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Lançamento do Prometido Daggerheart do Critical Role

Arte épica de Daggerheart com elfa, criatura sombria e o texto Lançamento Daggerheart
Com tradução nacional, Daggerheart chega ao Brasil trazendo o universo da Critical Role para novas mesas de jogo

Em 20 de maio de 2025, a Darrington Press, editora vinculada ao fenômeno Critical Role, lançou oficialmente o tão aguardado RPG de mesa Daggerheart. Após um período de testes abertos iniciado em março de 2024, o jogo chegou ao mercado com a promessa de oferecer uma experiência inovadora, centrada na narrativa e na dualidade emocional dos personagens.

Personagens de fantasia reunidos em pose épica com criaturas mágicas e cenário montanhoso
Elfos, guerreiros e criaturas mágicas compõem a estética narrativa de Daggerheart

Daggerheart apresenta um sistema único de resolução de ações baseado na jogada de dois dados de 12 lados: um representando a Esperança e o outro o Medo. Essa mecânica visa criar consequências significativas para cada decisão dos jogadores, promovendo uma narrativa mais envolvente e imprevisível, de acordo com o Polygon.

O jogo está disponível em duas edições:

  • Edição Padrão: Inclui um livro de regras com aproximadamente 300 páginas e um baralho de 279 cartas ilustradas que representam ancestrais, comunidades, subclasses e domínios.
  • Edição Limitada: Além dos itens da edição padrão, oferece uma capa alternativa, um escudo do mestre, um conjunto exclusivo de dados e fichas, e uma caixa de armazenamento com design especial.

As versões físicas podem ser adquiridas através do site oficial daggerheart.com, lojas parceiras da Darrington Press Guild e outras lojas especializadas. A versão digital está disponível nas plataformas Demiplane e DriveThruRPG.

Para os fãs brasileiros, a Jambô Editora anunciou a tradução do jogo para o português, ampliando o alcance do Daggerheart no mercado nacional.

Além do lançamento do jogo, a Critical Role anunciou a minissérie Age of Umbra, ambientada no universo de Daggerheart. Com estreia marcada para 29 de maio de 2025, a série contará com a participação dos membros originais do Critical Role, explorando as possibilidades narrativas do novo sistema.

Com uma proposta que busca equilibrar mecânicas robustas e liberdade narrativa, Daggerheart se apresenta como uma alternativa interessante para os entusiastas de RPG que desejam explorar novas dinâmicas de jogo.

O sistema que prometeu quebrar o dado de vinte lados: esperança, medo e o fetiche da ilusão interativa

O mundo não precisava de mais um RPG de fantasia. Mas nós precisávamos de algo para projetar nossos traumas narrativos, os fracassos emocionais que chamamos de “personagens”. Não jogamos RPG para contar histórias. Jogamos para contar a nós mesmos uma mentira que talvez, só talvez, pareça mais interessante do que a nossa própria existência. Foi com essa ferida ainda aberta que a Darrington Press lançou Daggerheart — e não como um bálsamo, mas como uma tentativa de reinvenção daquilo que, no fundo, ninguém quer ver reinventado: o próprio hábito de jogar.

Daggerheart chega embalado numa caixa de promessas e cartas plastificadas. Não apenas cartas físicas, mas cartas simbólicas — as do baralho da utopia mecânica. Um jogo que ousa colocar dois dados d12 em nossas mãos e pedir que os chamemos de “Esperança” e “Medo”, como se estivéssemos num oráculo lúdico, prestes a desvendar o mistério mais íntimo: o de como fracassar belamente.

A mecânica central do jogo, explicada quase como um sussurro ritualístico em seu manual, gira em torno da rolagem desses dois dados contrastantes. Um representa o bem, o outro o mal. O yin e yang das campanhas de fantasia. Mas a realidade é mais banal: são apenas dois números jogados no pano verde da ilusão, somados mecanicamente, com efeitos narrativos que se desdobram conforme a dominância do dado de Esperança ou do dado de Medo.

Há quem tenha confundido essa mecânica com o já conhecido sistema de Vantagem e Desvantagem do Dungeons & Dragons 5e, ou mesmo com o dualismo simbólico do sistema Genesys, como apontado nos comentários do fórum da ENWorld. Mas essa comparação, ainda que compreensível, falha em captar a nuance. O jogo não busca eficiência matemática. Ele busca emoções. Ele não quer que você vença — quer que você sinta. Não importa se foi sucesso ou falha. Importa se doeu.

E é aí que reside o fetiche. Daggerheart não tenta apenas ser um jogo. Ele tenta ser um espelho emocional. Ele quer que você seja atingido por suas escolhas como se fosse uma confissão íntima. Os pontos de Esperança acumulam-se como promessas não cumpridas, armazenadas num canto do coração do personagem. Já os pontos de Medo, que o mestre pode gastar como se fosse um tirano com poderes limitados, são a metáfora viva de como nossas falhas constroem nossos algozes.

A mecânica do Hope/Fear, em si, é simples. Role os dois d12, adicione modificadores — muitas vezes representados por tokens lançados junto com os dados — e veja se o resultado supera a dificuldade proposta pelo mestre. Mas o twist está na hierarquia entre os dados. Se a Esperança vence, há uma recompensa narrativa. Mesmo na falha, algo se salva. Se o Medo triunfa, a sombra da consequência paira — e sim, ela aparece mesmo quando se acerta. O sucesso contaminado é, talvez, o conceito mais elegante que Daggerheart nos oferece. Um lembrete de que nem todo acerto vem sem rachadura.

Essa nuance foi destacada por usuários como TwoSix no fórum da ENWorld, que apontaram que os dados da dualidade não são meras adaptações do “Vantagem / Desvantagem”. Eles são o próprio cerne do sistema. O jogo até possui sua própria regra de vantagem, mas ela é separada — envolve um d6 que adiciona ou subtrai valor. Os dados de Esperança e Medo têm papéis fixos, são identificáveis visualmente, e contam histórias separadas a cada jogada.

No entanto, não é só isso que define a proposta. O sistema também propõe um tipo de jogo assimétrico: mestres e jogadores não jogam com as mesmas regras. Enquanto os jogadores vivem sob a tensão entre luz e trevas, o mestre joga com um d20, solitário e autoritário. O narrador se alimenta da energia gerada pelos fracassos dos personagens — o que não deixa de ser poeticamente cruel.

E não há iniciativa. Não há rodada. Não há turnos fixos. O combate é conduzido pela fluidez narrativa e pela administração dos recursos emocionais do grupo. Os antagonistas agem quando o Medo surge, ou quando o mestre decide que já houve Esperança demais. O mundo é, enfim, uma resposta às escolhas dos jogadores, não ao equilíbrio artificial de regras engessadas. Essa é a proposta, ao menos no papel.

Na prática, há um preço a se pagar. Como afirmou OB1, um dos comentaristas da ENWorld, há um risco estrutural em atrelar o fluxo narrativo ao acaso de dois dados de doze lados. Um sistema que pretende equilibrar emoção e agência pode acabar refém do próprio caos que pretende romantizar. Afinal, se cada jogada muda a maré da história, quem realmente conduz a trama? O mestre ou os dados?

A tensão entre narrativa emergente e planejamento prévio é latente. A própria mecânica de worldbuilding colaborativo, um dos pontos mais elogiados do jogo, nasce no Session Zero, onde jogadores são convidados a nomear locais no mapa e a propor lendas locais. Isso, que deveria ser revolucionário, é algo que mestres improvisadores já faziam desde os tempos de GURPS com cafezinho. A diferença é que agora virou feature. Virou mecânica. Virou produto.

E o produto é sedutor. O manual impresso com quase 300 páginas em papel couché, as cartas ilustradas que substituem as habilidades escritas — todas essas decisões de design convergem para um ponto: a tentativa de transformar o RPG em um objeto de consumo pleno. Onde até o improviso tem formato de carta. Onde até a incerteza é embalada num box premium.

Três cartas do RPG Daggerheart com habilidades, feitiços e ilustrações coloridas
Daggerheart entrega narrativa pronta para uso — basta puxar uma carta e construir o drama

Há beleza nisso? Talvez. Mas também há controle. E isso se percebe na própria administração do dano. Daggerheart introduz um sistema com três níveis de ferimentos: menor, maior e severo. O valor bruto do dano precisa ser convertido para esses patamares conforme a “tabela de conversão” do personagem. Um Druida que sofre 12 de dano recebe um ferimento maior. Se tomar 15, já é um severo. E como o jogo lida com cura, armadura e defesa? Da mesma forma: como economia de risco e custo, como contabilidade afetiva. Cada ponto importa. Cada consequência sangra. É matemática emocional.

O RPG quer que sintamos algo. Mas o que ele nos faz sentir é um reflexo da própria ansiedade moderna: a necessidade de transformar toda ação em algo significativo. Daggerheart entende o jogador contemporâneo como um contador de histórias ansioso por catarse. E entrega isso — por bem ou por mal.

Talvez por isso o jogo tenha atraído tanto a atenção de quem está saturado de D&D. O próprio site da Darrington Press oferece um playtest gratuito para quem quiser experimentar. E há quem diga que o sistema SRD do jogo, como relatou nyvinter, está surpreendentemente aberto para quem quiser publicar conteúdo. Uma mudança tática de Darrington para fugir do desastre da OGL que traumatizou boa parte da comunidade em 2023.

Mas não nos enganemos: por trás da ilusão de abertura, ainda há as cartas. As caixas. Os tokens. A produção visual mimetiza a estética dos jogos de tabuleiro. A tentativa de domesticar o caos narrativo num formato vendável. Porque hoje, mais do que viver histórias, queremos comprá-las.

E talvez essa seja a ironia final de Daggerheart: ele quer nos libertar com regras que parecem libertárias, mas nos prende num design meticulosamente calculado para ser bonito no Instagram.

O dado de Esperança brilha. O dado de Medo sussurra. Mas, no fim, os dois caem na mesma mesa. E o que fazem, como sempre, é nos lembrar que nem toda narrativa emergente é, de fato, uma escolha. Às vezes, é só outra jogada que já foi decidida por alguém, muito antes de você pensar em rolar.

Cartas marcadas: a estética do controle em um RPG que finge ser livre

Você acorda em um campo aberto. O mestre pede que descreva o lugar, seus cheiros, sua temperatura, sua estranheza. Você hesita. Pega uma carta. Lê. Interpreta. E, como quem lê uma profecia que você mesmo escreveu sem saber, diz: “O chão tem folhas mortas, o ar é quente, e um som de sinos distantes corta o vento.” E então sorri, não porque foi criativo, mas porque a carta lhe deu permissão para ser.

Essa é a lógica subjacente de Daggerheart, o RPG que se vende como libertário, mas que constrói seus castelos narrativos sobre fundações de papelão plastificado. Um sistema feito de 279 cartas — ancestrais, comunidades, subclasses, domínios. Você não escolhe. Você compra. Ou baixa, se estiver jogando a versão digital. Mas o gesto de curvar-se à carta é sempre o mesmo. A liberdade virou um bem ilustrado, encaixotado e com borda dourada.

Daggerheart, como produto, é genial. Não se engane: ao condensar a construção de personagem em um baralho funcional, ele resolve uma série de entraves antigos do RPG tradicional. Fichas confusas? Não mais. Consultas ao manual a cada turno? Nunca mais. Decisões sobre habilidades e magias? Basta ler, selecionar e colocar na mesa. Parece libertador. Mas o que chamamos de libertação é, muitas vezes, apenas uma nova forma de submissão.

Os playbooks de Daggerheart, por exemplo, substituem a velha ficha de personagem. Cada classe — seja um Guerreiro, Bardo ou Mago — vem com um manual de 20 páginas. VINTE PÁGINAS. Isso mesmo: o que deveria ser uma abstração mecânica do personagem se transforma num pequeno tratado sobre como jogar como aquele arquétipo. Tal como os playbooks do Powered by the Apocalypse, mas agora com verniz high fantasy e o toque teatral da Critical Role.

As cartas de Domínio são a parte mais sofisticada (e, para mim, mais angustiante) dessa estrutura. Cada classe tem dois Domínios possíveis. O Mago, por exemplo, pode escolher entre “Codex” e “Esplendor”. O Guerreiro, entre “Lâmina” e “Osso”. Essas palavras não são meros rótulos: elas definem as capacidades mecânicas e narrativas do personagem até o final da campanha. E você, como jogador, precisa selecionar suas primeiras duas cartas de Domínio logo no primeiro nível. Sem conhecimento prévio. Sem contexto. É como assinar um contrato de casamento no escuro.

A cada nível, novas cartas são adicionadas. E, ao subir de nível, você pode — olha só que moderno — substituir cartas antigas por novas. Não é só subir de nível: é fazer curadoria de si mesmo. O personagem torna-se um curador de sua própria experiência. Um influenciador de atributos.

E isso não é acidental. Como apontamos no artigo aqui do Artífice RPG, a estética de Daggerheart é produto de um desejo deliberado da Darrington Press de diferenciar-se do legado de D&D. Mas essa diferenciação é apenas visual. No fundo, a estrutura de modularidade com blocos rígidos é ainda mais presente aqui. O livro, mesmo com quase 300 páginas, não contém todas as informações — porque elas estão nas cartas. O jogo físico exige o uso das cartas. E mais: em futuras expansões, novos Domínios e Ancestrais virão acompanhados de novos baralhos. Novos decks. Novas aquisições.

A crítica, evidentemente, não é à materialidade das cartas em si. Jogos de cartas colecionáveis sempre exploraram essa lógica — de Magic: The Gathering até Gloomhaven. A crítica é à dissonância entre a proposta e o método. Daggerheart se vende como um sistema de improviso, de worldbuilding colaborativo, de narrativa emergente. Mas entrega um framework fechado, modular, onde até a improvisação vem numa carta pré-moldada. É a ilusão do improviso, embalada num deck de 279 artefatos com selo de fábrica.

E por que isso funciona? Porque é bonito. Porque é acessível. Porque joga com o emocional de quem está cansado de decorar páginas de regras. Porque, como observou Elvish Lore no ENWorld, o sistema é intuitivo, as cartas são claras, e o design é amigável. Sim, é funcional. Mas é livre?

A função do baralho em Daggerheart não é só mecânica. É simbólica. É o jogo dizendo: “Você pode criar, mas dentro dessas margens. Você é criativo, desde que aceite o conjunto de peças que te dou.” O personagem, assim como o jogador, torna-se um arquiteto com material padronizado. Pode construir qualquer coisa — desde que use os tijolos homologados pela editora.

E esse controle estético se estende à ambientação. O mundo de Daggerheart, batizado de Core Realms, carrega o mesmo ethos das cartas. Um universo que, embora apresentado como vasto e épico, é meticulosamente roteirizado para facilitar o encaixe das classes e Domínios existentes. Os Reinos Mortais, criados por Divindades Esquecidas e hoje ameaçados por fendas dimensionais abertas por mau uso de magia, são o pano de fundo perfeito para aventuras que cabem exatamente nas cartas disponíveis. Não é que o cenário limite a criatividade — é que ele a direciona. O jogador cria mundos, sim — mas mundos que, por coincidência, sempre têm espaço para as mesmas 189 habilidades ilustradas.

E o mais curioso é que, ao fazer isso, o jogo acerta onde muitos erraram: ele democratiza a customização de personagem. Um novo jogador pode montar seu Mago sem saber nada sobre magias. Um veterano pode otimizar seu Guerreiro comparando cartas como quem monta um deck de TCG. Mas essa acessibilidade tem um preço: a substituição do livre-arbítrio pela escolha entre opções predeterminadas. A liberdade do século XXI.

Mesmo os aspectos mais sutis do jogo — como a forma como armaduras e recursos são gerenciados — refletem essa lógica de modularidade mecânica. Armadura não é só um número de Defesa: é um recurso que pode ser consumido. Gastar pontos de armadura reduz dano. E cada classe possui meta-moedas diferentes para usar suas habilidades: Esperança, Estresse, Tokens. É um sistema econômico de emoções. E como toda economia, precisa de controle para não desandar.

A experiência de jogo, então, torna-se uma gestão de recursos emocionais e narrativos. O personagem é um gerente de si. O jogador, um administrador de sua própria catarse. O mestre, um facilitador de um teatro onde todos têm papéis definidos e um número limitado de improvisações por sessão.

Quando se observa o conjunto completo da experiência proposta — livro de regras, cartas, tokens, baralhos, playbooks — a sensação não é de liberdade criativa. É de uma engenharia emocional altamente calibrada para parecer liberdade. É como o mundo de Westworld, onde tudo parece real, mas cada escolha foi programada com antecedência.

A edição limitada do jogo, que inclui dados personalizados, escudo do mestre e um bloco de fichas, é o ápice dessa estética. Disponível por US$149,99, ela não entrega novos conteúdos. Apenas reafirma a ideia de que o valor do jogo está na forma, não na invenção. A narrativa emerge, sim, mas apenas até o limite onde ela não contradiz a estética.

Há quem celebre esse equilíbrio entre forma e função. Há quem o veja como uma traição da proposta original do RPG. Eu, pessoalmente, vejo como um espelho da nossa cultura atual: hipercontrolada, hipervisual, onde cada liberdade precisa estar empacotada e aprovada. Onde até a improvisação vem com manual.

Daggerheart quer que você crie. Mas cria melhor quem tem mais cartas. E o que era para ser um sopro de liberdade virou, lentamente, mais um produto do mercado da imaginação domesticada.

A tradução como promessa: quando o português tenta domar a linguagem da esperança e do medo

A ficção, dizem, é aquilo que se perde na tradução. Mas o RPG — essa arte coletiva de narrar em voz alta o que nos falta por dentro — talvez seja a única ficção que se intensifica ao atravessar idiomas. Porque o que traduzimos não são palavras: são possibilidades. E é nesse território entre vocabulários e vocações que se insere o anúncio que abalou discretamente as colunas do RPG brasileiro: Daggerheart será lançado em português pela Jambô Editora.

Sim, a mesma Jambô que nos deu Tormenta, 3D&T, Fabula Ultima e, mais recentemente, a versão nacional de Candela Obscura. Ela agora veste a armadura da Darrington Press e promete trazer para o Brasil o jogo que nasceu do coração de Critical Role. Mas o que isso significa, exatamente? Vamos desembrulhar esse oráculo linguístico com o mesmo cuidado que se manuseia uma carta de Domínio inédita.

A confirmação do lançamento nacional foi publicada oficialmente pela Jambô no dia 20 de abril de 2025, através de um release enviado a influenciadores e parceiros comerciais. Segundo o comunicado — que, aliás, foi reproduzido com detalhes no artigo do Joga o D20 — cerca de 75% da tradução do Livro de Regras já estava concluída naquela data. Uma informação que, por si só, já carrega um subtexto otimista: o lançamento nacional está mais perto do que parece.

Mas não se iluda com os números. Traduzir 75% de um livro como Daggerheart não é o mesmo que converter um manual técnico ou uma novelinha pulp. Estamos falando de um RPG que foi construído sobre uma linguagem simbólica carregada de emoção, nuance e teatralidade. Termos como “Hope Die” e “Fear Die” não são apenas nomes de dados — são partes estruturais de um ethos narrativo. São arquétipos embutidos na própria rolagem. Como traduzir isso sem transformar a Esperança em um slogan e o Medo em um clichê?

A Jambô, que já demonstrou competência na adaptação de sistemas complexos como Tormenta20, Ordem Paranormal e Candela Obscura, parece consciente desse desafio. Até agora, não foram divulgados os termos oficiais que substituirão “Hope” e “Fear” em português — mas se a tradução seguir o mesmo esmero aplicado em outras obras da editora, podemos esperar uma escolha semântica que preserve o impacto dramático desses elementos.

Outro ponto de interesse é a adaptação do sistema de cartas, que é central no jogo. O baralho de Daggerheart conta com 279 cartas divididas em 5 categorias: Ancestralidade, Comunidade, Subclasse, Domínio e Itens. Cada carta possui ilustrações, descrições mecânicas e um design específico que comunica a identidade da classe ou da habilidade. A tradução disso tudo requer mais do que uma versão textual — exige uma reedição gráfica e logística.

Ainda não se sabe se a Jambô publicará as cartas impressas como parte de um conjunto físico nacional ou se optará por uma versão digital para impressão caseira. O que se espera, no entanto, é que o padrão de qualidade seja equivalente ao que a Jambô apresentou em projetos anteriores, como Tormenta20 e Candela Obscura, com atenção à fidelidade visual e à consistência narrativa com o espírito original das obras. A expectativa da comunidade é que o lançamento seja tão acessível quanto possível — tanto em termos financeiros quanto operacionais.

Há também uma dúvida não respondida: a tradução incluirá também os materiais digitais do Demiplane Nexus? Atualmente, os jogadores que acessam o Daggerheart Nexus encontram um ambiente digital robusto: leitor digital, compêndio de regras, construtor de personagens e fichas interativas. A Darrington Press ainda não confirmou se a Jambô terá acesso a esse ecossistema para traduzir ou adaptar suas funcionalidades. Seria um passo revolucionário — e arriscado — para o mercado brasileiro.

O histórico da editora, no entanto, é promissor. A Jambô tem se mostrado uma das poucas no Brasil a apostar na produção completa de linhas editoriais, incluindo suplementos, acessórios e conteúdo digital. O fato de já ter traduzido Candela Obscura (outro RPG da Darrington Press) sugere que há, nos bastidores, um acordo de médio e longo prazo para trazer todo o catálogo da empresa ao Brasil. E isso inclui Daggerheart, claro, mas também futuros suplementos, aventuras e, quem sabe, novas linhas narrativas ambientadas no universo de Core Realms.

E por falar em universo: o anúncio da minissérie Age of Umbra, que estreia em 29 de maio de 2025 e será ambientada em Daggerheart, pode impactar diretamente o mercado nacional. Afinal, a versão dublada ou legendada da série pode funcionar como porta de entrada emocional para novos jogadores — muitos dos quais nunca abriram um livro de RPG, mas sabem o nome de cada personagem de Critical Role. Se a Jambô conseguir sincronizar o lançamento do livro com o boom causado pela série, poderá transformar o que seria apenas mais uma tradução em um fenômeno editorial.

Arte promocional sombria da série Age of Umbra com figuras encapuzadas e lua ao fundo
O mundo de Daggerheart ganha vida com a série Age of Umbra — onde sombras guiam a narrativa

Mas há riscos. A adaptação brasileira de Daggerheart não acontecerá num vácuo. O cenário nacional já está saturado de sistemas, muitos deles populares, como Tormenta20, Old Dragon 2, D&D 5e, Vampiro: A Máscara e, claro, os sistemas indies que florescem nos eventos de RPG alternativo. Daggerheart precisa encontrar um espaço entre a nostalgia e a novidade — e isso requer não apenas uma tradução linguística, mas uma tradução cultural.

Como convencer o jogador brasileiro, acostumado ao dado de 20 lados e ao sistema de níveis e classes clássico, a migrar para um RPG onde o que importa é qual dado de d12 tem o valor mais alto? Como explicar que um empate entre os dados gera um “sucesso crítico” mesmo que a rolagem tenha sido um fracasso absoluto? Como vender a ideia de que a improvisação pode — e deve — ser mediada por cartas?

Talvez a resposta esteja na própria sede por novidade. Muitos jogadores, especialmente mestres de longa data, estão esgotados da previsibilidade do sistema d20. A promessa de Daggerheart — um jogo onde o fracasso pode ser belo e o sucesso pode vir contaminado — ressoa com uma geração que cresceu ouvindo que a vida é injusta, mas que ainda assim quer viver algo mágico. Um sistema que transforma a incerteza em narrativa é, para muitos, uma válvula de escape criativa.

Resta saber se a tradução conseguirá preservar essa magia. Se conseguirá fazer com que Esperança e Medo sejam mais do que palavras bonitas — que sejam forças dramáticas, escolhas angustiantes, ferramentas narrativas genuínas. Porque, se não conseguir, a versão brasileira de Daggerheart correrá o risco de ser apenas mais um livro na estante. E não é isso que ele promete ser.

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O Retorno da White Wolf: a Nova Era do Mundo das Trevas - Artifício RPG 28/05/2025 at 12:44

[…] Lançamento do Prometido Daggerheart do Critical Role […]

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