A Revolução Criativa do RPG: Como Contar Histórias Transforma Pessoas e Comunidades
Por: Paulo “Faren” Lima

Postado em 

10/02/2025

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10:39

 

RPG de mesa é uma dessas maravilhas que só existem porque o ser humano é um bicho fabuloso: um animal que conta histórias. Nós inventamos heróis para fugir da vida medíocre, vilões para projetar nossos medos, mundos fantásticos para encontrar sentido na realidade. E dentro desse impulso de transformar a vida em arte, surgiu o Role-Playing Game.

Você senta em volta de uma mesa com amigos, pega uma ficha rabiscada, joga um dado e, de repente, não é mais você. É um guerreiro de armadura reluzente, uma feiticeira com olhos brilhando de poder, um ladino sibilante que caminha entre sombras. As palavras moldam o mundo, os dados decidem destinos, e a imaginação constrói um universo que, por algumas horas, se torna mais real que o próprio mundo lá fora.

O RPG de mesa nasceu no meio dos anos 70, quando um bando de nerds, liderados por Gary Gygax e Dave Arneson, resolveu transformar as guerras de miniaturas em algo mais narrativo. Assim nasceu Dungeons & Dragons, o jogo que é pai e mãe de todos os outros. De lá pra cá, o RPG evoluiu, se dividiu, virou uma miríade de sistemas, cada um contando histórias de jeitos diferentes. Mas a essência é sempre a mesma: um grupo de pessoas criando uma história juntas, guiadas por regras e pela imprevisibilidade dos dados.

É teatro improvisado sem palco, literatura coletiva sem escritor definido, um jogo onde não se ganha nem se perde. O RPG é um paradoxo em si: um jogo sem vencedor, uma competição sem adversários, uma experiência onde o objetivo não é vencer, mas viver – nem que seja na pele de um paladino condenado, um bruxo amargurado ou um goblin metido a besta.

Mas o que é preciso para jogar RPG? Nada além de vontade de imaginar. Ok, tecnicamente, você precisa de um conjunto de regras – que podem ser mais simples ou complexas, dependendo do sistema. Dados multifacetados, os famosos d20s e d6s, ajudam a determinar os resultados das ações dos personagens. E claro, um grupo de jogadores e um Mestre, que será responsável por narrar a história, apresentar desafios e interpretar personagens coadjuvantes.

Cada sessão de RPG é um exercício de criatividade coletiva. Alguns sistemas se baseiam na interpretação e resolução de mistérios, como Chamado de Cthulhu, onde investigadores lidam com horrores cósmicos e loucura iminente. Outros apostam em narrativas épicas e batalhas estratégicas, como Tormenta20 e Pathfinder. E há ainda aqueles que fogem completamente do convencional, como Fate, que permite aos jogadores moldarem a trama em tempo real com aspectos narrativos flexíveis.

E não, não é um jogo para crianças – apesar de crianças jogarem. Não é coisa de nerd – apesar dos nerds adorarem. Não é um jogo de tabuleiro – apesar de precisar de mesa. É uma experiência humana, um reflexo do que somos: criaturas que precisam de histórias para fazer sentido do caos.

O pessoal do The Big Bang Theory jogando RPG de Mesa
O pessoal do The Big Bang Theory jogando RPG de Mesa

Jogar RPG é um ato de rebeldia. Num mundo que nos prende em contas, boletos e currículos, sentar para contar histórias é um grito de liberdade. E se você nunca jogou, faça um favor a si mesmo: abra um livro de regras, junte uns amigos e jogue os dados. Porque a vida já é dura o suficiente sem um pouco de fantasia.

Afinal, em tempos onde a realidade nos esmaga com a dureza do cotidiano, nada é mais subversivo do que criar um universo onde tudo é possível. Ser um herói, salvar reinos, desafiar deuses. O RPG de mesa nos dá a chance de viver múltiplas vidas em uma só. E convenhamos: se a gente só tem essa vida, por que não fazer dela uma grande história?

A História do RPG de Mesa

Tudo começou com um punhado de sonhadores. Eles não sabiam que estavam criando algo revolucionário. Para eles, era só mais um jogo, um experimento com regras, miniaturas e estratégias de guerra. Mas, como toda boa história, a invenção do RPG de mesa foi um ato de desafio contra a mesmice.

A década de 1970 fervilhava de mudanças. Os jovens queriam fugir da rigidez dos velhos sistemas e criar seus próprios mundos. Entre eles, Gary Gygax e Dave Arneson, dois nomes que viriam a se tornar lendas. Inspirados por jogos de guerra e literatura de fantasia, eles deram vida ao primeiro sistema de RPG: Dungeons & Dragons, publicado em 1974.

Era um jogo diferente de tudo que existia. Em vez de simplesmente mover exércitos e calcular estratégias, os jogadores encarnavam personagens individuais. Um guerreiro em busca de glória, uma maga fugindo de seu passado, um ladino com promessas não cumpridas. Os dados eram os únicos judicies, os Mestres de Jogo os arquitetos do destino, e a imaginação, a matéria-prima de tudo.

Mas, como toda ideia inovadora, o RPG de mesa enfrentou resistência. Nos anos 80, movimentos religiosos viram nele uma “ameaça”. O pânico satânico se espalhou nos Estados Unidos, e Dungeons & Dragons foi acusado de ser uma porta para a perdição. Mas nem mesmo a paranoia coletiva conseguiu frear seu crescimento. Os jogadores continuaram jogando, os mundos continuaram sendo criados, e a imaginação continuou resistindo.

Até Terry Crews, o Pai do Cris, joga RPG
Até Terry Crews, o Pai do Cris, joga RPG

O RPG então se multiplicou. Vieram outros sistemas, outros universos. Vampiro: A Máscara trouxe a narrativa sombria do horror pessoal. GURPS ofereceu uma flexibilidade sem igual, permitindo campanhas de ficção científica, medieval e contemporânea no mesmo sistema. Chamado de Cthulhu trouxe o horror de H.P. Lovecraft para as mesas de jogo.

Hoje, RPG de mesa é um fenômeno global. Jogadores de todas as idades e culturas embarcam em aventuras, seja com livros clássicos, seja com sistemas indie modernos, seja online com ferramentas digitais. Mas a essência continua a mesma: contar histórias, construir mundos, desafiar a realidade.

O RPG de mesa sobreviveu à década de 70, atravessou os anos 80, se popularizou nos 90 e encontrou um novo lar no século XXI. Hoje, é mais do que um jogo. É uma experiência cultural, um refúgio para os que querem ser mais do que o cotidiano lhes permite.

E se você ainda não jogou, saiba que essa história ainda está sendo escrita. O próximo capítulo pode ser seu.

O RPG de Mesa no Brasil

O Brasil sempre teve um fascínio por histórias. Somos um povo que transforma o cotidiano em narrativa, que fala por metáforas, que enfeita a realidade com exageros poéticos. Desde os tempos coloniais, nossas lendas, contos e mitos se espalharam como redes invisíveis, conectando gerações. Era apenas questão de tempo até que o RPG de mesa encontrasse seu espaço por aqui.

Nos anos 80, o jogo começou a dar seus primeiros passos em terras brasileiras. Importado por aficionados da cultura nerd, Dungeons & Dragons e GURPS chegaram timidamente, conquistando pequenos grupos de jogadores dedicados. As regras eram complexas, os livros importados eram caros, mas nada disso impediu que a semente do RPG começasse a germinar. As primeiras sessões eram clandestinas, organizadas em garagens, livrarias especializadas e clubes fechados. Quem jogava sentia estar participando de algo grandioso, um segredo compartilhado apenas entre aqueles que tinham coragem de explorar a imaginação.

Foi nos anos 90 que o RPG explodiu de vez no Brasil. Com a tradução e publicação de jogos pela Editora Abril e mais tarde pela Devir, o país entrou de vez no mundo dos Role-Playing Games. As bancas de jornal, antes reduto de revistas em quadrinhos e almanaques, passaram a vender suplementos de RPG. O sucesso era tanto que títulos como Vampiro: A Máscara e O Chamado de Cthulhu ganharam versões brasileiras, alimentando ainda mais o imaginário dos jogadores.

Tormenta foi um dos primeiros universos originais brasileiros a ganhar força. Criado por autores nacionais como Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e J. M. Trevisan, o cenário se tornou um fenômeno e ajudou a consolidar o mercado nacional. Tormenta não era apenas um jogo – era um movimento. Ele provou que era possível criar e vender RPG nacionalmente, inspirando gerações de novos criadores.

Nos anos 2000, com a internet se popularizando, o RPG começou a se expandir ainda mais. Fóruns, blogs e comunidades virtuais deram aos jogadores um espaço para discutir regras, criar campanhas e compartilhar suas experiências. A pirataria, por um lado, ajudou a disseminar o hobby, tornando livros e sistemas acessíveis a uma base maior de jogadores, enquanto por outro representava um desafio para editoras e criadores de conteúdo. Ainda assim, a resistência do RPG brasileiro era inegável. Mais do que um jogo, ele se tornava uma cultura própria.

Hoje, o RPG brasileiro vive um de seus melhores momentos. O financiamento coletivo viabilizou a criação de dezenas de sistemas nacionais, e plataformas como Roll20 e Foundry permitiram que grupos jogassem juntos independentemente da distância. Jogos indies estão surgindo com uma força impressionante, e autores brasileiros estão finalmente recebendo o reconhecimento merecido. Em 2020, com a pandemia global forçando as pessoas a ficarem em casa, o RPG online teve um crescimento exponencial, criando uma nova era para o hobby no Brasil. O que antes era restrito às mesas físicas agora ganhou o mundo digital.

Stranger Things jogando RPG
Stranger Things jogando RPG

Mas o RPG no Brasil ainda enfrenta desafios. O mercado, embora em crescimento, continua sendo um nicho. Os livros são caros, e o acesso a materiais de qualidade ainda é limitado para muitos jogadores. Poucas editoras nacionais conseguem se manter com a publicação exclusiva de RPGs, e a maioria dos criadores precisa recorrer ao financiamento coletivo ou autopublicação para colocar suas obras no mercado. Por outro lado, a criatividade do brasileiro nunca se deixou limitar por dificuldades. Mestres improvisam fichas, jogadores criam campanhas sem precisar de materiais físicos, e a paixão pelo jogo segue viva.

Além disso, a representatividade também tem ganhado espaço no RPG brasileiro. Cada vez mais surgem jogos abordando temáticas afro-brasileiras, indígenas e regionais, trazendo para as mesas narrativas que refletem a diversidade do país. De jogos inspirados no cangaço a histórias baseadas no folclore nacional, o Brasil tem mostrado que pode criar RPGs com identidade própria, sem precisar apenas importar modelos estrangeiros.

E agora, uma nova revolução está em curso. O Artifício RPG surge como parte dessa transformação, trazendo um novo fôlego para o cenário nacional. Com a missão de democratizar o acesso ao RPG, fortalecer a comunidade e incentivar a criação de conteúdo original, o Artifício RPG se coloca como um ponto de encontro para jogadores, mestres e criadores. Seu compromisso vai além de ser apenas uma plataforma: é um convite para a reinvenção constante do hobby no Brasil.

O futuro do RPG de mesa no Brasil está em nossas mãos. Cada nova mesa formada, cada história criada, cada jogador que descobre o hobby ajuda a fortalecer esse universo. O RPG não é só um jogo – é um espaço de resistência criativa, um convite para sonhar acordado. E se tem algo que sabemos fazer bem, é transformar o improvável em realidade.

Os Benefícios de Jogar RPG de Mesa

Jogar RPG de mesa não é apenas um passatempo ou um refúgio para nerds. É um exercício mental, uma ferramenta de desenvolvimento pessoal, um laboratório social. É um espaço onde a criatividade, a empatia e o pensamento estratégico se encontram e se moldam de forma orgânica. E, acima de tudo, é um instrumento de transformação.

Crianças jogando RPG
Crianças jogando RPG

Desenvolvimento Cognitivo e Criatividade

RPG é um convite à imaginação. Em um mundo onde a criatividade muitas vezes é sufocada por rotinas burocráticas e obrigações pragmáticas, sentar-se à mesa e construir histórias coletivamente é um ato de resistência. Jogadores criam personagens, desenvolvem enredos, pensam em soluções para desafios impostos pelo Mestre do Jogo e constroem mundos inteiros a partir de palavras e dados.

Além disso, as habilidades cognitivas são constantemente estimuladas. Memória, planejamento, resolução de problemas e tomada de decisões são exercitados a cada nova sessão. Um jogador de RPG precisa pensar rápido, avaliar riscos e encontrar soluções criativas para problemas inesperados.

Empatia e Desenvolvimento Social

Interpretar personagens com diferentes perspectivas ensina empatia. No RPG, você pode ser um guerreiro que perdeu tudo e busca redenção, um mago solitário que teme a rejeição ou um ladrão desesperado tentando sobreviver. Cada personagem traz consigo uma história, e o jogador aprende a enxergar o mundo pelos olhos de outra pessoa.

A comunicação também é essencial. O RPG exige negociação, colaboração e trabalho em equipe. Os jogadores precisam ouvir, respeitar turnos de fala e construir narrativas coletivas. Isso melhora habilidades interpessoais e torna o RPG uma ferramenta poderosa para quem deseja aprimorar sua capacidade de diálogo e argumentação.

Redução do Estresse e Saúde Mental

O RPG é terapêutico. A imersão em um mundo fictício pode ser um alívio bem-vindo para o estresse cotidiano. Jogar permite que as pessoas expressem emoções, explorem traumas de maneira segura e encontrem um espaço de pertencimento. Muitos jogadores relatam que o RPG os ajudou a superar momentos difíceis, seja por meio da comunidade acolhedora que encontraram, seja pela catarse emocional proporcionada pelo jogo.

Pensamento Estratégico e Tomada de Decisão

Os desafios do RPG muitas vezes exigem planejamento e pensamento estratégico. Jogadores precisam administrar recursos, avaliar riscos e tomar decisões sob pressão. Isso reflete em habilidades úteis para a vida real, como planejamento financeiro, organização pessoal e tomada de decisões complexas.

Educação e Aprendizado

Professores ao redor do mundo já perceberam o potencial educativo do RPG. Ele pode ser usado para ensinar história, matemática, literatura e até línguas estrangeiras. Muitos sistemas de RPG incluem elementos históricos e científicos, tornando o aprendizado algo natural e envolvente.

No Brasil, projetos como Artifício RPG buscam integrar o RPG ao ambiente educacional e social, trazendo essa ferramenta poderosa para escolas, bibliotecas e espaços comunitários. Acredita-se que, ao trazer o RPG para esses espaços, é possível desenvolver o pensamento crítico e fortalecer o senso de identidade e pertencimento dos jogadores.

Um Jogo que Transforma

No final das contas, o RPG é mais do que um jogo. Ele é um convite à imaginação, à colaboração e ao crescimento pessoal. Para muitos, é um refúgio, um espaço seguro para explorar emoções, viver aventuras e compartilhar histórias. Para outros, é uma ferramenta de aprendizado e um meio de desenvolver habilidades que ecoam para além da mesa de jogo.

Seja como uma forma de lazer ou uma ferramenta de transformação, o RPG de mesa continua a provar que contar histórias juntos é um dos atos mais poderosos que um grupo de pessoas pode realizar. E, no fim das contas, o maior benefício do RPG é esse: ele nos lembra que somos, antes de tudo, criaturas que precisam de histórias para dar sentido à vida.

Sobre o Autor

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Paulo "Faren" Lima

Considera RPG terapia, trabalha na Stone Co, viciado em processos, nascido e criado no Tocantins, narra em The Witcher.

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