta 20 exige três livros para funcionar plenamente — sem contar suplementos de cenário e fichas. Pathfinder 2e tem um sistema robusto, mas seu preço e complexidade afastam muitos iniciantes. D&D 5e, descontinuado no Brasil, virou órfão editorial. E mesmo os PDFs pirateados já não dão conta do recado com o avanço das regras de 2024.
Shadow of the Weird Wizard entra nessa arena como um sistema completo em um único livro básico. E mais: com preço justo, narrativa madura e jogabilidade fluida. Um sistema que não exige leitura de 800 páginas nem assinatura de D&D Beyond para ser jogado.
E o mais importante: ele é entregue com suporte total em português, por uma editora com reputação sólida e um plano de publicação que inclui a retomada de Shadow of the Demon Lord — o “irmão sombrio” do jogo, previsto para 2026.
Ou, para colocar de outra forma: não apoiar esse jogo hoje é, talvez, apoiar o silêncio. E o silêncio nunca foi bom para o RPG brasileiro.
Informações de Lançamento
Status do Projeto
- Título: Shadow of the Weird Wizard
- Editora responsável: Tria Editora (Belo Horizonte, MG)
- Formato: Financiamento coletivo via Catarse
- Modelo de campanha: Tudo ou nada
- Período de apoio: de 08 de julho a 05 de setembro de 2025
- Meta base: R$ 25.000 (já atingida)
- Arrecadação até 22/07: R$ 88.949, com 368 apoiadores
- Situação atual: PDF do Livro Básico já entregue aos apoiadores
Conteúdo Garantido na Meta Base
- Livro Básico (digital e impresso)
- Livro do Sábio (digital e impresso)
- Livro das Ancestralidades (digital e impresso)
- Escudo do Mestre (impresso)
- Todas as metas digitais desbloqueadas até o momento
Principais Níveis de Apoio (valores em 22/07/2025)
- Nível 1 — R$ 80: PDF dos três livros principais e metas digitais
- Nível 2 — R$ 210: Livro Básico impresso + PDFs
- Nível 3 — R$ 410: Livro Básico e Livro do Sábio impressos + PDFs
- Nível 4 — R$ 485: Inclui também o Livro das Ancestralidades impresso
- Nível 5 a 9 — R$ 570 a R$ 890: Itens adicionais como escudo, dados, mapa em tecido, fichas destacáveis e camiseta
Economia para apoiadores
- Descontos de até R$ 365 comparado ao preço final estimado
- PDFs entregues imediatamente após apoio
- Livros físicos com previsão de envio para dezembro de 2025
🔗 Link da campanha oficial:
E agora, a pergunta que ninguém mais faz (mas deveria):
Você vai esperar mais um “novo D&D”, ou vai apoiar um RPG que já nasceu clássico?
Porque sim, Shadow of the Weird Wizard, junto com o Castle & Crusades, podem ser os primeiros RPGs de fantasia medieval que chegam ao Brasil nos últimos anos com estrutura, elegância e personalidade suficientes para viver por conta própria — sem depender de licenças, nostalgia ou promessas de franquia.
A escolha está sobre a mesa. E, desta vez, ela vem com 10 níveis de profundidade, 33 tradições mágicas, e um mundo inteiro esperando para ser desbravado.